Todo dia é dia do consumidor
Consciência e mobilização são armas eficazes contra falhas e abusos de empresas fornecedoras de produtos e prestadoras de serviços
Em um país onde a educação para o consumo não consta dos currículos escolares, o Dia do Consumidor – celebrado em 15 de março – é um marco importante para lembrarmos que consumidores organizados têm papel essencial no cumprimento de direitos, já que o Estado brasileiro, apesar de ser regido por uma “economia de mercado”, é deficitário na difusão de informação sobre relações de consumo à população, contrariando o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Nesse cenário, parte significativa das empresas, ao menos num primeiro momento, não se mostra disposta a resolver as reclamações de seus clientes. Para enfrentar a situação, consumidores conscientes buscam orientação, muitas vezes encontrando respaldo em organizações não governamentais. Assim, desde que foi fundado, em 1987, o Idec acumula um histórico de lutas e conquistas, o que só é possível graças ao apoio que recebe de seus associados.
A seguir, contamos algumas histórias de consumidores empoderados que conseguiram solucionar seus problemas de consumo com a ajuda do Instituto e tiveram seus casos relatados na seção Caso Real de edições passadas da Revista do Idec.
PLANOS DE SAÚDE: LÍDER DE RECLAMAÇÕES
Os planos de saúde foram os líderes absolutos de reclamações no Idec em 2018. As queixas associadas a operadoras correspondem a quase um terço do total de atendimentos feitos no ano passado. E o principal problema relatado foi o reajuste abusivo.
Ranking de Reclamações 2018
Ana Carolina Navarrete, pesquisadora do Idec em Saúde, acredita que as queixas sobre reajustes indicam falta de transparência na forma como eles são aplicados. “Fórmulas pouco claras no contrato e a ausência de justificativa para os aumentos aliadas à vulnerabilidade do consumidor fazem com que as empresas repassem a este o risco do negócio”, ela diz.
A advogada Jorgina de Freitas Monteiro tem se valido do diálogo com o Idec para resolver problemas. Demorou, mas o reajuste abusivo aplicado no contrato de plano de saúde de seu marido foi derrubado por uma decisão judicial. Em abril de 2015, quando Arnaldo Monteiro completou 56 anos, ele recebeu de presente um reajuste de mais de 100% em razão da mudança de faixa etária. A mensalidade, que custava R$ 438,10, saltaria para R$ 967,18. O casal não concordou e questionou a operadora. Jorgina seguiu as recomendações do Idec: tentou conversar com a empresa, registrou reclamação no Procon e acionou a plataforma Consumidor.gov.br, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em todas as etapas, a empresa alegou que o reajuste era legítimo. Em julho de 2015, o Juizado Especial Cível (JEC) proferiu uma primeira sentença em favor do casal, mais tarde confirmada nas instâncias superiores.
O Idec também ajudou a advogada e associada Ivani Ceccoto a encontrar o caminho das pedras. Sua amiga Celia Svevo surpreendeu-se com um aumento de quase 90% em seu plano de saúde, que chegou a quase R$ 2 mil. Ceccoto havia acabado de fazer um curso no Idec sobre o tema e não teve dificuldades para notar que o reajuste era abusivo, não apenas pelo percentual, mas porque Svevo já tinha 60 anos e não poderia sofrer um aumento relacionado à faixa etária. A dupla seguiu a orientação do Instituto e registrou reclamação no site Consumidor.gov.br. No mesmo mês, a operadora admitiu o erro.
BANCOS PROBLEMÁTICOS
Segundo lugar no ranking de reclamações do Idec, os bancos responderam por 16,81% dos atendimentos em 2018. Problemas com cartão de crédito e com a conta corrente ou poupança ficaram empatados, seguidos por seguros. A falta de educação financeira para a população e a falta de clareza com que instituições financeiras comunicam os termos e as condições de seus contratos e serviços frequentemente geram confusão. Além disso, muitos consumidores têm dúvidas sobre o que é realmente devido ou não em cobranças ou renegociação de dívidas. “Por isso, é importante ler o contrato atenciosamente e esclarecer qualquer incerteza que possa aparecer”, recomenda Ione Amorim, economista do Idec e pesquisadora em Serviços Financeiros.
A advogada e associada do Idec Rosandra Alves Correa, de Campinas (SP), está tentando resolver, por conciliação, uma cobrança indevida em seu cartão de crédito do Itaú. O banco a havia isentado de anuidade, mas, quando as mensalidades chegavam, o valor estava sempre lá. Ela registrou reclamação no Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) e aguarda resposta. “Não é uma questão de valores, é uma questão de direitos. Eu não admito esse tipo de coisa”, declara. Não é a primeira vez. Em julho de 2015, ela estranhou um débito de R$ 2.006 em sua conta bancária. O Itaú a informou que se tratava de uma renovação automática do seguro veicular. A advogada registrou boletim de ocorrência, mas como a situação não foi resolvida, procurou o Idec, que confirmou o direito à devolução em dobro. Ainda naquele mês, recebeu o dinheiro de volta.
Já o engenheiro aposentado e associado do Idec Luiz Carlos O. Di Donati, de São Paulo (SP), colocou ponto final na relação de 25 anos com o Santander depois de sofrer um golpe daqueles que envolvem ligações misteriosas e um pedido para fornecer informações pessoais. Os golpistas sacaram R$ 2.500 de sua conta, e o gerente responsável disse que nada poderia fazer. Donati procurou o Idec, que o orientou a tentar resolver a situação nos canais de atendimento da instituição financeira. Não adiantou. Então, recorreu ao JEC. No fim, deu tudo certo.
Segundo Amorim, problemas como o de Correa e Di Donati são comuns. “Embora eles ocorram com frequência, os bancos resistem em se responsabilizar. Portanto, é importante que os consumidores formalizem a reclamação e exijam que seus direitos sejam respeitados”, ela enfatiza.
CAMINHO PARA A SOLUÇÃO
Igor Marchetti, analista de relacionamento do Idec, explica que o primeiro passo para solucionar um problema de consumo é entrar em contato com a empresa por meio de carta com aviso de recebimento. “Disponibilizamos esses modelos de carta aos nossos associados”, conta.
Se a resposta não for satisfatória, o consumidor pode registrar queixa no site Consumidor.gov.br e procurar o Procon da sua cidade. Se o caso continuar sem solução, o jeito é entrar com ação na Justiça. Para causas de até 20 salários mínimos, é possível procurar o Juizado Especial Cível (JEC).
Em relação aos serviços financeiros, Marchetti informa que o Consumidor.gov.br tem funcionado para a renegociação de dívidas. “Houve retornos positivos que não imaginávamos”, comemora.
CONTA DE LUZ E TV POR ASSINATURA
A servidora pública e associada do Idec Françoise Aron, de São Paulo (SP), descobriu, em 2017, que pagava, havia cinco anos, um seguro embutido na conta de luz sem que tivesse autorizado a Eletropaulo. Aron tentou resolver o problema com a empresa, mas a resposta foi: “reclamação improcedente”. Inconformada, procurou o Instituto e teve a sua história contada na edição 212 da Revista do Idec. Também foi convidada a dar entrevista a um telejornal, numa reportagem sobre uma ação judicial movida pelo Idec contra a Eletropaulo em função de cobranças indevidas. “A concessionária finalmente resolveu o problema. Cancelou o serviço e devolveu em dobro a quantia que paguei indevidamente. Se não fosse o Idec e a repercussão, eu estaria a ver navios até hoje”, ressalta a associada.
Segundo Clauber Leite, engenheiro e pesquisador do Idec em Energia e Consumo, o maior problema do setor energético está nas faturas ou na falta de transparência delas. “O consumidor, na maioria dos casos, não sabe o que está pagando, sendo que mais de 40% são encargos e tributos. As contas são quase indecifráveis e pouco transparentes”, ele critica.
Já a pedra no sapato do associado Lúcio José de Oliveira foi o setor de telecomunicações. Em 2015, o contabilista de Araxá (MG) decidiu mudar o pacote de TV por assinatura da Sky por um mais barato. Com a troca, houve redução dos canais disponíveis e dos pontos extras, de três para dois. Assim que a mudança ocorreu, Oliveira percebeu que a empresa havia deixado apenas um ponto adicional ativo. Entrou em contato com a operadora, em vão. Registrou, então, reclamação contra a operadora na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e, paralelamente, pediu orientação ao Idec. O Instituto esclareceu que se tratava de uma falha na prestação do serviço e sugeriu que ele fizesse queixa no Consumidor.gov.br pedindo a solução do problema e a devolução dos valores cobrados pelo serviço não prestado, visto que outras providências já haviam sido tomadas. O associado fez o relato no site e, dez dias depois, a Sky admitiu que houve falha. Além de reparar o erro, a operadora deu desconto nas faturas seguintes para compensar o tempo que o ponto ficou indisponível.
Diogo Moysés, líder do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec, informa que as cobranças indevidas são as que mais geram reclamações no setor. “Esse problema persiste especialmente em relação a produtos e serviços não contratados. Por isso, precisamos de um maior engajamento das empresas e da Anatel”. Segundo Moysés, outra questão relevante é o baixo limite das franquias de dados da telefonia móvel, o que leva ao bloqueio do serviço (vedado pelo Marco Civil da Internet). “Hoje, a internet é um direito fundamental, como prevê a lei do setor. Portanto, não deveria haver restrições, exceto por falta de pagamento”, ele diz.
PRODUTOS COM DEFEITO
O funcionário público e associado do Idec Jair Alberto de Araújo, da capital paulista, narrou à equipe da revista o problema que teve com uma TV da Samsung. O aparelho, já fora do período de garantia, apresentou defeito, e o conserto custaria R$ 4.500. Desconfiado, Jair procurou o Idec, que avaliou se tratar de um caso de vício oculto, defeito que só se manifesta depois de certo tempo de uso, dentro do prazo de vida útil do produto. O associado entrou em contato com a empresa, que ressarciu o valor pago.
A médica veterinária e associada do Idec Patrícia de Sá e Benevides também tem aprendido a se prevenir e, quando não dá, a resolver problemas. “Eu procuro comprar em lugares confiáveis, pesquiso bastante e evito certos sites”. Em setembro de 2016, ela comprou óculos de grau com lentes multifocais em uma ótica indicada pela clínica onde se consultou. Quando recebeu o produto, percebeu que as lentes não estavam ajustadas adequadamente. Benevides reclamou à loja, e a única opção oferecida foi trocar a armação, mas não havia nenhuma em que as lentes coubessem. Como o problema não foi resolvido, procurou o Idec. Foi instruída a enviar uma carta solicitando o cancelamento da compra e a devolução do valor pago. Contudo, por falha dos Correios, o documento não foi entregue. Assim, em novembro daquele ano, entrou com ação no JEC pedindo o estorno e o cancelamento das parcelas. No fim do mês, a ótica devolveu R$ 2 mil à associada. A ação, porém, prosseguiu no JEC, e Benevides recebeu também indenização por danos morais.
CONSUMIDORES INFORMADOS + ASSOCIAÇÕES INDEPENDENTES
De acordo com Marilena Lazzarini, fundadora do Idec e atual presidente do Conselho Diretor, a combinação entre consumidor informado e associações independentes é o eixo central para contrapor o poder econômico do setor privado e as medidas governamentais desfavoráveis aos cidadãos. “São fundamentais a disponibilização de canais para divulgar os direitos e meios para exercê-los, além do fortalecimento de associações de consumidores comprovadamente independentes do poder econômico e de partidos políticos, como é o caso do Idec. As entidades fazem o que nem o consumidor mais bem informado consegue fazer sozinho: monitorar e influenciar centenas de legislações que afetam a vida dos brasileiros”, destaca.
Ela aponta, ainda, a necessidade de fortalecer os Procons com dirigentes escolhidos entre profissionais experientes e sem influência político-partidária. “É fato que o número de reclamações recebido pelos Procons e demais canais abertos ao público vem aumentando ano após ano. Isso evidencia que mais pessoas estão indo atrás de seus direitos, o que faz todo sentido em tempos de crise econômica”, constata Lazzarini.