Direitos em risco
REPARAÇÃO LIMITADA
Na consulta pública sobre as regras para transporte de bagagens em voos nacionais e internacionais, finalizada em fevereiro, se destaca a intenção da agência de fixar em até 1.131 DES (Direitos Especiais de Saque – unidade monetária cuja cotação, em março, era de R$ 4,42) o valor da indenização a ser paga pelo extravio da mala ao passageiro que não declarou o quanto tinha em sua bagagem antes de embarcar.
Na prática, a mudança significa que, se o consumidor não tiver declarado o valor de seus pertences, receberá, no máximo, cerca de R$ 4,9 mil (considerando a cotação do mês passado) em caso de perda ou danos à sua bagagem, mesmo que o conteúdo da mala fosse muito mais valioso. "Essa proposta deixa o consumidor em extrema vulnerabilidade e é contrária tanto à legislação consumerista quanto ao Código Civil, que estabelece a reparação integral de danos materiais e morais sofridos", pontua a advogada do Idec.
O fato de limitar o direito de quem não informou o quanto vale a sua mala também é visto como uma violação, já que o consumidor tem de pagar pelo serviço de declaração de bagagem e, se não o fizer, está sujeito a ter o ressarcimento diminuído. "O extravio é uma falha na prestação do serviço. Assim, a cobrança de seguro para garantir o reparo é abusiva e a limitação de ressarcimento desses danos deve ser afastada pela Anac", defende Claudia Almeida.
PRESSÃO DOS CONSUMIDORES
Em fevereiro, Anac convocou uma reunião para debater o tema com as entidades de defesa do consumidor, entre elas, o Idec, o Procon-SP, o Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública de São Paulo.
As organizações reiteraram os pontos problemáticos das medidas em consulta pública, mas não houve sinalização clara da agência reguladora se eles serão suprimidos. "Se a resolução for aprovada com propostas contrárias ao CDC, os órgãos de defesa do consumidor podem entrar com uma ação contra a medida. Mas até o Judiciário julgar o caso, muitos passageiros podem ter seus direitos violados", explica a advogada do Idec, que destaca a importância de que a sociedade pressione a Anac a rever tais propostas.
A discussão pode ser retomada em junho, quando está prevista uma audiência pública sobre o tema, ainda sem data definida. "É difícil prever o que pode acontecer, mas é importante que a população tenha consciência do que está em jogo para que o debate se amplie", destaca Rodrigo Serra Pereira, do Nudecon. "Somente com uma nova discussão as fissuras começarão a se fechar e os novos regulamentos poderão atender de melhor forma o consumidor", opina a diretora executiva do Procon-SP. O Idec vai continuar lutando por isso.
A Anac pode mudar importantes regras sobre assistência ao passageiro e extravio de bagagem. Entenda o que está em jogo e quais são as possíveis perdas do consumidor
Recentemente, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) anunciou a atualização de algumas normas do setor e abriu duas consultas públicas para discutir as novas regras: uma sobre as condições gerais de transporte aéreo, e outra específica sobre bagagens. O Idec, no entanto, avalia que algumas propostas da agência reguladora são prejudiciais ao consumidor. "O texto de regulamentação proposto pela Anac apresenta irregularidades que confrontam diretamente com o Código de Defesa do Consumidor [CDC], retirando importantes garantias de reparação ao passageiro", explica Claudia Pontes Almeida, advogada do Instituto.
A mais grave delas, segundo a advogada, pode isentar as companhias de prestar assistência material (alimentação e hospedagem, por exemplo) aos passageiros diante de atrasos ou cancelamentos de voo ocasionados por eventos climáticos ou provocados por terceiros. Em relação às bagagens, o grande problema é a possível fixação de indenização limitada em caso de extravio de malas, independentemente do valor dos pertences perdidos.
Desde o ano passado, o Idec tem se esforçado para manter diálogo com a agência, a fim de evitar que as propostas sigam adiante da maneira como estão. "As entidades de defesa do consumidor têm um árduo trabalho pela frente para garantir que os anseios das companhias aéreas não sejam atendidos pela agência", observa Almeida.
A Revista do Idec contatou a Anac, por meio de sua assessoria de imprensa, para comentar os problemas apontados nas propostas. A agência, porém, informou não falar sobre o tema enquanto a futura minuta não estiver pronta, mas afirmou que não há intenção de reduzir os direitos dos passageiros. O Idec espera que a palavra seja mantida e que nenhuma garantia seja retirada do consumidor.
RESPONSABILIDADE REDUZIDA
A consulta pública sobre a revisão das condições gerais do transporte aéreo, encerrada em dezembro, é a que concentra a maior parte dos riscos para o consumidor. A principal ameaça diz respeito à mudança da responsabilidade da companhia aérea, que passaria de objetiva para subjetiva – ou seja, passaria a ser interpretada caso a caso. "Isso pode dar margem para as empresas se esquivarem da assistência, atribuindo a todos os atrasos e cancelamentos justificativas que se enquadrem como caso fortuito ou de força maior", argumenta a advogada do Idec.
O coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública de São Paulo (Nudecon), Rodrigo Serra Pereira, concorda. "Assim como o Idec, consideramos a questão preocupante por mitigar a responsabilidade das operadoras", diz. "A regulamentação elenca muito mais deveres dos consumidores e traz hipotéticas violações. Isso, de certa forma, desequilibra a relação e vai contra o CDC, que trata o consumidor como parte vulnerável", complementa Pereira.
A resolução que define as regras para a assistência material atualmente em vigor foi aprovada pela Anac em 2010, depois que uma ação judicial do Idec e do Procon-SP obteve liminar obrigando as empresas aéreas a prestar informação e a reparar os danos sofridos pelos passageiros, como previsto no CDC, frente ao apagão aéreo vivido em 2006.
Outro ponto problemático diz respeito à acomodação dos passageiros. De acordo com a proposta, a companhia aérea pode passar a cobrar do consumidor com sobrepeso o uso da poltrona adjacente. O Idec propôs a supressão desse artigo e defendeu que, em seu lugar, seja prevista a existência de poltronas de uso exclusivo para obesos e pessoas altas – medida, inclusive, outrora sugerida pela Anac. A diretora executiva do Procon-SP, Ivete Maria Ribeiro, acrescenta, ainda, que a cobrança adicional por uma condição física do passageiro é abusiva, pois onera excessivamente o consumidor.
Outros aspectos da proposta que podem reduzir os direitos do consumidor são relacionados à compra e ao cancelamento de passagens. A Anac quer instituir que, caso haja um erro nos dados na emissão do bilhete, o custo de emitir uma nova passagem seja repassado ao passageiro. "Essa possibilidade é abusiva e vedada pelo artigo 39 do CDC, pois é dever do operador solicitar os documentos necessários para a emissão correta da passagem", destaca Almeida.
Em relação ao cancelamento, a tentativa é que ele só seja possível no prazo de 24 horas após a compra da passagem, com antecedência mínima de sete dias para a viagem. A previsão, porém, desrespeita o artigo 49 do CDC, que prevê sete dias para desistência de compras feitas fora do estabelecimento comercial. Além disso, o prazo atualmente em vigor, que permite o cancelamento até 72 horas antes do embarque, segundo o Código Civil, é razoável para que a companhia consiga renegociar a passagem.
Conheça as principais regras hoje em vigor sobre assistência ao passageiro e reparação em caso de extravio de bagagem e o que pode mudar caso a Anac aprove resoluções da forma como propôs nas consultas públicas.
• ASSISTÊNCIA MATERIAL
Como é hoje: a partir de uma hora de atraso do voo, a companhia aérea deve disponibilizar canais de comunicação, como internet e ligações telefônicas. Se passar de duas horas, também deve oferecer alimentação. Em caso de atraso superior a quatro horas, cancelamento do voo ou overbooking, o consumidor pode escolher entre receber acomodação adequada (em hotel, por exemplo) ou o reembolso da passagem.
Como pode ficar: se o atraso ou cancelamento for ocasionado por eventos climáticos (chuva, neve etc.) ou provocado por terceiros, a empresa aérea deixa de ser responsável por oferecer qualquer assistência ao passageiro.
• EXTRAVIO DE BAGAGEM
Como é hoje: a companhia aérea é responsável pela bagagem e deve reparar o consumidor por todos os prejuízos sofridos em caso de perda ou danos à sua mala, independentemente de ele ter contratado o serviço de declaração de bagagem.
Como pode ficar: o ressarcimento ao passageiro que não fez declaração de bagagem fica limitado ao valor máximo fixado pela Anac (cerca de R$ 4,9 mil), independentemente do que estava sendo levado na mala. O custo da declaração de bagagem é definido por cada empresa aérea. Alguns itens, como joias e eletroeletrônicos, se não forem transportados na bagagem de mão, são considerados carga e estão sujeitos a outra taxa.
Outras propostas ruins:
• Fixar o prazo de cancelamento de passagens para até 24 horas após a compra, com antecedência mínima de sete dias da viagem. • Cobrar pelo assento adjacente a passageiros obesos. • Cobrar para reemitir nova passagem em caso de erro nos dados.