- Supermercados + Feiras
Conheça quatro bons motivos para trocar o supermercado por feiras, sacolões e outros tipos de comércio, segundo especialistas em alimentação e nutrição.
Se você mora em um grande centro urbano, tem uma jornada de trabalho de oito, nove horas diárias (ou mais) e pega trânsito em seus trajetos, provavelmente tempo é algo precioso em sua vida. Quando precisa fazer compras, prefere passar em um supermercado e resolver tudo ali mesmo, certo? Pois especialistas em alimentação e nutrição ouvidas pela Revista do Idec não têm dúvidas: você tem motivos de sobra para abrir mão dos super e hipermercados e tentar abastecer sua geladeira e despensa frequentando feiras, sacolões, mercados públicos e outros tipos de comércio não convencionais.
O primeiro motivo é que fazer as compras em supermercados aumenta as chances de você levar alimentos menos saudáveis pra casa. “Super e hipermercados tendem a oferecer variedade e quantidade muito grande de produtos ultraprocessados, além de promoções e publicidade excessiva”, aponta a nutricionista e pesquisadora do Idec Mariana Garcia. “Assim, o consumidor acaba mais exposto a esses produtos do que a alimentos in natura ou minimamente processados, como frutas, hortaliças, leite, carne fresca etc., e a chance de suas escolhas serem influenciadas por essa superexposição é grande”, completa.
Já as feiras, além de não serem espaços de comercialização de produtos ultraprocessados, oferecem itens muito mais frescos se comparados aos equivalentes em supermercados. “Em mercados grandes, é muito comum os vegetais virem de muito longe e, por isso, são colhidos muito verdes e necessitam de mais produtos para conservação”, diz Inês Rugani, professora de nutrição da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Ela acrescenta que, além de mais frescos, nas feiras os produtos estão dentro da safra – o que lhes confere mais qualidade – e fazem um percurso mais curto entre a colheita e o local de venda, diminuindo os impactos gerados pelo transporte dos alimentos. Esse aspecto tem a ver com o segundo motivo para se privilegiar as feiras e sacolões: a sustentabilidade.
Rugani defende o que chama de “circuitos curtos”: quanto menor o trajeto entre produtor e consumidor final, mais próximo do momento da colheita esse produto chega à mesa. Some a isso o impacto ambiental gerado com as emissões de gases poluentes e de efeito estufa em longos trajetos feitos por caminhões, por exemplo.
Outros pontos-chave relacionados à sustentabilidade são os impactos causados pelas embalagens utilizadas nos produtos industrializados (desde o uso de água para sua produção até o lixo que geram) e o desperdício. Segundo a professora da Uerj, estima-se que 30% de todos os alimentos produzidos são desperdiçados. “Parte importante disso acontece no transporte entre o local onde o produto foi colhido e o mercado varejista”.
1. É mais saudável: na feira, você não fica exposto à enorme oferta e publicidade de produtos ultraprocessados. Além disso, os alimentos são mais frescos e dentro da safra (ou seja, têm mais qualidade).
2. É mais sustentável: alimentos vendidos em feiras não vêm em embalagens, ao contrário dos industrializados, e o trajeto que fazem do produtor até o varejo é muito mais curto que o dos comercializados em um supermercado, gerando menos emissão de poluentes durante o transporte e desperdício.
3. Fomenta a economia justa e solidária: preferir o pequeno produtor é colocar seu dinheiro no sistema alimentar sustentável que ele representa em vez de valorizar a lógica das grandes redes de supermercado, que estabelecem preços altos e extraem lucros exorbitantes.
4. Preserva a cultura alimentar: ao se optar por alimentos in natura e se dispor a cozinhá-los, mantêm-se vivas receitas tradicionais e cria-se independência dos industrializados prontos para o consumo, produzidos em larga escala e padronizados no mundo inteiro.
INCENTIVAR UM MODELO: O BUYCOTT
O terceiro motivo para abrir mão do supermercado é fomentar o pequeno produtor e o sistema alimentar que ele representa, de comércio justo e solidário, frente à lógica das redes de supermercado. Segundo Rugani, um dos problemas dos grandes comércios diz respeito à definição de preços: elas pagam muito pouco quando compram dos produtores e determinam um valor bem maior para revender
ao consumidor.
Levando isso em conta, a professora da Uerj lembra que há uma dimensão política nas escolhas alimentares, pois quando se decide comprar em dado local, incentiva-se determinado sistema. “Aqui no Brasil temos pouca consciência do termo em inglês buycott [buy = comprar], que, diferentemente de boicote, significa comprar porque você quer incentivar aquele modelo de produção”, explica. “Quando valorizamos a produção local, estamos incentivando o sistema que garante a alimentação dos brasileiros e uma melhor distribuição dos recursos econômicos do País”, completa.
A nutricionista do Idec acrescenta que, cada vez mais, as grandes redes de supermercados estão abrindo lojas menores em áreas residenciais, tomando o lugar dos tradicionais mercados de bairro. “As grandes cadeias de varejo também estão se adaptando para atingir o público das regiões com renda mais baixa e periferias”, alerta Garcia.
COZINHAR: UM PASSO PARA A MUDANÇA
Para atrair consumidores, os supermercados oferecem facilidades que nem sempre estão disponíveis em espaços menos convencionais: estacionamento, carrinho, pagamento facilitado. Assim, para mudar, é bem provável que você se veja obrigado a abrir mão de algumas dessas comodidades. Rugani defende que basta um esforço para reorganizar a rotina. “Claro que a gente quer praticidade, o dia a dia é corrido, mas isso não pode ser endeusado como valor supremo”, pondera.
Dentro dessa reorganização, um dos pontos fundamentais é o da ressignificação da comida, isto é, rever o lugar que a alimentação ocupa em sua vida e a relevância que se dá a ela. Nesse sentido, uma das principais recomendações do Guia alimentar para a população brasileira, do Ministério da Saúde, é “dedicar à alimentação o tempo que ela merece”.
Um dos principais pontos dessa ressignificação é passar (ou voltar) a cozinhar a própria comida, criando independência dos produtos prontos para consumo vendidos em supermercados. Uma forma de facilitar essa tarefa é otimizá-la. A nutricionista do Idec aponta técnicas que facilitam o ato de cozinhar, como o congelamento de porções menores para serem consumidas ao longo da semana. “Também é preciso discutir na família a divisão dos serviços domésticos: muitas vezes a mulher é a única responsável por fazer as compras, a limpeza, a comida etc. Quando se divide os afazeres entre mais membros da família, preparar as refeições fica mais fácil”, explica.
Cozinhar, aliás, é o quarto grande motivo para evitar os supermercados e seus produtos prontos. As especialistas apontam que essa prática fortalece a resistência da cultura alimentar frente à invasão de produtos industrializados – alheios à tradição culinária brasileira e padronizados no mundo inteiro. “Os ultraprocessados apelam para a praticidade e conveniência, vendendo a ideia de que não é preciso esforço ou tempo para se alimentar. Assim, nossa cultura alimentar e as receitas brasileiras tradicionais acabam sendo profundamente alteradas pela presença cada vez maior desses produtos na dieta”, alerta Garcia.
Para Neide Rigo, nutricionista estudiosa da gastronomia brasileira e autora do blog Come-se, não é necessário transferir, de uma hora pra outra, todas as compras que você faz para locais alternativos ao supermercado. Em termos práticos, ela sugere seguir a seguinte “ordem de prioridade” quando for comprar alimentos:
1. Feira de produtores, preferencialmente orgânica ou agroecológica
2. Cooperativa que revenda diretamente do produtor, preferencialmente orgânica ou agroecológica
3. Sacolão de bairro
4. Mercado central ou municipal
5. Supermercado
VÁ ALÉM: PREFIRA ORGÂNICOS
As especialistas ouvidas pela reportagem lembram que além de evitar os supermercados, é possível dar um passo a mais e buscar opções orgânicas e agroecológicas – ainda mais saudáveis e sustentáveis em diversos aspectos. Além de não conter resíduos de agrotóxicos, elas trazem inegáveis benefícios sociais e ambientais. “O agricultor convencional é refém das grandes corporações de sementes, fertilizantes e agrotóxicos. Com seu uso, o solo fica degradado, a água poluída, a fauna e flora desbalanceadas, e as pragas se tornam um grande problema”, diz Garcia, do Idec.
Para facilitar o acesso a esses produtos, O Idec criou o Mapa de Feiras Orgânicas (www.feirasorganicas.org.br), no ar desde 2012. A ferramenta, recentemente atualizada, tem o objetivo de estimular a alimentação saudável e criar relações mais próximas entre consumidores e agricultores, sem prejudicar o meio ambiente. No Mapa, é possível encontrar canais alternativos de comercialização em todo o País: feiras orgânicas ou agroecológicas, grupos de consumo responsável e comércios parceiros de orgânicos, muitos deles mantidos pelos próprios produtores. Além disso, o Mapa disponibiliza receitas para estimular os consumidores a cozinhar mais.
Rugani, da UERJ, explica que o ideal é comprar esses produtos com o menor número possível de “atravessadores”. “Os agroecológicos e os orgânicos só ficam caros quando viram um produto diferenciado em hipermercados, tornando-se um nicho para as classes média e média-alta. Eles são comprados de um terceiro, e o supermercado coloca uma margem de lucro em cima”, explica.
Um alimento orgânico é aquele produzido sem o uso de agrotóxicos, fertilizantes sintéticos e transgênicos. Já um produto agroecológico vai além: segue todos esses critérios e ainda é produzido de acordo com métodos que buscam a maior sustentabilidade possível e o menor impacto ambiental e social. A agroecologia tem uma dimensão política, uma vez que se opõe ao agronegócio e à monocultura.