De onde vem? Para aonde vai?
Pesquisa inédita do Idec revela que o direito dos usuários de transporte público à informação não é respeitado nas maiores cidades do País
Em Brasília, 19h. Está no ar o Caos do Brasil. No Eixo Monumental, centenas de pessoas se amontoam à espera do próximo ônibus. Ninguém sabe qual será nem quanto tempo irá demorar, muito menos que horas chegará ao destino. A alguns metros dali está o Palácio do Planalto, e um pouco adiante o Palácio do Buriti, sede do governo do Distrito Federal. Quem mora na capital do País está tão perto do poder, mas ao mesmo tempo tão longe de soluções simples para a falta de informações básicas aos usuários de transporte público.
E Brasília não é um caso isolado. Levantamento feito pelo Idec em 12 capitais constatou que todas descumprem a Política Nacional de Mobilidade Urbana - PMNU (Lei nº 12.587/2012). A legislação é clara ao expressar que o usuário tem o direito de “ser informado nos pontos de embarque e desembarque de passageiros, de forma gratuita e acessível, sobre itinerários, horários, tarifas e modos de interação com outros modais”. Além disso, ele deve receber informação sobre seus direitos e deveres e dos prestadores de serviços, e conhecer os padrões de qualidade e quantidade estabelecidos previamente. “O que a gente vê é que o assunto é completamente ignorado, tratado como algo burocrático. Coloca-se o básico para cumprir a exigência e o mínimo para funcionar o sistema”, declara Rafael Calábria, pesquisador do Idec em Mobilidade Urbana e um dos responsáveis pela pesquisa. “É comum encontrarmos informação sobre comportamentos que o usuário deve evitar, como pular na via, mas os direitos que ele tem quase nunca são explicados”, completa.
Os resultados da pesquisa demonstram uma situação bastante crítica, que evidencia que os órgãos de trânsito não tratam a informação com a devida importância. “Nenhum dos órgãos de transporte cumpre na íntegra o que está previsto na legislação federal. Isso é muito grave. Poderíamos estar na situação de cobrar melhorias. Mas não, estamos cobrando o básico”, destaca Luiz Marcelo Teixeira Alves, pesquisador do Idec em Mobilidade Urbana e também responsável por este levantamento. José Aguilar Pilon, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo e autor da tese “Sistema de Informação ao Usuário de Transporte Coletivo por Ônibus na Cidade de Vitória-ES”, afirma que a apresentação de dados básicos é uma ferramenta de diálogo importante entre o operador e os usuários, de forma a satisfazer suas necessidades (tempo de espera, horário de partida, itinerário das linhas, conexões intermodais etc.).
COMO FOI FEITA A PESQUISA
Nosso acompanhamento sistemático da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) já indicava o descumprimento da legislação no que diz respeito à prestação de informações. Partindo dessa hipótese, mobilizamos pesquisadores e entidades parceiras nas 12 maiores capitais do País – Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP) – para que fotografassem as informações disponibilizadas aos usuários nas infraestruturas e nos veículos do transporte coletivo, com o objetivo de registrar o padrão disponibilizado pelas prefeituras.
Com os dados em mãos, verificamos primeiramente, o cumprimento dos itens básicos, como linhas, itinerários, horários e frequência e, em seguida, as informações sobre direitos e deveres dos usuários e dos operadores do serviço. Por fim, ficaram os dados adicionais, como mapa das linhas, plataformas, rastreio de veículos e horário das próximas partidas.
Esta pesquisa recebeu o apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS).
Rafael Calábria e Luiz Marcelo T. Alves, pesquisadores do Idec em Mobilidade Urbana
INFORMAÇÕES IGNORADAS
Foram analisados diferentes meios de transporte (trem, metrô, ônibus e BRT) - tanto os veículos quanto os terminais e as estações. No geral, o padrão de qualidade estabelecido por lei é ignorado. Quando se trata de ônibus, apenas 25% das situações analisadas apresentaram informações.
Há uma diferença marcante entre os tipos de transporte. Enquanto estações de metrô costumam estar um pouco mais perto do ideal, incluindo mapa do entorno e da via, os terminais de ônibus ficam devendo. Informações relativamente simples, que poderiam permitir o acompanhamento do horário dos veículos, por exemplo, raramente estão disponíveis. “O espaço dos terminais é pouco aproveitado. E os pontos e os veículos são ainda piores. O ônibus é o exemplo claro da falta de informação, de como ela é destratada”, diz Calábria. Brasília é o pior exemplo: não apresenta nenhuma informação nos pontos sobre itinerários e horários. Dentro dos coletivos, apenas Belo Horizonte e São Paulo mostram o trajeto com alguns detalhes.
Além da PMNU, o Código de Defesa do Consumidor também é claro sobre o direito à informação, em seu artigo 6o. O fornecedor de serviços pode, inclusive, ser responsabilizado por dados incorretos ou omitidos. A questão é tão séria que figura em uma pesquisa do Ibope feita anualmente a pedido da Rede Nossa São Paulo. Em setembro do ano passado, o transporte coletivo era considerado um dos maiores problemas da cidade para 24% dos entrevistados, com destaque para os habitantes das áreas mais distantes do centro. A prestação de informações ficou entre os pontos mais problemáticos do transporte público paulistano, com nota 3,5 (a nota máxima era 10).
Embora os sistemas sobre trilhos apresentem uma situação melhor, são poucos, entre os avaliados, os que orientam o usuário sobre a integração com outros modos de transporte. Além disso, só dois dos sistemas de metrô analisados oferecem aos cidadãos tabela com horários. “É certo que, no geral, esses sistemas têm um serviço frequente, mas é importante que exista a informação, para que o usuário possa identificar falhas”, aponta Alves.
Uma informação que não foi localizada em nenhuma das 12 cidades é o prazo para a empresa que presta o serviço de transporte responder aos usuários que fazem algum tipo de reclamação. O número para atendimento telefônico até está disponível, mas o consumidor não sabe quanto tempo terá de esperar pela resposta.
BH: FORA DA CURVA
Belo Horizonte destacou-se positivamente. Ainda que não apresente perfeição no que diz respeito à prestação de informações, a capital mineira cumpre boa parte dos requisitos previstos na PMNU. Nos pontos de ônibus, por exemplo, há informações sobre frequência das linhas e itinerário.
A BHTrans, estatal responsável pela prestação e coordenação do serviço de transporte de ônibus, tem um histórico positivo que antecede a legislação federal. “Há um esforço muito grande e contínuo em Belo Horizonte, partindo do princípio de que a informação é parte do serviço”, informa o engenheiro Marcelo Cintra, que foi coordenador do Plano de Mobilidade da BHTrans e, hoje, dedica-se ao movimento Nossa BH. Mas não foi um caminho fácil, e continua não sendo, porque um sistema tão grande passa por adaptações constantes.
Já na década de 1990 havia preocupação em estabelecer um sistema de cores de acordo com a região da cidade pela qual o veículo circulava, numeração das linhas e informação de itinerário resumido na porta. Dentro dos veículos, foi fixado um quadro com horários e trajeto. Os pontos de ônibus começaram a apresentar as linhas, com nome, região da cidade e itinerário. E criou-se um canal telefônico gratuito para tirar dúvidas do usuário. “Se a gente quer atrair os cidadãos para o transporte coletivo, é preciso dar a eles informações de boa qualidade. Por isso, temos essa tradição de informar”, diz Célio Bouzada, presidente da BHTrans. Hoje, 352 pontos de ônibus contam com painel que indica o tempo que falta para a chegada do próximo veículo.
A chegada da tecnologia criou possibilidades e demandas. Hoje, o morador de BH pode baixar um aplicativo que informa horários, itinerários e intervalo entre ônibus. É possível acompanhar em tempo real o deslocamento do veículo, o que evita um dos principais problemas enfrentados por quem depende de transporte público: a espera. “Fazemos 27 mil viagens por dia e fiscalizamos as 27 mil viagens. Eu sei a viagem que não foi realizada, a que saiu atrasada, o motorista que descumpriu o itinerário”, conta Bouzada. “Mas eu também consigo controlar o sistema. Se tem uma batida e o trânsito está engarrafado, posso avisar o motorista para que faça um desvio. É um sistema que montamos para operar, fiscalizar e prestar informação ao usuário”, finaliza. Um exemplo a ser seguido.