Meio ambiente: um tema urgentíssimo
Meio ambiente e consumo sustentável são temas que fazem parte da pauta do Idec, que acredita que todos os cidadãos têm direito a viver num planeta saudável. No entanto, eles também têm deveres éticos, morais e políticos para preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Cuidar do meio ambiente é um ato de cidadania. Contudo, para construirmos uma sociedade sustentável, é imprescindível que a população brasileira seja informada e conscientizada desde a infância, pois só assim poderá ser agente de mudanças.
Para falar sobre esse importante tema, entrevistamos o premiado jornalista ambiental André Trigueiro. A seguir, ele fala sobre sustentabilidade, greenwashing, mudanças climáticas, entre outros assuntos.
Os consumidores são muito cobrados para serem socioambientalmente responsáveis enquanto quem de fato polui tem suas responsabilidades minimizadas. Por exemplo, os cidadãos são responsabilizados pelo descarte inadequado de plástico, mas as empresas é que deveriam encontrar alternativas para suas embalagens. Assim, qual é o papel das empresas para uma sociedade sustentável?
André Trigueiro: A Política Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu a responsabilidade compartilhada entre governos, fabricantes, varejistas e consumidores na destinação final do lixo. Muitas empresas investem em inovação (ecodesign) para reduzir a pegada ecológica de seus produtos. Recentemente, a Prada [marca de luxo italiana] – sob pressão de ambientalistas – decidiu não mais usar peles de animais em suas coleções. Da mesma forma, a Coca-Cola anunciou a intenção de reciclar, a partir de 2030, todo o plástico utilizado em suas embalagens no mundo inteiro. No embalo da globalização, há uma cultura mais antenada com a ética do cuidado e com os riscos de um colapso na capacidade dos ecossistemas proverem água, matérias-primas e energia. No mundo dos negócios, quem ainda não percebeu isso vai desaparecer do mercado.
Você acha que, hoje, o consumidor tem mais consciência de que deve pressionar as empresas a terem mais responsabilidade socioambiental?
AT: As redes sociais turbinaram os movimentos que denunciam governos e empresas irresponsáveis ou omissas em relação aos cuidados ambientais. Paralelamente a isso, as novas gerações parecem muito mais dispostas a “praticar” sustentabilidade e desconfiar de promessas ou campanhas publicitárias sem resultados práticos efetivos e mensuráveis.
É impressionante a onda de protestos que varreram a Europa (e também alguns países da Ásia e vários estados norteamericanos) cobrando dos governos ações emergenciais de combate ao aquecimento global. O maior acordo de livre comércio da história, celebrado entre a União Europeia e o Mercosul, tem várias cláusulas ambientais importantes, como a redução das emissões de gases do efeito estufa e a proteção das comunidades indígenas. Milhares de empresas que pretendem alavancar investimentos e lucros com o acordo precisam se ajustar a essas cláusulas.
Boicotar produtos de empresas que agridem o meio ambiente é uma boa forma de colaborar com o meio ambiente?
AT: Sim, e lamento que isso seja tão pouco praticado por aqui. Lembrando que “colaborar com o meio ambiente” significa basicamente cuidar da nossa própria sobrevivência no planeta. O analfabetismo ambiental (tão comum entre dirigentes políticos e muitos empresários) ainda associa o meio ambiente à fauna e à flora, a bichinhos e à floresta. A questão ambiental remete à qualidade de vida em um planeta onde somos todos interdependentes. Entender como funciona o software inteligente da vida e descobrir como adaptar os atuais meios de produção e de consumo a isso é a senha para sermos felizes e saudáveis num mundo com menos conflitos.
Como você avalia a educação para a sustentabilidade no Brasil?
AT: Nos parâmetros curriculares do Ministério da Educação, o meio ambiente é um tema transversal, ou seja, alcança indistintamente todas as áreas do saber e do conhecimento. Estamos avançando nessa agenda, mas ainda há muito a fazer. É cada vez maior o número de escolas públicas e particulares que reforçam os conteúdos pedagógicos relacionados a esses assuntos. Nas universidades, a oferta de cursos de extensão, graduação e pós-graduação ligados à área ambiental cresce exponencialmente.
Uma pesquisa recente da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) revelou que, dentre as profissões mais bem remuneradas nos próximos anos no Brasil, aquelas ligadas à área ambiental aparecem em destaque. Em um mundo que experimenta uma crise ambiental sem precedentes na história, a busca por soluções inteligentes e de baixo custo é cada vez mais valorizada. Para isso, é preciso ter escolas e universidades oferecendo boa formação, pois é uma demanda do próprio mercado.
Recentemente, fizemos uma matéria sobre minimalismo, tendência que vem crescendo no mundo todo. Essa é uma forma eficaz de ser sustentável?
AT: Sim, desde que não seja imposto como estilo de vida para todos. Podemos (e devemos) ser felizes com menos. A sociedade de consumo cria falsas necessidades que custam caro ao planeta e geram muitas angústias e frustrações nas pessoas. Mas cada um de nós deve se sentir livre para realizar suas próprias escolhas.
Nesta edição da Revista do Idec comentamos os resultados de uma pesquisa que avaliou se fornecedores de diversos tipos de produto praticam greenwashing. Como o Idec pode aproveitar os resultados para pressionar as empresas a abandonarem essa prática?
AT: Anunciando amplamente os resultados da pesquisa e alertando os consumidores para a necessidade de não beneficiar o infrator, ou seja, boicotar as marcas que falseiam os supostos atributos “ecológicos” de seus produtos. Lamentavelmente, o Brasil não possui legislação específica que puna a maquiagem verde. Além disso, a autorregulação a cargo do Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária (Conar) deixa muito a desejar. Há algumas ações por parte dos publicitários, mas não me parece que seja suficiente. Temos ainda muito a avançar.
Como você vê a prática do greenwashing no Brasil? Como o consumidor pode evitar comprar produtos que se dizem “verde”, mas não são?
AT: Há situações fáceis de verificar, basta boa vontade. Veja o caso do Ecosport, veículo da Ford. A montadora usa de forma imprópria o termo “Eco”, sem nenhum motivo para isso. Qualquer pessoa interessada pode pesquisar os supostos atributos ecológicos do veículo e comprovar que eles não existem.
Ainda no setor automotivo, há questões mais complexas, que exigem a atuação de órgãos especializados para se detectar a fraude. É o caso do “Dieselgate”, o maior escândalo de maquiagem verde da história, envolvendo a Volkswagen alemã. Em resumo: descobriu-se que os veículos de passeio da montadora não eram tão eficientes na redução das emissões de poluentes quanto a propaganda anunciava. Pior que isso, houve má-fé da Volkswagen em falsear essa realidade. O escândalo abalou o prestígio da empresa que, ironicamente, usava em sua publicidade o bordão “você conhece, você confia”. No mundo de hoje, mentira tem perna curta. Quem aposta na maquiagem verde vai perder sempre.
Em 25 de janeiro, um pouco mais de três anos após a tragédia de Mariana, uma barragem de Brumadinho se rompeu. Qual o papel do licenciamento ambiental para evitar grandes desastres?
AT: Os empreendimentos da Vale foram licenciados pelos órgãos ambientais, mas os órgãos licenciadores foram complacentes e irresponsáveis. A questão vai além do licenciamento. É preciso fiscalizar com seriedade, exigir normas de segurança muito mais severas e, em caso de acidente, punir exemplarmente. O Brasil precisa cobrar multas e indenizações de pessoas físicas, não apenas jurídicas. Tem que doer no bolso do CEO da empresa. Quando isso acontecer, a coisa muda. Em relação ao que houve em Mariana e Brumadinho, não foi acidente, foi crime.
Grandes desastres como os de Mariana e Brumadinho chamam a atenção da mídia e dos cidadãos brasileiros. Mas pouco se fala do número de mortes decorrentes de problemas respiratórios causados pela poluição do ar, por exemplo. Porque alguns eventos nocivos à saúde não aparecem tanto na mídia?
AT: Discordo. Existem várias mídias cobrindo, de diferentes maneiras. Os problemas respiratórios sofridos pelos moradores de Mariana e Brumadinho foram abordados em várias reportagens. Eu mesmo tratei desse tema na TV aberta e na TV por assinatura. Contudo, a poluição do ar continua sendo um assunto desimportante para as autoridades brasileiras, que não assumem suas responsabilidades.
O Idec faz parte do Observatório do Clima. Assim, o tema mudanças climáticas faz parte de sua pauta. Como o Instituto e outras entidades civis podem contribuir com essa importante questão? E o que os cidadãos podem fazer?
AT: Pressionar os governantes a serem mais eficientes na redução das emissões de gases de efeito estufa é muito importante. Devemos prestar atenção em como isso vem acontecendo em algumas partes do mundo. Toda sexta-feira, milhares de jovens em diversos países (especialmente no continente europeu) realizam manifestações cobrando isso das autoridades. Greta Thunberg – adolescente sueca de 16 anos indicada para o Nobel da Paz – tornou-se uma das maiores “lideranças climáticas” da atualidade.
Em Londres, manifestantes paralisaram o trânsito no centro da cidade durante 11 dias exigindo leis mais rígidas para a redução das emissões e foram atendidos. Nos Estados Unidos de [Donald] Trump, diversos governadores e prefeitos (muitos deles do Partido Republicano) ignoraram a decisão do presidente de abandonar o Acordo do Clima e elevaram os próprios compromissos de redução das emissões.
Por aqui, a política climática foi deixada de lado, sem recursos públicos ou status de prioridade. Nossos melhores cientistas afirmam que o Brasil é um dos países mais vulneráveis do mundo às mudanças climáticas com a elevação do nível do mar, eventos extremos, mudança do ciclo da chuva etc. Estranhamente, não se vê a população mobilizada como em outros países. É preciso entender o senso de urgência em torno desse assunto e o que está em jogo se nada for feito.