Como os bancos usam o seu dinheiro
Na 7a edição do GBR, as notas para o comprometimento socioambiental das principais instituições financeiras que atuam no País continuam muito baixas. Falta de políticas e de interesse em dialogar com o Idec contribuem para o fraco desempenho
Se você tem dinheiro aplicado na poupança ou investido em outros produtos bancários, já parou para pensar o que o banco faz com ele? E se você soubesse que ele financia indústrias que fabricam armas e empresas que destroem o meio ambiente ou mantêm funcionários em condições análogas ao do trabalho escravo, você continuaria emprestando seu suado dinheirinho para ele?
É para dar aos consumidores poder de escolha, que o Idec realiza, desde 2011, o Guia dos Bancos Responsáveis (GBR), para avaliar as políticas de nove bancos: Banco do Brasil, Bradesco, BNDES, BTG Pactual, Caixa Econômica Federal (CEF), Itaú, Safra, Santander e Votorantim. Desde 2014, o GBR faz parte do Fair Finance Guide International (FFGI), que reúne organizações da sociedade civil de diversos países com o objetivo de responsabilizar as instituições financeiras pelos impactos de seus investimentos e serviços financeiros na sociedade e na natureza.
Na página do GBR brasileiro – www.gbr.org.br –, alocada no Portal do Idec, é possível verificar quais as políticas internas dos bancos avaliados, bem como os padrões exigidos para as empresas que financiam e para os investimentos que fazem. “Nosso objetivo é incentivar o desenvolvimento sustentável através de investimentos que reduzam os impactos ao meio ambiente e que estimulem o respeito à igualdade de gênero e aos direitos humanos e trabalhistas. Já que os bancos financiam todas as atividades econômicas do País, eles têm o papel de zelar por essas questões”, declara Ione Amorim, economista, pesquisadora do Idec em serviços financeiros e responsável pelo GBR. “É importante ressaltar que esta é uma avaliação de políticas, então pode ser que um banco diga que tem certa política, mas, na prática, ela não seja cumprida nas agências bancárias. Por isso, fazemos estudos de caso entre as edições do GBR”, explica Gustavo Machado de Melo, internacionalista e também pesquisador em serviços financeiros e responsável pelo GBR.
COMO FOI FEITA A PESQUISA
A avaliação de políticas dos bancos é realizada a cada dois anos, em 11 países. No intervalo entre as edições do Guia dos Bancos Responsáveis (GBR), são feitos estudos de caso para verificar se as políti- cas são colocadas em prática, e a metodologia, que é unificada para todos os membros do Fair Finance Gui- de International (FFGI) desde 2014, é atualizada.
Começamos o estudo em julho deste ano. A primeira etapa foi enviar a metodologia para os nove bancos avaliados – Banco do Brasil, Bradesco, BNDES (incluído este ano), BTG Pactual, Caixa Econômica Federal, Itaú, Safra, Santander e Votorantim – permitindo que eles comentassem e fizessem sugestões que podem ser aproveitadas na revisão metodológica de 2019. Também foram realizadas reuniões com os bancos para esclarecer o papel deles no processo e detalhar o funcionamento do projeto.
Na segunda etapa, analisamos 272 documentos públicos que continham políticas e diretrizes dos bancos relacionadas à sustentabilidade, à relação com investidores e ao relacionamento com o cliente. Esses documentos foram coletados nos sites dos bancos. Avaliamos 345 itens de 18 temas nas seguintes categorias de investimentos: créditos corporativos, project finance, investimentos proprietários e gestão de recursos de terceiros. A nota, que vai de 0 a 10, foi atribuída considerando-se a existência explícita de determinada política e seu escopo.
Na terceira etapa, após revisão interna – pela equipe do Idec – e externa – pela consultoria holandesa Profundo –, foram determinadas as notas.
Na quarta fase, cada banco recebeu a sua avaliação e pode comentar o seu desempenho, além de firmar compromissos para melhorar suas políticas.
Por fim, com as respostas dos bancos em mãos, concluímos o relatório.
Ione Amorim e Gustavo Machado de Melo, pesquisadores do Programa “Serviços Financeiros” do Idec
NOTAS AZUIS GRAÇAS À LEGISLAÇÃO
Em três dos 18 temas avaliados, algumas instituições financeiras superaram a média 5, com notas muito satisfatórias. Contudo, os resultados ruins nos outros 15 temas, principalmente “Armas”, “Mudanças Climáticas” e “Setor Imobiliário”, derrubaram a nota final, que ficou entre 2,0 e 4,3 (veja quadro na página 18). O pior banco foi o BTG Pactual, e o BNDES, o melhor.
Banco do Brasil, Bradesco, BNDES, CEF, Itaú, Santander e Votorantim, tiveram bom desempenho nos temas “Direitos Trabalhistas” e “Meio Ambiente”. Já em “Inclusão Financeira”, os mais bem avaliados foram Banco do Brasil, Bradesco, BNDES, Caixa, Itaú e Santander. Na análise individual por tema, o banco que se saiu melhor foi o BNDES, que obteve nove notas acima de 5. As melhores foram: 8,8 em Inclusão Financeira, 7,1 em Meio Ambiente e 6,8 em Direitos Trabalhistas e Transparência. Veja todos os resultados na tabela abaixo.
Entretanto, vale lembrar que os temas com melhores resultados contam com legislação específica, além da Constituição Federal. Melo cita a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a Lei de Biossegurança (no 11.105/2005), resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), normas regulatórias do Banco Central, entre outras. O pesquisador faz duas ressalvas: “Não basta exigir o cumprimento da legislação, o banco precisa ter mecanismos de monitoramento. Além disso, as empresas nas quais os bancos investem não operam somente no Brasil, mas também no exterior, onde as leis podem ser mais brandas. Por isso, é importante que os bancos não somente exijam o cumprimento da legislação, mas tenham diretrizes básicas que devem ser cumpridas pelas empresas que recebem financiamento/investimento em qualquer país onde operem”.
NOTAS VERMELHAS
Embora o GBR esteja em sua 7a edição, os bancos continuam tirando nota vermelha (abaixo de 5) na maioria dos temas. Os piores resultados foram em ”Armas”, que avalia se bancos financiam ou investem em empresas envolvidas na produção, manutenção e distribuição de minas terrestres, munições de fragmentação (cluster) e armas biológicas, químicas ou nucleares. Com exceção do Santander e do Safra, todos os bancos avaliados ficaram com nota 0, por não apresentarem nenhuma política sobre o tema. O BNDES não apoia o comércio de armas, mas suas políticas para o setor de defesa não detalham as limitações que o banco coloca à produção e exportação de produtos bélicos.
O Santander tirou 4,6, pois segue as diretrizes da matriz do banco, que fica na Espanha e controla um grande grupo presente em diversos países. Já o Safra atualizou sua Política de Direitos Humanos, deixando claro que não mantém qualquer tipo de relacionamento comercial e/ou de financiamento com organizações que fabricam, comercializam ou distribuem armas químicas ou biológicas, armas nucleares e munição contendo urânio. “A ausência de políticas para o setor bélico não só rebaixa a nota geral como demonstra falta de comprometimento com um segmento que é de grande relevância na economia e na pauta de exportações do Brasil, com participação de 3,7% no Produto Interno Bruto brasileiro, totalizando R$ 200 bilhões”, afirma Amorim. Desde que o tema “Armas” foi incorporado ao GBR, há quatro anos, ele sempre obteve os piores resultados. “A grande novidade desta edição foi a mudança de política do Safra, que representa um significativo avanço”, elogia Melo.
O Instituto Sou da Paz preocupa-se com a inexistência de políticas de responsabilidade social que incluam avaliações sobre a venda de armas. “A inclusão de políticas se faz ainda mais importante quando consideramos dois fatores específicos dessa indústria no Brasil: somos atualmente o terceiro maior exportador de armas pequenas e leves, e são crescentes nossas exportações de material bélico pesado; e o Brasil tem um histórico de exportações questionáveis, como a venda de munições de fragmentação, internacionalmente condenada por seu dano humanitário, além da autorização de venda para compradores com alto risco de desvio para locais em crises humanitárias ou sob embargo do conselho de segurança da ONU. Assim, é urgente que os bancos compreendam o impacto negativo que o comércio irresponsável de armas gera para o desenvolvimento socioambiental”, argumenta Natália Pollachi, coordenadora de projetos de sistemas de justiça e segurança pública do Sou da Paz.
Quando se trata de direitos humanos, as notas variam de 2,5 a 5,5. “Normas nacionais e internacionais exigem dos bancos medidas concretas nessa área. Eles devem adotar compromissos públicos com o tema, além de garantir que suas atividades não causem ou contribuam com violações a direitos. Portanto, é preocupante a baixa adesão dos bancos a essas normas”, critica Julia Cortez da Cunha Cruz, da área de Desenvolvimento e Direitos Socioambientais da ONG Conectas.
Este ano, foi incluído no estudo o tema “Igualdade de Gênero”, que leva em consideração as políticas para igualdade salarial, assédio e representatividade das mulheres em altos cargos administrativos. “É um tema de crescente importância e que tem sido muito discutido. Todavia, as políticas estão muito aquém do almejado: a nota máxima foi 1,8, obtida por Banco do Brasil, BNDES e Santander”, observa Melo.
“Os resultados ruins mostram que ou não há políticas para determinadas áreas ou o conteúdo delas é apresentado de forma genérica e não aponta os compromissos assumidos para realização e gestão dos investimentos e para a concessão de créditos”, avalia Amorim.
O QUE OS BANCOS DISSERAM
BNDES: afirmou que a Política de Responsabilidade Social e Ambiental (PRSA), criada em 2010, busca garantir a integração das dimensões social e ambiental em sua estratégia, suas políticas, suas práticas e seus procedi- mentos. Este ano, incorporou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as Mudanças Climáticas, passando a compor o Programa IPACC II, parte de um conjunto de iniciativas contempladas nas negociações e nos acordos para o desenvolvimento sustentável firmados entre o Brasil e a Alemanha, que representam metas ambiciosas para redução de gases do efeito estufa (GEEs). Também implantou um conjunto de ações relacionadas à equidade de gênero e de raça e à valorização da diversidade.
Safra: revisou sua Política de Direitos Humanos, passando a contemplar novos itens para os temas “Armas”, “Direitos Humanos” e “Igualdade de Gênero”. Sobre igualdade de gênero, passa a vedar atos de assédio ou discriminatórios por meio de diferenças salariais e restrições de crescimento profissional no ambiente de trabalho e em todas as suas atividades e seus negócios. Também informou que monitora o padrão de risco socioambiental em suas negociações, garantindo o respeito às legislações ambiental, trabalhista e contra corrupção.
POUCO DIÁLOGO
Um fator que contribuiu com as notas baixas foi a recusa da maioria dos bancos em conversar com o Idec. Banco do Brasil, Bradesco, BTG Pactual e Itaú disseram que o relacionamento com o Instituto se daria exclusivamente por meio da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Contudo, esta não aceitou o convite para debater os resultados da avaliação. A justificativa foi que os bancos estão priorizando outras iniciativas do setor financeiro. O Santander não se manifestou.
Além de influenciar a nota, a falta de diálogo contradiz as políticas dos bancos. Banco do Brasil, Bradesco e Itaú, por exemplo, se comprometem, em seus documentos públicos, a dialogar com a sociedade civil. Todavia, não o fizeram. Na primeira fase da pesquisa, todos os bancos avaliados foram convidados a conhecer a metodologia. BNDES, CEF, Safra e Votorantim participaram pedindo esclarecimentos e fazendo comentários por telefone e e-mail. Entretanto, na fase de revisão das notas, somente o BNDES e o Safra responderam e se comprometeram a fazer algumas mudanças.
O Safra foi bastante aberto e apontou diversas políticas que já pratica. Não à toa, foi o banco que mais aumentou sua nota desde a última avaliação, em 2016, deixando de ser o mais mal avaliado. Quanto ao BNDES, como executor de políticas públicas do governo federal, o banco se vê frequentemente envolvido em polêmicas e, por isso, preza pelo relacionamento com a sociedade civil para evitar mal-entendidos.
Confira o estudo completo em www.gbr.org.br e veja o desempenho dos bancos em outros países em https://fairfinanceguide.org