Usado sem cilada
Segundo especialistas, para comprar um bom carro de segunda mão, avaliação de um mecânico experiente, test drive e checagem da documentação são imprescindíveis
Comprar um automóvel de segunda mão é uma opção interessante para quem deseja um carro próprio, mas quer pagar menos do que por um zero. Essa alternativa tem atraído cada vez mais pessoas e, este ano, o mercado tem visto aumentar o financiamento de usados enquanto o de carros novos está em queda.
Mas é bom dosar a euforia, pois esse é um investimento que demanda cuidado, porque é fácil entrar numa roubada. O administrador em TI Fernando Viana Valadão, de São Bernardo do Campo (SP), se envolveu em uma dessas ciladas. Em abril do ano passado, ele adquiriu um Ecosport 2006 em uma concessionária próxima ao aeroporto de Congonhas, em São Paulo (SP). Ele testou a caminhonete, que parecia estar em boas condições. No entanto, depois de rodar 20 km, os problemas apareceram. Entre eles, os mais graves foram entrada de água pelo piso e aquecimento do motor após alguns quilômetros em movimento. "Quando o motor esquenta e a caminhonete é desligada, é preciso aguardar 30 minutos para ligá-la de novo", conta Valadão.
Comprar um carro usado numa concessionária ou loja multimarca tem suas vantagens, como a garantia dos direitos estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). "O negócio entre pessoas físicas não é considerado relação de consumo e, portanto, a ele não se aplica o CDC, mas o Código Civil", explica Alexandre Frigério, advogado e assessor de relacionamento do Idec. O empresário Michael de Oliveira, autor do livro O Segredo dos Carros, recomenda a compra em concessionárias. "É um pouco mais caro, mas vale a pena pelas garantias. Claro, se a empresa for séria", ele diz.
Frigério acrescenta, ainda, que a montadora ligada à concessionária pode ser responsabilizada por problemas no veículo vendido. "A responsabilidade entre fornecedores e seus representantes é solidária, de acordo com o artigo 34 do CDC. O uso do nome do fabricante pela concessionária atrai consumidores, pela reputação que ele tem no mercado. A montadora colhe os frutos dessa parceria, mas também deve arcar com o ônus", explica o advogado.
• Prefira comprar em uma concessionária ou loja multimarcas a fazer um negócio particular.
• Priorize carros revisados na concessionária (confira os carimbos de revisão no manual).
• Certifique-se de que todos os equipamentos de segurança (como extintor de incêndio, macaco e cinto de segurança) estão em ordem.
• Verifique se a documentação está em dia.
• Com o número do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavan) em mãos, cheque se o veículo tem multas pendentes no site do Detran.
• Pesquise se o modelo que você quer comprar foi alvo de recall e se o proprietário atendeu ao chamado (com o número do chassi, peça essa informação na concessionária).
• Observe se no documento, próximo ao número do chassi, aparecem as letras "RM". Isso significa que o código foi remarcado porque o carro foi roubado/furtado e o número adulterado. Automóveis nessas condições podem perder valor no mercado e as seguradoras podem se negar a fazer seguro.
Fontes: Alexandre Frigério (Idec); Procon-SP; Michael de Oliveira (autor do livro O Segredo dos Carros); e José Antônio Ferreira Borges (Universidade Federal de Uberlândia).
O QUE FAZER EM CASO DE PROBLEMAS
Quem tiver problemas com o veículo tem 90 dias para reclamar à loja. No caso de defeitos de fácil constatação, o prazo começa a valer a partir da data de entrega do veículo; no caso de defeitos não facilmente identificáveis, no momento em que este for detectado. O fornecedor tem, então, 30 dias (180 no máximo, se for negociado com o cliente) para solucionar o problema.
Se o problema não for resolvido nesse prazo, o artigo 18 do CDC garante que o consumidor escolha uma das seguintes opções: a troca do veículo por outro do mesmo padrão; o cancelamento da compra com a restituição do valor pago monetariamente corrigido; ou um desconto sobre o valor pago.
Caso a empresa fuja de sua responsabilidade, o consumidor pode entrar com ação na Justiça dentro do mesmo prazo de 90 dias para contar com as possibilidades previstas no artigo 18 do Código. Se não, aplica-se o artigo 27 do CDC, que estabelece o prazo de cinco anos para reparação de danos.
Valadão, o dono da Ecosport, não deu sorte. Após detectar os problemas no veículo, entrou em contato com a loja, que lhe ofereceu uma nova revisão. "Já levei o carro à loja quatro vezes, e ele sempre volta com os mesmos problemas. Agora, está parado na garagem", desabafa o consumidor, que vai entrar na Justiça contra a concessionária.
Uma boa notícia para quem pretende comprar um carro é que, a partir do dia 25 deste mês, os fornecedores de veículos novos e usados serão obrigados a informar ao comprador o valor dos tributos incidentes sobre a venda e a situação de regularidade do veículo em relação a furto, multas, taxas anuais, débitos de impostos, alienação fiduciária ou quaisquer outros registros que limitem ou impeçam a circulação do veículo.
A exigência está prevista na lei nº 13.111/2015, válida para todo o país. Se a loja descumprir a regra, fica responsável por arcar com as multas, taxas ou tributos incidentes; e, caso o veículo tenha sido roubado, ela é obrigada a devolver o valor pago pelo consumidor.
VISTORIA DETALHADA
Além de sua qualidade inicial, o carro usado depende dos cuidados tomados pelo proprietário. Por isso, encontrar um perfeito pode demorar. "O consumidor não pode enfiar na cabeça que quer o veículo X da cor Y. É preciso estar com o coração aberto e experimentar vários modelos se quiser fazer um bom negócio", aconselha José Antônio Ferreira Borges, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Uberlândia.
Uma dica para quem compra carro usado é consensual entre os especialistas: contar com a ajuda de um mecânico de confiança para avaliar o motor e a lataria do veículo. "A aprovação de um mecânico é importante porque o carro pode estar ok por fora, mas apresentar um problema grave no motor, por exemplo", opina Oliveira. Fazer o test drive também é imprescindível. "Conduzir vários carros do mesmo modelo, de diferentes lojas, é importante para comparar o desempenho", indica Oliveira.
O que analisar
1. A quilometragem
O hodômetro – instrumento que mede a quilometragem percorrida pelo carro – pode ser facilmente adulterado. Só um mecânico experiente tem condições de identificar essa fraude.
O que você pode observar:
• se o carro está "duro" (um carro com 50 mil km é mais duro do que um de 150 mil km);
• se os pneus estão carecas (a vida útil de um pneu é de cerca de 40 mil km);
• se os pedais (embreagem, freio e acelerador) estão gastos;
• se a superfície do volante está lisa.
2. Motor
"O motor é o coração do carro, por isso precisa ser avaliado por um especialista", acredita Oliveira. Borges concorda: "Somente um mecânico é capaz de avaliar ruídos, desempenho, manutenção, troca de peças etc.".
O que você pode observar:
• se o motor está limpo demais, parecendo ter sido lavado (a lavagem camufla vazamentos).
• se o escapamento está seco e sem óleo;
• se ao acelerar o carro, sai muita fumaça preta ou azulada do escapamento;
• se o óleo e a corrente dentada (se houver) foram trocados. Verificar o nível e a coloração do óleo – que não pode estar escuro – também é importante.
3. Funilaria e pintura
Avaliar a estrutura do automóvel é fundamental para descobrir se ele já foi batido e, se foi, o quão grave foi o dano. E para isso, novamente o mecânico é indispensável. "Reparos mal feitos deixam marcas eternas e, além de implicar na segurança, podem depreciar o valor. Se um reparo tiver sido bem feito, apenas um mecânico poderá dizer que aquele carro foi recuperado", diz Borges.
O que você pode observar:
• se há emendas na lataria ou nos vidros, assim como diferença de cor na lataria;
• se existem sinais de ferrugem;
• se todos os vidros são da mesma marca;
• se os vãos entre as portas são iguais dos dois lados.