Financiadores do desmatamento
Muito se tem falado das queimadas na Amazônia – a maioria delas criminosa (segundo dados do Mapbiomas, 98% das queimadas são ilegais). Infelizmente, para aumentar a área de pasto e plantação (e consequentemente o lucro), muitos pecuaristas e agricultores acabam destruindo o meio ambiente: 80% do desmatamento da Floresta Amazônica têm como objetivo criar espaço para o gado pastar.
E quem financia o agronegócio brasileiro? Ora, os bancos. Portanto, uma instituição financeira que faz um empréstimo para uma empresa que desmata ou que está ligada indiretamente ao desmatamento, também tem culpa no cartório.
E não estamos falando apenas de bancos brasileiros. Estudo realizado este ano pelo Fair Finance International avaliou o envolvimento de bancos, seguradoras e fundos de pensão da Holanda, da Noruega e da Alemanha com empresas brasileiras dos setores de carne e soja. Os pesquisadores constataram que foram investidos mais de US$ 11 bilhões (R$ 59,3 bilhões) em companhias que apresentam alto risco de envolvimento com o desmatamento da Amazônia e do Cerrado no Brasil.
Dos três países analisados, a Holanda foi a que mais investiu. Para saber mais sobre os resultados encontrados, conversamos com Julia Bakker, uma das responsáveis pela versão holandesa do estudo. Confira a seguir.
JULIA BAKKER é bacharel em Estudos de Mídia com especialização em Animais na Universidade de Amsterdã. Hoje é gerente júnior de programas de agricultura na Proteção Animal Mundial na Holanda.
O Fair Finance International realizou o estudo "Financiando a destruição da Amazônia e do Cerrado". Membros da rede na Alemanha, Holanda e Noruega avaliaram os investimentos feitos por bancos, seguradoras e fundos de pensão em empresas dos setores de soja e carne envolvidas direta ou indiretamente no desmatamento desses biomas. Quais foram os resultados encontrados pelos três estudos e quais as principais especificidades?
Julia Bakker: Ficou claro que as instituições financeiras holandesas são as maiores investidoras de empresas com alto risco de envolvimento no desmatamento da Amazônia e do Cerrado brasileiros. Os maiores montantes foram para a Cargill, seguida por Louis Dreyfus, Danone e JBS.
Quanto dinheiro foi investido em empresas direta ou indiretamente ligadas ao desmatamento ilegal?
JB: O estudo constatou que os bancos na Holanda investiram mais de US$ 14 bilhões; seguradoras, US$ 785 milhões; e fundos de pensão, quase US$ 2 bilhões, em empresas do setor de soja e carne bovina com alto potencial para desmatamento. Esses setores são responsáveis por mais de 80% do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, lembrando que entre 60% e 80% do desmatamento na Amazônia é ilegal.
Você pode explicar brevemente qual foi a metodologia usada no estudo?
JB: A pesquisa foi realizada em parceria com um professor de criminologia e especialista em Amazônia. O primeiro passo foi mapear as cadeias de abastecimento da soja e da carne bovina e seu envolvimento no desmatamento. O segundo passo foi selecionar as empresas mais relevantes na cadeia de suprimentos desses setores. Depois, foram analisadas as relações entre elas e as instituições financeiras holandesas.
O consumo consciente é um elemento importante no combate ao desmatamento. Como o consumidor pode saber se o banco em que tem conta financia empresas que desmatam e se os produtos que compram foram realmente produzidos de acordo com critérios de sustentabilidade?
JB: A coalizão holandesa do Fair Finance Guide elabora um ranking das instituições financeiras do país em diferentes temas. Nosso último relatório sobre a Amazônia informou os números referentes aos investimentos dos bancos, classificando-os em verde, laranja ou vermelho, de acordo com o grau de exposição ao desmatamento. Os consumidores podem verificar se há em seu país um Guia dos Bancos Responsáveis (no Brasil, ele está disponível em https://bit.ly/37NFH3u) e, se não existir, entrar em contato com seu banco para questioná-lo sobre desmatamento.
A União Europeia é um dos maiores importadores da carne brasileira. No entanto, foi relatado que os países europeus começam a discutir a responsabilidade de quem compra produtos ligados ao desmatamento e às queimadas, e as redes de supermercados têm sofrido pressão de ativistas para rastrear a carne exportada pelo Brasil e não comprar produtos de áreas desmatadas. Isso porque os consumidores estão cada vez mais exigentes. Como você vê esse movimento e quão eficaz ele é?
JB: É ótimo que esse assunto esteja na agenda da política e das pessoas. Eu acho que é realmente eficaz os consumidores exigirem mudanças e pedirem produtos sustentáveis. O consumidor tem muito poder. Então, se parar de comprar produtos oriundos de áreas desmatadas estará forçando as empresas a pensar e agir com sustentabilidade.
Como os bancos podem se comprometer com o desmatamento zero?
JB: Esperamos que os bancos selecionem adequadamente as empresas nas quais pretendem investir. Além disso, devem entrar em contato com as empresas que já fazem parte de sua carteira a fim de garantir que a sustentabilidade seja uma questão fundamental. Também é importante que essas conversas sejam feitas com regularidade e que haja compromissos concretos para melhorar as políticas empresariais e agir.
Quais são os principais desafios para uma cadeia produtiva de carne, soja e outros produtos não envolvida com desmatamento e queimada ilegal?
JB: Isso é muito difícil. Esses investimentos vão contra a necessidade de mudar para uma agricultura circular e sustentável – fechando e encurtando os ciclos em níveis local e regional – e para dietas saudáveis que sejam mais baseadas em vegetais e menos em produtos animais. Isso não se refere apenas aos investimentos na produção de carne bovina, mas também aos investimentos na produção de soja, uma vez que a soja sul-americana é quase exclusivamente usada para alimentar gado em sistemas industriais na China e na Europa. Portanto, é altamente problemático enquadrar a soja produzida em esquemas de certificação como a Mesa Redonda sobre Soja Responsável (RTRS) como sustentável, pois ela é usada como insumo para a produção intensiva de carne e laticínios.
E como os consumidores podem pressionar as instituições financeiras?
JB: Os consumidores têm muito poder. Eles podem enviar uma reclamação ao banco, à seguradora ou ao fundo de pensão quando estes apresentam uma pontuação ruim. Eles podem, ainda, questioná-los sobre suas políticas, por exemplo, relacionadas ao desmatamento. E mudar de banco também é uma possibilidade: isso é mais fácil do que a maioria das pessoas pensa.
Além da destruição do meio ambiente, que é a consequência mais óbvia do desmatamento, que outros problemas estão envolvidos?
JB: As consequências são muitas, mas acho que a mais urgente e óbvia é mesmo a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas. Em nossa pesquisa, descrevemos o chamado "ponto de inflexão". Quando isso for alcançado, a Amazônia secará e se tornará uma savana. Obviamente, ninguém sabe quando isso acontecerá exatamente, mas o pesquisador brasileiro Antonio Nobre afirmou, em dezembro de 2019, que se o desmatamento continuar no mesmo nível nos próximos 10/15 anos, o sul da Amazônia se transformará em uma savana. Além disso, há muitos conflitos com os povos indígenas, que são expulsos de suas terras.
Sobre a violação dos direitos humanos (e impacto do desmatamento sobre os povos indígenas), o que o estudo encontrou?
JB: Os povos indígenas sofrem muito com o desmatamento, mas estão super-representados como primeiras vítimas humanas do desmatamento. Tradicionalmente dependentes das florestas e dos rios, muitas vezes eles se opõem ao desmatamento. Os líderes de comunidades tradicionais, em particular, são alvos de ameaças e violência – muitas vezes letal – em conflitos pelo uso da terra e contra o desmatamento, conforme regularmente relatado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Na imprensa internacional, essas vítimas são frequentemente chamadas de defensores ambientais, um termo que pode sugerir que eles são membros de ONGs ambientais. Na verdade, eles são, em primeiro lugar, defensores de sua comunidade, da sua cultura e do seu modo de vida, para os quais a floresta é indispensável.
Saiba mais
Guia dos Bancos Responsáveis: https://bit.ly/37NFH3u