Crédito consignado
Estudo do Idec mostra o impacto do crédito consignado no endividamento de idosos com baixa renda
O número de endividados já vinha crescendo expressivamente no Brasil há algum tempo, mas o cenário se agravou depois da pandemia. Algumas medidas governamentais também contribuíram com o endividamento da população, como a Lei nº 14.131/2021, que permite que 40% da renda seja comprometida com o pagamento de parcelas do crédito consignado, modalidade disponível no Brasil desde 2003. "Isso significa que sobra 60% para arcar com todas as outras contas, como luz, água, aluguel etc.", diz o advogado do Idec Fábio Pasin, pesquisador do programa de Serviços Financeiros. "Ao mesmo tempo, ele é um dos produtos mais rentáveis para os bancos, já que não há inadimplência, pois as parcelas são extraídas automaticamente da aposentadoria", ele complementa.
De acordo com a especialista em proteção e defesa do consumidor Neide Ayoub, que trabalha na Diretoria de Estudos e Pesquisas do Procon-SP, houve aumento de 156% nas demandas de endividados, especialmente as relacionadas ao crédito consignado. "Até agosto de 2021, foram registradas 6.542 queixas, enquanto que no ano inteiro de 2020 foram 6.502", ela relata. Para Ayoub, os dois principais fatores que conectam o crédito consignado ao desequilíbrio financeiro dos brasileiros é a falta de esclarecimentos sobre os riscos por parte dos bancos e do Governo Federal, que há anos vem dando excessiva ênfase ao crédito como principal forma de melhoria do consumo das famílias; e os contratos de longo prazo (o crédito consignado pode ser pago em até 84 parcelas), que tornam a dívida impagável por conta dos juros compostos.
Considerando todos esses dados, o Idec resolveu investigar os impactos do crédito consignado no endividamento de aposentados pelo INSS. "Esse tipo de crédito poderia ajudar na democratização do acesso ao crédito justo, com baixo custo. Contudo, o descontrole na oferta desse produto, com casos de assédio e outras irregularidades, revela que lacunas regulatórias dificultam a acessibilidade. Assim, ele favorece as instituições bancárias em detrimento do endividamento de idosos beneficiários do INSS", declara a economista Ione Amorim, coordenadora do programa de Serviços Financeiros e responsável pelo estudo que analisou, em detalhes, a concessão do crédito consignado no Brasil.
OFERTA DESCONTROLADA
Um dos grandes problemas do crédito consignado é que ele é ofertado, na maioria das vezes, de forma abusiva, principalmente pelos agentes bancários, que são correspondentes autônomos ou empresas contratadas pelos bancos para terceirizar o serviço de oferta de produtos financeiros. "A atuação desses agentes tem um lado positivo, pois favorece a inclusão financeira, já que eles levam os produtos dos bancos aos cidadãos de todo o Brasil. O problema é que esses profissionais são pouco fiscalizados e não é possível saber o grau de comprometimento que eles têm com os bancos, pois oferecem o produtos de várias instituições ao mesmo tempo", aponta Pasin.
COMO FOI FEITA A PESQUISA
O estudo foi dividido em partes: 1. Contextualização do cenário e evolução das condições de oferta e concessão de crédito consignado no País; 2. Avaliação crítica da legislação do crédito consignado; 3. Estudo do caso de uma aposentada que tem 15 empréstimos consignados e boa parte de sua receita comprometida com eles; 4. Análise comparativa da legislação mexicana sobre a oferta do crédito consignado.
Para a parte 1, analisamos, principalmente, o Relatório de Economia Bancária 2020, do Banco Central. Na 2, avaliamos todos os instrumentos normativos que regulamentam a concessão do crédito consignado no Brasil. Na 3, entrevistamos, presencialmente, uma aposentada endividada, que respondeu a um questionário com 30 perguntas; E na 4, foram analisados os instrumentos normativos para regulação do crédito consignado no México, que está em discussão no País.
Ione Amorim, economista do Idec responsável pelo estudo
O estudo também analisou um caso real de endividamento. O Idec entrevistou uma aposentada de 73 anos, que vive na cidade de São Paulo – ela pediu para não divulgarmos sua identidade. Há 15 anos, parte de sua receita de R$ 2.200 é destinada a pagar suas dívidas com consignados, 15 ao todo. Ela contou que confia na agente bancária que gerencia as suas operações, mesmo não recebendo todas as informações sobre os contratos e de a profissional não ter conseguido explicar a origem de um consignado depositado em sua conta sem solicitação. "Com 40% do benefício destinado às parcelas do consignado e o pagamento das despesas básicas (aluguel, água e energia elétrica), restam apenas R$ 230 para ela gastar com alimentação e medicamentos", calcula Pasin.
REGULAMENTAÇÃO INEFICIENTE
O estudo avaliou, ainda, as normas que regulamentam a concessão do crédito consignado e concluiu que a atual legislação é ineficiente e apresenta lacunas regulatórias, além de falta de fiscalização e monitoramento pelo Banco Central.
Mesmo diante de fortes evidências de comprometimento de renda e endividamento dos idosos brasileiros, o Banco Central avaliou o crédito consignado no Relatório de Economia Bancária de 2020 da seguinte forma: "representa volume importante de recursos em um primeiro momento para os aposentados e pensionistas, por outro pode gerar uma redução relevante de sua renda disponível ao longo do tempo". Para Amorim, essa é uma conclusão muito branda para um problema que se apresenta com dados bastantes robustos sobre a fragilidade financeira dos idosos.
O Idec enviou os resultados a 14 instituições financeiras que ofertam crédito consignado. Apenas oito responderam. Eles alegam que têm buscado soluções por meio de medidas autorregulatórias, (um manual de boas práticas elaborado por eles). "Além de a autorregulação ter se mostrado ineficiente, há uma clara incompatibilidade de interesses, pois se o próprio setor cria as regras, ele obviamente coloca seus interesses em primeiro lugar", critica Pasin.
Com base nos resultados do estudo, o Idec defende o urgente desenvolvimento de mecanismos de fiscalização efetivos, bem como a regulamentação específica, em nível federal, que trate dos principais problemas de consumo relacionados à oferta do crédito consignado no Brasil.
DESTAQUES DA PESQUISA
- 20% das operações de crédito para pessoas físicas no Brasil são de crédito consignado. Essa modalidade fica atrás somente do crédito imobiliário (31%).
- 60% dos consumidores de consignado são beneficiários do INSS.
- O Brasil tem 36.200.790 aposentados e pensionistas beneficiários do INSS, sendo que 11,5 milhões têm crédito consignado.
- 73% dos cidadãos que têm crédito consignado recebem até dois salários mínimos.
- Aposentados do INSS com renda até dois salários mínimos usam de 30% a 40% dela com crédito consignado.