Brasil desconectado
Plano Nacional de Banda Larga chega ao fim sem ampliar de forma significativa o acesso à internet no país
A cada ano, mais serviços ao cidadão são prestados por meio da internet: são cadastros, requerimentos e informações online de primeira necessidade. Os negócios também dependem, cada vez mais, da rede mundial de computadores – nota fiscal e imposto de renda, por exemplo, são processados por meio eletrônico e transmitidos pela rede –, sem falar na possibilidade de acesso a emprego, educação e cultura.
No entanto, o Brasil ainda trata o acesso à internet como secundário. Dois terços das famílias do país (38,4 milhões de lares) vivem uma lacuna digital, conforme levantamento do DataSenado, realizado no fim do ano passado. Esse número espantoso de pessoas sem internet revela que o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), instituído em 2010 com o intuito de "massificar" o acesso à rede no país, fracassou. Apesar do crescimento do número de domicílios conectados à internet desde a instauração do PNBL, o total ainda está muito abaixo dos 40 milhões previstos até o fim de 2014, prazo final para o cumprimento das metas. Em outubro de 2014, havia 23,8 milhões de acessos à banda larga fixa, incluindo aqueles instalados em pontos comerciais.
Um dos principais pontos do PNBL é o serviço de "banda larga popular" – pacote de internet de 1 Mbps a R$ 35 por mês, fruto de um acordo entre as operadoras e o governo federal, cujo objetivo é ampliar o acesso entre os consumidores de baixa renda. De acordo com os dados oficiais divulgados pelo governo e pelas operadoras, o serviço é oferecido em 4.912 cidades brasileiras. No entanto, o baixo número de adesões demonstra que essa política nunca decolou: há apenas 2,6 milhões de assinaturas do plano popular, número irrisório considerando o de famílias desconectadas.
Apesar da falta de transparência em relação à oferta de banda larga popular, sabe-se que cerca de metade dos acessos à modalidade está concentrada no Sudeste. A Vivo, que oferece o pacote em São Paulo, sua área de concessão da telefonia fixa, contabiliza 1,2 milhões de clientes, conforme informado por sua assessoria de imprensa.
Outro motivo que dificulta a ampliação do número de domicílios conectados é o conjunto de entraves na construção de uma infraestrutura pública de abrangência nacional pela Telebras — estatal reativada a partir do PNBL. A rede deveria alcançar 4.278 municípios, mas ao final de 2014 tinha apenas 612. Além do desafio político de construção da rede nacional e do embate econômico que ele representa, o projeto de estruturação da Telebras esbarrou em um estrondoso corte orçamentário, assim como o PNBL como um todo. O Plano Plurianual (PPA) de 2012 a 2015 prevê investimentos da ordem de R$ 2,9 bilhões para o Plano, no período de 2012 a 2013. Contudo, a execução orçamentária, de fato, foi de R$ 214,1 milhões — míseros 7,4% do total previsto no PPA.
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Diante da decepção do PNBL, entidades da sociedade civil se uniram e criaram a campanha Banda Larga é um Direito Seu, da qual o Idec faz parte. O grupo defende que o acesso à internet é um serviço essencial e que, portanto, deve ser tratado como um direito assegurado a toda a sociedade, assim como foi o acesso à telefonia fixa.
Dessa forma, o Idec e as demais organizações membros da campanha defendem que o serviço seja prestado em regime público. Essa modalidade, prevista na atual Lei Geral de Telecomunicações (LGT) para serviços considerados essenciais, garantiria metas de cobertura e modicidade tarifária. Nesse caso, a construção da rede para garantir a universalização do serviço seria subsidiada pelo poder público, e a prestação do serviço ao consumidor seguiria sendo operada por empresas privadas.
A lei prevê a instauração de regime público via Decreto Presidencial, e a campanha Banda Larga É um Direito Seu vem cobrando a adoção dessa medida pelo Executivo Federal. "Diferentemente do que ocorreu no PNBL, seria importante que o governo divulgasse relatórios periódicos da política de universalização da banda larga e mantivesse o acompanhamento de suas ações", destaca Veridiana Alimonti.
A Revista do Idec procurou o Ministério das Comunicações para comentar o assunto, mas os pedidos de entrevista foram recusados sob o argumento de que a pasta passa por transição de governo.
Em São Paulo, há um programa de banda larga popular estadual, com condições diferentes do plano do PNBL. Criado em 2009, o programa paulista consiste na isenção de ICMS (em geral, 25%) para determinados planos de internet. De acordo com atuais regras do programa, se enquadram na isenção do imposto pacotes de 1 Mbps a até R$ 29,80 por mês; de 1,5 Mbps a até R$ 34,90; e de 2 Mbps a até R$ 39,90.
ERRADO DESDE A CONCEPÇÃO
Para Veridiana Alimonti, advogada do Idec, a tentativa de massificação do acesso à internet por meio do plano de banda larga popular fracassou porque há equívocos desde sua concepção. "Não foram criadas metas de investimento, nem estabelecida obrigação de o serviço estar disponível, a preços baixos, a qualquer pessoa independentemente de sua localização ou condição social. Ou seja, as melhores práticas utilizadas para a universalização da telefonia fixa no passado não foram consideradas no PNBL", critica.
Ainda, sem obrigação de número mínimo de domicílios conectados, as empresas simplesmente apresentam dados de onde há, em teoria, a possibilidade de contração do plano de banda larga popular. Contudo, um levantamento feito pelo Idec em 2012 já alertava para a dificuldade de se obter informações (escondidas nos sites das operadoras) e de contratar o serviço. No entanto, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), responsável por fiscalizar a oferta, se limita a dar respostas burocráticas e a apresentar os números de municípios em que consta a oferta dos planos, tal qual apresentado pelas empresas, sem qualquer menção à divulgação do pacote e ao atendimento adequado pelo call center.
Além disso, o plano ofertado pelas concessionárias é muito ruim, destaca a advogada do Idec. Apesar da velocidade de 1 Mbps ser razoável para a época de implantação do plano, no termo de compromisso está prevista uma grande limitação no volume de tráfego de dados (a chamada franquia) do pacote popular. No acordo assinado pela Telefônica, por exemplo, o limite de navegação da banda larga fixa era de 300 Megabytes (MB) no início, tendo alcançando 1 Gigabyte (GB) em junho de 2013. Na banda larga móvel, a franquia prevista era a metade: 150 MB, chegando a 500 MB. As franquias de dados nos planos populares são muito abaixo da de um plano tradicional das operadoras. A título de exemplo, a menor franquia entre as ofertas da Oi Velox é de 20 GB. "É a lógica de que a política pública para a área de menor interesse econômico é uma esmola e basta", analisa Alimonti.
Outro problema da banda larga popular é que as empresas fazem a venda casada do serviço de internet com a telefonia fixa, o que inviabiliza economicamente a contratação do serviço pelas famílias de baixa renda. Conforme o acordo feito entre empresas e governo, a mensalidade dos dois serviços juntos pode custar de R$ 65,00 a R$ 69,90, a depender da operadora – o que representa pouco menos de 10% do salário mínimo, hoje em R$ 788. "A conclusão é que o PNBL é um total fracasso. Não atingiu o objetivo de conectar a população de menor renda e terminar com a desigualdade entre as regiões", afirma o diretor técnico do Clube de Engenharia, Marcio Patusco.
O que é:
• Fruto de termos de compromisso entre o Ministério das Comunicações (Minicom) e concessionárias de telefonia fixa (Oi, Vivo, CTBC e Sercomtel), o programa prevê a oferta ao consumidor de pacote de internet de 1Mbps por R$ 35, com limite de franquia estabelecido em contrato.
• Em alguns estados há isenção de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para o programa e, nesses locais, o plano custa R$ 29,90. São eles: Bahia, Espírito Santo, Goiás, Pará, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro e Sergipe.
• A oferta pode ser via rede móvel ou fixa e a franquia de navegação varia de acordo com o tipo de rede.
Limitações:
• O plano pode ser oferecido apenas nas chamadas "localidades-sede" dos municípios cobertos por cada concessionária, de forma que bairros afastados e áreas rurais ficam de fora.
• As concessionárias informam que atingiram a cobertura do plano popular em todos os municípios pelos quais são responsáveis. No entanto, a meta de conexão em domicílios (40 milhões) não foi atingida.
• O número de planos contratados é muito baixo, 2,6 milhões, segundo dados do Minicom.
• Há pouca divulgação e os planos são pouco atrativos.