Me liga no WhatsApp?
O aplicativo tornou-se uma das principais formas de comunicação no Brasil. Entenda seus efeitos na economia e como os direitos dos consumidores podem ser afetados
Os tempos mudaram. Há 20 anos, se você quisesse falar com um amigo ou familiar, ligaria para o telefone fixo dele. Depois chegaram os telefones celulares, o que tornou muito mais fácil encontrar as pessoas. E, assim, os fixos foram sendo deixados de lado. Hoje, com a expansão da internet banda larga, o domínio dos smartphones e o surgimento dos aplicativos (apps), até as ligações viraram coisa do passado. As pessoas estão falando menos e teclando mais pela internet.
Um dos responsáveis por essa mudança é o WhatsApp, app de mensagens comprado pelo Facebook em 2014, por US$ 22 bilhões, que detém mais de 90 milhões de usuários no Brasil. A importância do WhatsApp para os consumidores pôde ser percebida em dezembro, quando o app ficou fora do ar por cerca de 12 horas, o que gerou reações acaloradas dos usuários. O bloqueio ocorreu por decisão da Justiça de São Paulo, em decorrência de um processo criminal.
A fim de punir o WhatsApp por não ter cedido dados exigidos por ordem judicial nesse processo, o Judiciário determinou a suspensão do app por 48 horas. A decisão foi cassada em algumas horas, mas o tempo que ficou bloqueado foi suficiente para causar muitos prejuízos. "O bloqueio gerou enormes transtornos para milhões de pessoas e milhares de prestadores de serviços que dependem do aplicativo como instrumento básico de comunicação", avalia Rafael Zanatta, advogado do Idec.
O Idec fez várias críticas à decisão, pois acredita que outras medidas poderiam ter sido tomadas pela Justiça para impor sanção ao WhatsApp sem causar tantos prejuízos aos consumidores, como multar o grupo econômico do Facebook, que tem sede em São Paulo e contas bancárias no país.
GUERRA AO APP
A suspensão temporária do WhatsApp levantou ainda outras questões. A decisão judicial determinou que as prestadoras de conexão à internet bloqueassem o acesso ao aplicativo. Contudo, o Idec avalia que a medida foi indevida, pois as operadoras não têm autoridade para discriminar o tráfego de dados ou suspender aplicações na internet. "O Marco Civil prevê o bloqueio por parte dos provedores de conexão apenas quando há requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada do serviço e quando há priorização de serviços de emergência", destaca Zanatta.
Além disso, a sanção pelo descumprimento da decisão judicial anterior deveria ter sido direcionada ao WhatsApp, e não às teles. Contudo, só a operadora Oi manifestou-se contra a decisão. O SindiTeleBrasil (sindicato das empresas do setor) limitou-se a dizer que as empresas cumpririam a decisão.
A postura do sindicato patronal fez lembrar que, meses antes, o setor de telefonia declarou "guerra" ao WhatsApp. Em agosto do ano passado, as operadoras pressionaram o governo a multar ou até a proibir o app, alegando que ele não era regulamentado e, portanto, funcionava como uma operadora ilegal.
O BLOQUEIO TEMPORÁRIO DO WHATSAPP GEROU TRANSTORNOS PARA MILHÕES DE PESSOAS QUE DEPENDEM DO APLICATIVO COMO INSTRUMENTO BÁSICO DE COMUNICAÇÃO
Rafael Zanatta, advogado do Idec
O ataque das empresas tem explicação econômica: elas viram a sua receita com ligações despencar com o sucesso do WhatsApp. Segundo dados da Teleco, consultoria espe cializada no setor, no 1º trimestre de 2015, a redução foi de 15,6%, em média, em comparação com o último trimestre de 2015 – de 132, para 111 minutos.
Além disso, se até pouco tempo atrás era comum entre os brasileiros ter chips de operadoras de celular distintas para economizar com as chamadas, hoje essa lógica vem perdendo força e dando lugar à contratação de pacote de dados de uma única operadora para garantir a conexão à internet. Uma vez conectados, os consumidores podem usar o WhatsApp para trocar mensagens, áudios e até fazer ligações de graça (quando conectado a uma rede wi-fi). "Os usuários estão deixando de recarregar o segundo chip. Com isso, nos últimos seis meses, a base de pré-pagos encolheu em 10 milhões", revela Eduardo Tude, presidente da Teleco.
Para Zanatta, a investida das teles contra o app é perigosa. "As operadoras não podem bloquear os aplicativos escolhidos pelos consumidores. Isso é uma violação da chamada neutralidade de rede. Além disso, o WhatsApp utiliza o número do celular como mero elemento de identificação dos usuários. Todo o serviço do aplicativo, tanto mensagem como voz sobre IP [ligação], é baseado em troca de dados pela internet", destaca. Portanto, não faz sentido a alegação de que ele atuaria como uma operadora "pirata".
Para Gisele Arantes, advogada especializada em direito digital, essa briga não tem cabimento. "O WhatsApp, assim como o Skype e outros apps, demanda um pacote de dados. Ou seja, deixa-se de usar o plano de voz, mas um plano de dados precisa ser contratado [para usufruir do aplicativo]", ela argumenta. "É uma transferência de receitas", concorda Tude.
LIGAÇÃO X APLICATIVOS
No Brasil, 37% da receita das operadoras de telefonia móvel vem de planos de dados, de acordo com informações da Teleco. A Vivo é a que mais lucra com a internet no celular: no 3º trimestre, 48,9% de sua receita veio de pacotes de dados. Atrás dela está a Tim, com 36,4%. Eduardo Tude prevê que, daqui a um ano, a receita com dados superará a receita com voz em todas as operadoras.
A tendência entre os consumidores de trocar as ligações (voz) por aplicativos (dados) é mundial. O Japão e a Coreia estão bastante avançados, com 80% da receita das operadoras de telefonia móvel proveniente de planos de dados. Nos países europeus, a receita com dados corresponde a 70% e, nos EUA, onde as operadoras oferecem seu próprio serviço de vídeos para competir com os provedores de conteúdo, a 50%.
ESTRATÉGIAS DAS OPERADORAS
Segundo os especialistas, as empresas têm duas alternativas para enfrentar esse novo cenário: entregar o conteúdo da internet com mais qualidade e com pouca interferência ou diversificar o modelo de negócio, buscando alternativas e disputando espaço com provedores de conteúdo. Segundo Pedro Ramos, advogado e pesquisador-colaborador do Núcleo de Estudos em Direito, Internet e Sociedade da Universidade de São Paulo (USP), as operadoras escolheram o segundo caminho no Brasil. "Elas estão fazendo parcerias com empresas de conteúdo (aplicativos de vídeo, redes sociais, mensageiros eletrônicos) ou gerando seu próprio conteúdo, seus próprios apps", diz.
OS USUÁRIOS ESTÃO DEIXANDO DE RECARREGAR O SEGUNDO CHIP. COM ISSO, NOS ÚLTIMOS SEIS MESES, A BASE DE PRÉ-PAGOS ENCOLHEU EM 10 MILHÕES
Eduardo Tude, presidente da Teleco
A Tim, por exemplo, tem um app de música que concorre com o Spotfy – um dos maiores serviços de música por streaming do mundo –, e a Claro anunciou que no ano que vem vai desenvolver um app semelhante ao WhatsApp. "Elas vão tentar fidelizar seus usuários com esses apps. É duvidável que as pessoas prefiram usar esses novos aplicativos em detrimento dos já consagrados. Mas é uma estratégia", diz Zanatta.
Para ele, no entanto, essa tática é preocupante do ponto de vista dos direitos do consumidor, pois pode haver violação do princípio de neutralidade da rede, previsto no artigo 9º do Marco Civil . "A operadora não pode discriminar os dados do usuário a fim de saber se ele está usando o WhatsApp ou o app dela, por exemplo. E, jamais, pode reduzir a velocidade de quem usa determinado aplicativo", adverte.
Também em resposta ao sucesso do WhatsApp e para fidelizar clientes, a Tim e a Oi passaram a cobrar o mesmo valor para chamadas feitas para números da mesma operadora e para os de outras operadoras. Segundo Tude, da Teleco, Claro e Vivo devem esperar o valor da interconexão (a chamada entre operadoras diferentes) cair, no início do ano que vem, para fazer o mesmo.
E O CONSUMIDOR, COMO FICA?
No meio dessa "guerra" entre as teles e o WhatsApp e de tantas mudanças no serviço de telefonia está o consumidor.
Para Rafael Zanatta, a estratégia temporária das operadoras de telefonia móvel é de "aliança com o inimigo", por meio de planos e parcerias com o WhatsApp. "Nos últimos tempos, surgiram inúmeras promoções de WhatsApp ilimitado e internet não tarifada por exemplo. É preciso muito cuidado, pois muitas propagandas são enganosas e podem violar o Código de Defesa do Consumidor", destaca.
A advogada Giseles Arantes acredita que, no fim das contas, todas essas mudanças e discussões vão acabar beneficiando o usuário, porque provocarão aumento da concorrência entre as operadoras e permitirão a livre escolha do melhor plano. Por enquanto, é preciso conhecer como funciona o consumo de dados na telefonia móvel e como essas promoções são ofertadas. Veja, a seguir, algumas dicas importantes:
• Tome cuidado com anúncios de "internet grátis" ou "ilimitada", pois costuma ser propaganda enganosa.
• Avalie se você realmente precisa de todos os serviços do seu plano. Você pode ser induzido a adquirir um produto com serviços que não interessam.
• Nem o WhatsApp é totalmente de graça. Apenas mensagens de texto e de áudio não são tarifadas. Já o uso de voz sobre IP (VOIP), que são as ligações, consome dados do plano do seu celular, quando você está conectado pela rede 3G. Desse modo, prefira ligar com o WhatsApp quando estiver conectado em uma rede wi-fi.
• Observe, especialmente, a franquia de dados do seu plano. Essa franquia é diferente da velocidade da internet. Se você faz muitos downloads (fotos e vídeos), contrate uma franquia de muitos megabytes.
• Avalie também quantos minutos você costuma falar ao celular (acesse o seu histórico de ligações no espaço do consumidor no site da sua operadora) e calcule quanto gastaria com um pacote de minutos e pagando as ligações avulsas. Se você falar pouco, mesmo as ligações avulsas sendo mais caras do que nos pacotes, pode valer a pena.
• Leia com muita atenção o contrato, principalmente as cláusulas que tratam da redução da velocidade ou bloqueio da navegação se a franquia for ultrapassada. Nenhuma cláusula pode ser alterada após a assinatura do documento.