Responsabilidade limitada
Nova versão do Guia dos Bancos Responsáveis avalia políticas declaradas pelas seis maiores instituições financeiras do país e constata que elas ainda se comprometem a fazer muito pouco além do que exige a lei
O seu banco investe em projetos que causam impactos ao meio ambiente? Ou que desrespeitam os direitos humanos? Para ajudar os consumidores a saber como as instituições financeiras lidam com essas e outras questões que afetam diretamente a vida em sociedade, o Idec analisou mais uma vez as políticas socioambientais dos seis principais bancos do país: Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, HSBC, Itaú e Santander.
Os resultados nada animadores estão compilados no website Guia dos Bancos Responsáveis (GBR): http://guiadosbancosresponsaveis.org.br/, lançado em 11 de fevereiro. O GBR é a versão brasileira do Fair Finance Guide International (FFGI), coordenado pela organização holandesa Oxfam Novib e realizado por mais seis países: Bélgica, França, Holanda, Indonésia, Japão e Suécia. O projeto também é apoiado pela agência governamental sueca de cooperação e desenvolvimento internacional (Swedish International Development Cooperation Agency).
Esta é a quinta vez que o Idec faz essa análise – as outras versões do estudo foram feitas em 2008, 2010/2011, 2012 e 2013. Mas, agora, foi utilizada a metodologia do FFGI, igualmente aplicada em todos os países participantes, que consiste na análise das políticas declaradas pelos bancos, em documentos públicos, para os seus investimentos. "Essa metodologia não requer a participação dos bancos, como ocorreu nas versões anteriores, em que questionários eram enviados para cada instituição", explica o economista Lucas Salgado, consultor do Idec e responsável pelas análises deste GBR. "Mas queremos que eles deem um feedback, como acontece em outros países. Essa não é uma pesquisa de ataque, nosso objetivo é que eles melhorem suas políticas", complementa.
As instituições, no entanto, não se manifestaram individualmente, somente por meio da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). O órgão criticou o fato de uma pesquisa que envolve diversos temas ter sido feita por uma associação de consumidores.
Outra diferença da metodologia é que, este ano, a avaliação de práticas bancárias em relação aos direitos do consumidor que o Idec também realiza há vários anos não compõe a nota final do GBR. "A avaliação das práticas feita em 2014 faz parte da pesquisa, mas como estudo de caso. As notas foram calculadas apenas com base nas políticas declaradas", explica Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Idec. Os resultados da avaliação de práticas bancárias foram publicados ao longo do ano passado na Revista do Idec.
O QUE É: plataforma online produzida pelo Idec com o apoio da Oxfam Novib e da Swedish International Development Cooperation Agency. O GBR faz parte do Fair Financial Guide International (FFGI), rede internacional de organizações da sociedade civil que visa a fortalecer o compromisso das instituições financeiras com as normas sociais, ambientais e de direitos humanos.
O QUE AVALIOU: as políticas de responsabilidade socioambiental dos seis maiores bancos do país (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, HSBC, Itaú e Santander). Mais especificamente, se eles se preocupam com as questões ambientais, sociais e econômicas das empresas nas quais investem. Foram analisados 13 temas: mudanças climáticas, direitos humanos, direitos trabalhistas, meio ambiente, remuneração, impostos e corrupção, transparência e prestação de contas, alimentos, armas, florestas, mineração, óleo e gás, e geração de energia. Para cada tema, foi observado se o banco respeita a legislação vigente (quando há), se aderiu a acordos coletivos e padrões internacionalmente aceitos, e se possui políticas e compromissos próprios.
COMO AVALIOU: por meio da análise de documentos públicos, como relatórios anuais e de sustentabilidade, políticas setoriais e de risco, entre outras informações.
COMO CALCULOU AS NOTAS: em cada um dos 13 temas, os bancos foram avaliados de 0 a 10.
RESULTADOS SOFRÍVEIS
Os bancos não se saíram nada bem na avaliação de suas políticas socioambientais. A nota geral mais alta foi um reles 4, atingida pelo HSBC. Em seguida vieram Banco do Brasil e Itaú, empatados com 3,7, seguidos por Santander, Caixa e o lanterninha Bradesco, com 3,2.
Considerando os temas individualmente, as "melhores" notas médias (acima de 5) foram nos quesitos Meio Ambiente (7,5), Direitos Trabalhistas (6,8) e Direitos Humanos (5,8). "Os bancos fizeram mais pontos nos temas em que a legislação brasileira é mais rígida, pois declaram em suas políticas cumprir os princípios nelas previstos", justifica Oliveira.
Já nas áreas em que não há legislação, como Armas – categoria que obteve a pior nota, 0,5 – e Geração de Energia, o desempenho foi péssimo. "É provável que nenhum banco financie indústria de armamentos, mas eles não divulgam políticas em relação a isso, porque não é obrigatório", exemplifica Oliveira. A exceção foi o HSBC, que possui diretrizes alinhadas com requerimentos europeus. Empresas que fabricam ou comercializam certos tipos de armas não podem receber serviços financeiros da instituição.
Chama a atenção também que temas correlacionados, mas avaliados de forma separada, tenham tido notas muito distintas. Exemplo é Direitos Trabalhistas e Remuneração – neste último, os resultados foram ruins, pois as instituições são pouco transparentes em relação aos parâmetros de pagamento de salários e bônus aos funcionários. A explicação pode ser a mesma: empresas têm de seguir normas trabalhistas e declarar isso, mas não são obrigadas a ser transparentes em relação à remuneração de seus altos funcionários.
Outros exemplos são os temas Mudanças Climáticas e Florestas, avaliados separadamente de Meio Ambiente. Os temas específicos obtiveram nota bem inferior à categoria mais geral, que aborda principalmente biodiversidade. No tema Mudanças Climáticas, os motivos da pontuação baixa são a falta de acompanhamento das emissões diretas e indiretas de gases de efeito estufa pelas empresas nas quais os bancos investem e a inexistência de políticas claras sobre as questões climáticas. "Os bancos ainda estão focados, quase que exclusivamente, na gestão de suas próprias emissões, subestimando seu potencial de influenciar clientes de vários setores", observa Salgado.
O Idec organizou um seminário de lançamento do GBR, realizado em 11 de fevereiro em São Paulo (SP). Cerca de 100 pessoas participaram do encontro, incluindo membros da coalizão internacional dos sete países que compõem o Fair Finance Guide International. O seminário foi composto de debates sobre a responsabilidade social dos bancos e os resultados da pesquisa, dos quais participaram membros do projeto, especialistas em sustentabilidade e representantes do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) e do Banco Central. Veja mais detalhes sobre o seminário, acesse: http://goo.gl/I85YhC
DISCURSO X PRÁTICA
É bom ressaltar que a análise foi feita com base no que as empresas declaram em documentos públicos. "O fato de os bancos declararem suas políticas não significa que eles as coloquem em prática. Sabemos que muita coisa fica só no papel", declara Oliveira. Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra, concorda: "No Brasil, há um grande hiato entre as leis, que são sofisticadas, e sua implementação efetiva".
Segundo o gerente técnico do Idec, analisar as práticas é muito difícil. "Esse é exatamente o calcanhar de Aquiles, o ponto a ser aprimorado na pesquisa. Mas declarar as políticas já é um começo para a mudança das práticas, porque ao se comprometer, a obrigação é maior", ele acredita.
De acordo com Juana Kweitel, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, a diferença entre teoria e prática ocorre em relação ao tema que a entidade acompanha, um daqueles com melhor nota. "Falta uma diretriz mais clara do Banco Central que exija dos bancos um comportamento proativo de verificar se seus clientes violam direitos fundamentais, principalmente nas áreas mais problemáticas, como grandes obras, mineração, projetos que envolvem realocação de populações e em casos de uso intenso de mão de obra, nos quais o risco de trabalho análogo à escravidão é potencializado", exemplifica.
CONSUMIDORES PARTICIPATIVOS
O GBR é feito para o consumidor. Nele, os clientes de bancos podem conhecer as diretrizes da instituição financeira onde têm conta para os 13 temas avaliados e compará-las com as de outras instituições. "O Guia incentiva o usuário a assumir um papel proativo na mobilização por instituições financeiras mais responsáveis, seja enviando uma reclamação ao seu banco ou parabenizando-o por possuir práticas exemplares", diz Oliveira.
Na Suécia, o fato de o Guia ter sido feito por uma organização de consumidores foi muito útil. Nas primeiras 48 horas após o lançamento do site, mais de mil pessoas enviaram mensagem aos seus bancos por meio de uma ferramenta disponível. "Esperamos conseguir o envolvimento dessas organizações em mais países. Na Holanda, infelizmente, ainda não há muito interesse", afirma Ted van Hees, coordenador do projeto da Oxfam Novib, responsável também pela pesquisa com os bancos holandeses. "Como o Idec é uma organização de consumidores, nós esperamos que o lançamento do Guia dos Bancos Responsáveis encoraje os clientes dos bancos brasileiros a questionar e pressionar essas instituições para que melhorem suas políticas e práticas", ele afirma. É o que o Idec espera também.
Neste ano, o Guia dos Bancos Responsáveis foi produzido por sete países – Brasil, Bélgica, França, Holanda, Indonésia, Japão e Suécia. Conversamos com Imad Sabi, coordenador de metodologia do projeto da Oxfam, sobre a experiência internacional. Confira a seguir:
Idec: É possível comparar o resultado dos vários países que realizaram a pesquisa?
Imad Sabi: Sim, porque os sete países utilizaram a mesma metodologia. No entanto, ainda não fizemos isso, pois nem todos concluíram o relatório. Mas posso dizer que os bancos do Japão foram mal (de 10 pontos possíveis, a pontuação máxima foi 5). Lá, o resultado foi bastante divulgado na mídia e levantou o questionamento "por que as notas foram tão baixas?", o que já é o começo para um processo de mudança.
Idec: Qual é a importância de se realizar essa análise em países com realidades socioeconômicas tão distintas?
IS: A internacionalização do GBR é uma necessidade, considerando que os bancos operam além-fronteiras e as leis e regulações nacionais não são eficazes no caso de operações internacionais. A globalização do setor, portanto, requer mecanismos de monitoramento globais, que ainda não existem.
Idec: Há planos de realizar o GBR em outros países além dos sete atuais?
IS: Sim. Estamos conversando com organizações da Alemanha, da Inglaterra, dos Estados Unidos, dos países escandinavos, da Índia, de países do sudeste da Ásia, da África do Sul e de outros países da América Latina.
Idec: E sobre os temas avaliados, há possibilidade de novos tópicos serem incluídos?
IS: Também há. Na próxima versão, queremos incluir pelo menos quatro temas prioritários em países participantes do Fair Financial Guide International: direitos dos consumidores, inclusão financeira, gênero e contribuição para a economia real. Quanto mais Guias forem produzidos, mais temas serão incluídos, de acordo com a necessidade dos países envolvidos.