Mais informações nos rótulos
Depois que o Chile imprimiu, em 2016, um selo preto na frente da embalagem de alimentos e bebidas processados e ultraprocessados com alta quantidade de açúcar, sódio e gorduras, outros países têm se inspirado e se movimentado para mudar sua Lei de Rotulagem. E o Peru já conseguiu essa mudança! Lá, o tal selo também é preto, mas tem formato octogonal.
O advogado Jaime Delgado, especialista em defesa do consumidor, uma das maiores autoridades do continente americano no tema “alimentos e rotulagem” e autor do projeto de lei que originou a Ley de Etiquetados (Lei de Rotulagem) peruana, nos contou, por e-mail, quais foram os principais desafios para a inclusão das advertências no rótulo dos produtos e quais serão os próximos passos nessa luta contra a obesidade e o sobrepeso. Também opinou sobre o semáforo nutricional e comentou sobre a rotulagem adotada em outros países.
Este ano, foi aprovada a inclusão de alertas com formato de octógono dizendo “alto teor de açúcar” ou “alto teor de sódio” no rótulo de alimentos e bebidas ultraprocessados. Esse modelo é facilmente compreendido por crianças e aplicado no Chile com êxito há dois anos. Como o senhor vê esse importante passo para o incentivo à alimentação saudável?
JD: Nossa Lei de Promoção da Alimentação Saudável propôs, desde o começo, em 2013, um sistema de advertências publicitárias na parte da frente da embalagem e em todas as propagandas do produto. Só faltava definir o desenho. O Ministério da Saúde, depois de um estudo, determinou que a melhor forma de comunicação era um octógono com fundo preto e avisos como “alto teor de açúcar, sódio, gorduras saturadas” ou “contém gordura trans, evitar o consumo” em letras brancas. A advertência para gordura trans e o convite para evitar seu consumo é muito importante na legislação peruana, e nem a lei chilena nem a equatoriana a contém. O Peru está em um processo de redução gradual da gordura trans, que expira em 2021.
Quais foram os principais desafios para a aprovação da inclusão das advertências nos produtos?
JD: A luta tem sido muito intensa. Eu fui autor do projeto de lei quando fui deputado, de 2011 a 2016. Para que a lei fosse aprovada, tivemos de trabalhar com todos os grupos parlamentares, mas a indústria fez muita campanha contra e pressionou as autoridades. O projeto original proibia fazer propaganda de produtos com muito açúcar, sódio e gorduras nos horários de programas infantis, mas isso não foi pra frente, porque os meios de comunicação opuseram-se fortemente no Congresso. Diversas organizações da sociedade civil se organizaram e fizeram pronunciamentos, campanhas, mobilizações, eventos etc. Não foi nada fácil, porque a indústria tem muitas formas de influenciar e pressionar os meios de comunicação e os deputados. Só depois de cinco anos a luta foi encerrada, com a regulação da Lei de Alimentação Saudável e a aprovação das advertências do tipo “octógono”.
Quais serão os próximos passos?
JD: A lei já está em vigor, mas precisamos fazer com que seja cumprida. Para isso, algumas medidas devem ser colocadas em prática imediatamente, como inserir a educação nutricional nas escolas; criar um observatório para estudar o sobrepeso e a obesidade; proibir a venda de comida não saudável em instituições de ensino e de saúde; promover a atividade física nas escolas e regular a publicidade dirigida a crianças. Além disso, até 17 de junho de 2019, as advertências em formato de octógono devem estar em todos os produtos com alta quantidade de açúcar, sódio e gorduras. Para isso, vários setores têm de trabalhar para aplicação e fiscalização da lei, como o Ministério da Saúde, Ministério da Educação, associações de consumidores, indústria alimentícia, o Indecopi (Instituto Nacional de Defesa da Competição e da Proteção da Propriedade Intelectual) etc.
Como era a rotulagem no Peru antes da Ley de Etiquetados?
JD: As normas de rotulagem eram de natureza geral, como estabelece o Codex Alimentarius, sem nenhum tipo de advertência. A Ley de Etiquetados é muito importante, pois obriga as indústrias a revelarem a verdadeira composição do produto. Isso é útil, mas não é suficiente para evitar que o consumidor seja enganado.
As indústrias defendem o semáforo nutricional. Qual a sua opinião sobre ele?
JD: No princípio, as empresas também foram contra o semáforo que o Equador havia estabelecido, pois o consideravam agressivo. E quando propusemos as advertências, a oposição foi maior ainda, porque a indústria sabe perfeitamente que elas são muito mais diretas e fáceis de ser compreendidas pelo consumidor, além de mais eficientes, de acordo com os resultados obtidos no Chile. É por causa disso que a indústria se opôs e criou um Frankstein, misturando os conceitos do semáforo com as Guias Diarias Alimentarias (Guia da Alimentação Saudável), com muitos dados e figuras incompreensíveis. Apenas um perito em nutrição ou matemática entenderia essa fórmula. Só porque tem cores foi chamado de semáforo, quando sabemos que não é.
O senhor acompanha a questão da rotulagem nutricional em vários países. Quais seriam exemplos a serem seguidos?
JD: Equador e Chile são os países pioneiros no continente americano com esse tipo de rotulagem, com advertências claras e simples dirigidas ao público infantil. O sistema de rotulagem não deve ser constituído de um mecanismo de certificação ou validação do produto, pois se refere apenas aos altos teores de açúcar, sódio e gorduras. Isso não significa que sem esses aditivos os produtos sejam saudáveis. Mesmo sem, eles poderiam ser ultraprocessados, com aditivos químicos, aromatizantes, corantes, geneticamente modificados etc. É por isso que o sistema de alertas, como o do Chile e do Peru, é melhor, porque se as empresas não quiserem ter essas advertências, terão que reformular seus produtos. Por outro lado, com o semáforo [nutricional], corre-se o risco de até a Coca-Cola ser apresentada como se fosse saudável.
Por que tantos países ainda não aprovaram uma lei que obrigue os fabricantes de alimentos ultraprocessados a colocar mensagens de alerta em seus rótulos?
JD: A indústria na América Latina está muito organizada e se reúne frequentemente para impedir esse tipo de regulação estatal e pressionar o Governo e o Congresso. Essa é a razão pela qual os países demoram a adotar essas regulações, apesar de ser um tema prioritário de saúde pública. A indústria quer que os consumidores continuem comendo às cegas, não querem informá-los porque isso poderia motivá-los a não adquirir seus produtos.
A ADVERTÊNCIA PARA GORDURA TRANS E O CONVITE PARA EVITAR SEU CONSUMO É MUITO IMPORTANTE NA LEGISLAÇÃO PERUANA, E NEM A LEI CHILENA NEM A EQUATORIANA A CONTÉM. O PERU ESTÁ EM UM PROCESSO DE REDUÇÃO GRADUAL DA GORDURA TRANS, QUE EXPIRA EM 2021
O senhor analisou a rotulagem nutricional da Colômbia. O que encontrou de mais significativo?
JD: Na Colômbia e em outros países existem muitos erros nos rótulos. Na minha análise, descobri que há produtos que não são manteiga, mas são vendidos como se fossem, e até exibem a imagem de uma vaca na embalagem.
Em maio de 2013, o Peru aprovou a Lei de Promoção da Alimentação Saudável para Crianças e Adolescentes, que restringe publicidade infantil que incentive o consumo de alimentos e bebidas que contenham gorduras saturadas e trans, açúcar e sódio em alta quantidade. Essa lei está sendo cumprida?
Jaime Delgado: Embora a lei tenha sido aprovada há mais de cinco anos, ela foi boicotada pela indústria para não ser regulamentada. Finalmente, a regulação foi publicada em 2017, ficando pendente apenas o manual que define o formato das advertências no rótulo. Esse processo terminou em junho deste ano.
AS LEIS SÃO APENAS FERRAMENTAS PARA ENFRENTAR O SOBREPESO E A OBESIDADE. O IMPORTANTE É QUE OS SETORES PÚBLICO E PRIVADO ATUEM DE FORMA COORDENADA
O senhor costuma dizer que fórmulas infantis são um capítulo a parte. Por quê?
JD: A venda e o marketing de fórmulas infantis é um grave problema porque a cada dia ficam mais intensos, enquanto a amamentação, em vez de crescer, está diminuindo. As fórmulas só deviam ser vendidas em casos extremos, quando a mãe tem alguma dificuldade ou problema de saúde. A indústria é muito agressiva e não se importa com os danos que provocam às crianças com esses produtos cheios de açúcar.
Com base na experiência peruana, o que recomendaria aos países que ainda estão discutindo a rotulagem nutricional, como o Brasil?
JD: As leis são apenas ferramentas para enfrentar o sobrepeso e a obesidade. O importante é que os setores público e privado atuem de forma coordenada. A lei não deve se concentrar apenas na rotulagem e na advertência, mas também abordar outras questões, como a educação nutricional e a proibição da venda de comida não saudável nas escolas, a regulamentação da publicidade e da rotulagem, a promoção da atividade física e um sistema de monitoramento que mostre o efeito dessas medidas, para que sejam tomadas as ações corretivas necessárias.