De olho nos adoçantes
Pesquisa aponta que a quantidade de edulcorantes em bebidas light, diet ou zero é alta e que os rótulos não deixam claro os riscos do consumo excessivo desses aditivos
Na sua geladeira ou em seu armário há produtos light, diet ou zero? Você acha que esses alimentos são mais saudáveis? Se você respondeu sim a uma dessas perguntas, cuidado! Os edulcorantes (ou adoçantes) usados para dar sabor doce a alimentos e bebidas no lugar do açúcar também podem apresentar risco à saúde. "Apesar de haver limites máximos de ingestão permitidos, os estudos sobre edulcorantes e outros aditivos ainda são escassos. Sabemos que, se ingeridos em grande quantidade, podem aumentar o risco de desenvolvimento de câncer, prejudicar o feto durante a gravidez e causar aumento de peso", alerta Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec.
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad), em 35% dos lares brasileiros consome-se algum tipo de produto dietético. "Refrigerantes estão entre os produtos mais consumidos na versão com menos açúcar", destaca Maria Eugênia Gutheil, consultora de nutrição da Abiad.
Preocupado com o uso massificado desses aditivos pela indústria de alimentos, o Idec avaliou o rótulo de 53 produtos que utilizam edulcorantes: refrigerantes; chás e néctares nas versões light, diet ou zero; e também refrescos em pó e bebidas à base de soja convencionais (com açúcar) e nas versões light, diet ou zero. O objetivo foi verificar se os fabricantes respeitam a legislação e se informam o consumidor corretamente sobre esses aditivos. Veja, a seguir, os principais resultados.
A pesquisa avaliou o rótulo de 53 bebidas que utilizam edulcorantes, entre refrigerantes, chás, refrescos em pó e bebidas à base de soja. Com exceção dos dois últimos, foram analisadas apenas as versões light e diet (ou zero) dos produtos. O objetivo era verificar se eles informam corretamente os edulcorantes presentes na fórmula e se a quantidade por porção está dentro do limite máximo estabelecido pela Anvisa.
O Instituto também calculou quantos copos (250 ml) de cada bebida seriam necessários para atingir o valor de Ingestão Diária Aceitável (IDA). Foram considerados três indivíduos hipotéticos: uma criança (30 kg), uma mulher adulta (55 kg) e um homem adulto (70 kg).
LIMITE BRANDO
Atingir o limite de ingestão segura já é fácil, mas poderia ser pior se as bebidas utilizassem a quantidade máxima autorizada pela Anvisa para cada edulcorante. Por exemplo: se um refresco contivesse o máximo de ciclamato permitido pela legislação (75 mg em 100 ml), uma criança de 30 kg poderia consumir apenas 1,7 copos (440 ml) para atingir a IDA. O caso do adoçante esteviosídeo é ainda mais grave: uma criança que ingerisse menos de um copo (200 ml) de uma bebida com o valor máximo autorizado para esse edulcorante (60 mg/ 100 ml) já chegaria à IDA desse adoçante.
Para Michael F. Jacobson, diretor executivo do Center for Science in the Public Interest (Centro pela Ciência de Interesse Público – CSPI), embora os edulcorantes tenham um limite de segurança, quando se trata de substâncias que podem causar câncer, nenhuma quantidade é absolutamente segura.
O Idec defende limites mais rígidos para os edulcorantes. "Principalmente para o ciclamato, que aparece em maior quantidade nos produtos analisados", declara Bortoletto. O uso de ciclamato de sódio é proibido nos Estados Unidos desde a década de 1970.BEBA COM MODERAÇÃO
A quantidade de edulcorantes utilizada está dentro do limite estipulado pela legislação em todas as bebidas analisadas. A concentração máxima de adoçantes é estabelecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a partir das referências do Codex Alimentarius (conjunto de normas internacionais padronizadas relacionadas a alimentos), a fim de evitar riscos à saúde dos consumidores.
No entanto, isso não significa que essas bebidas possam ser ingeridas sem moderação. Pelo contrário: em alguns casos, poucos copos são suficientes para alcançar o valor máximo seguro de edulcorantes recomendado por organismos internacionais. Esse limite de segurança chama-se Ingestão Diária Aceitável (IDA) e é definido por um comitê especialista em aditivos alimentares da Organização Mundial de Saúde (Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives – JECFA). Os valores variam de acordo com o indivíduo, pois são calculados por peso (kg) e por dia.
Para exemplificar, o Idec fez simulações de consumo das bebidas avaliadas de acordo com três indivíduos hipotéticos: crianças de 30 kg, mulheres de 55 kg e homens de 70 kg. Os piores resultados foram os dos refrigerantes. Uma criança pode tomar apenas 1,8 copos de Sprite Zero ou de Guaraná Kuat Zero, por exemplo, para atingir a IDA do adoçante ciclamato de sódio. E uma mulher que beber 3,5 copos de Fanta Zero não poderá ingerir mais nenhum miligrama de ciclamato no mesmo dia. Confira, na página 16, os piores resultados entre as bebidas avaliadas. Os resultados completos podem ser consultados no site do Idec. Acesse: http://goo.gl/0nIJnJ.
A preocupação aumenta quando se considera que uma pessoa tende a consumir diariamente vários produtos que contêm edulcorantes, pois até alguns produtos não dietéticos usam esses aditivos (isso mesmo: além de açúcar, eles também contêm adoçantes. Essa mistura ocorre com frequência em gelatinas e refrescos em pó, por exemplo). Dessa forma, a IDA é facilmente alcançada. "Os valores recomendados são baseados na ingestão de apenas um alimento, e não na combinação de vários, como acontece na vida real", avalia a nutricionista do Idec, responsável pela pesquisa.
Andrea Pereira, nutróloga do Hospital Israelita Albert Einstein e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), defende que pessoas que não têm doenças crônicas, como obesidade, diabetes, síndrome metabólica etc. não deveriam consumir produtos dietéticos. "E aquelas que têm essas doenças precisam de orientação médica para, além de saber a quantidade que podem consumir, aprender a ler os rótulos e fazer os cálculos", ela diz.
Há dois limites diferentes estipulados para adoçantes. Um deles diz respeito à quantidade máxima de adição de um edulcorante à formula do produto. Esse limite é fixado pela Anvisa e é obrigatório.
O outro limite é o de consumo máximo por dia, chamado de Ingestão Diária Aceitável (IDA), e tem a ver com o quanto se pode consumir da substância sem colocar em risco a saúde. A IDA é uma recomendação que varia de acordo com o peso de cada indivíduo e é definida por uma liga de especialistas da Organização Mundial da Saúde.
REGRAS CONFUSAS
Quase todos os produtos analisados apresentam no rótulo o nome dos edulcorantes presentes na fórmula e as quantidades utilizadas, como exige a Lei nº 8.918/1994, regulamentada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). No entanto, os néctares de uva e pêssego light da marca Dafruta informam os edulcorantes por meio de códigos, não dos nomes por extenso – um dado técnico, que não diz nada para o consumidor. Apesar de a legislação permitir o uso de tais códigos, o Idec considera a prática abusiva, pois viola o direito à informação previsto no Código de Defesa do Consumidor.
O problema mais grave em relação à rotulagem foi o das bebidas à base de soja, que não informam a quantidade de edulcorantes utilizada. Os quatro produtos avaliados não dão essa informação: Ades Zero Laranja e Ades Pêssego, SuFresh Soyos Morango e Yakult Tonyu Morango. Esses produtos são registrados como "alimento à base de soja", não como "bebida" e, dessa forma, seguem regras diferentes, fixadas pela Anvisa, mais brandas que as do Mapa. A legislação para alimentos, além de não obrigar informar a quantidade de edulcorantes, também permite que estes sejam misturados ao açúcar – o que é proibido para bebidas.
Segundo o Mapa, a regulamentação sobre bebidas dietéticas e de baixa caloria é mais restritiva porque foi concebida quando os edulcorantes eram novidade no mercado brasileiro e, portanto, sua aplicação exigia mais cautela em relação aos impactos à saúde do consumidor e à economia. Sobre a mistura de açúcar e adoçantes artificiais, a Anvisa justifica que a medida tem como objetivo um produto com menos calorias.
O professor Luiz Eduardo Rodrigues de Carvalho, coordenador do Laboratório de Vida Urbana, Consumo & Saúde (LabConsS), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), discorda dessa lógica. "A Anvisa acha saudável trocar açúcar por edulcorantes e isso é preocupante. Vejo um processo de naturalização dos adoçantes, assim como aconteceu com o açúcar. Ou seja, daqui a um tempo, todo mundo achará normal consumir adoçantes."
Bortoletto, do Idec, critica a postura da indústria de alimentos de se aproveitar da falta de harmonização das regras do Mapa e da Anvisa. "As empresas se valem disso para registrar um produto como alimento, quando ele é claramente uma bebida e, assim, seguir uma legislação mais flexível", destaca a nutricionista. Ela chama a atenção também para o fato de que duas das três marcas das bebidas de soja utilizam personagens infantis na embalagem, estimulando o consumo de edulcorantes por crianças – grupo mais vulnerável aos riscos dessas substâncias, já que tem menos peso corporal.
De acordo com Marlos Vicenzi, chefe da divisão de bebidas do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal do Mapa, a harmonização das legislações sobre alimentos e bebidas é uma meta do Ministério.
Enquanto isso não acontece, o consumidor fica sem informação. Diante da ausência do dado no rótulo, o Idec ligou para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) dos fabricantes para saber quanto de adoçante é adicionado aos produtos. Nenhum deles soube informar.
Até o fechamento desta edição, apenas três fabricantes manifestaram-se sobre a pesquisa:
• Wow Nutrition: alegou que, por ter como fonte de proteínas a soja, a linha Soyos é classificada como "alimento com soja" e segue, portanto, a Resolução nº 91/2000 da Anvisa. Afirmou ainda que a Resolução nº 18/2008 da agência permite a mistura de açúcar com adoçantes.
• Empresa Brasileira de Bebida e Alimentos: discordou da reprovação dos produtos Dafruta light de uva e de pêssego por informarem o código dos edulcorantes utilizados em vez do nome por extenso, pois a prática é permitida pela Anvisa. Informou também que o consumidor pode solicitar o nome do adoçante por meio do SAC.
• Unilever: afirmou que não há nenhuma irregularidade no rótulo dos produtos Ades Laranja Zero e Ades Pêssego, porque eles não estão submetidos ao Decreto no 6.871/2009, mas à RDC nº 91/2000 da Anvisa, e que a quantidade de edulcorantes utilizada está dentro do limite estabelecido pela agência, embora não seja informada.