Conexão interrompida
Operadoras começam a mudar modelo de internet pelo celular e bloquear acesso quando acaba a franquia de navegação. Entenda o que está por trás da mudança e quais são os direitos do consumidor
Sinal que some; velocidade que cai drasticamente depois de certo uso; planos com condições confusas e preços pouco amigáveis. Se a vida de quem usa internet pelo celular já era difícil, ela pode ficar mais complicada ainda com uma possível mudança no modelo de negócios das operadoras no Brasil. Em outubro, os consumidores foram surpreendidos com o anúncio de que algumas empresas pretendiam interromper a navegação após a franquia de dados ser atingida, pondo fim à era dos planos "ilimitados", em que o acesso é mantido, ainda que em velocidade reduzida.
A "novidade" não demorou a sair do papel: no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, a Vivo já está operando nesse novo modelo nos planos pré-pagos, e a Oi já anunciou que pretende começar a aplicá-lo a partir deste mês. As outras operadoras ainda estudam como e quando pretendem implementar a mudança.
Para o Idec, a forma como os planos ditos "ilimitados" eram ofertados sempre foi muito ruim, pois confundia os consumidores e gerava falsas expectativas de navegação "sem limites", que, na prática, é restrita pela redução da velocidade. Quando a velocidade cai, o usuário ainda consegue mandar mensagens pelo Whatsapp, por exemplo, mas fica tão lento que é impossível assistir a vídeos ou executar aplicativos mais pesados.
Apesar disso, cortar o acesso é ainda pior, já que o usuário pode ficar sem o serviço quando mais precisar dele. "Mesmo que o novo modelo seja mais transparente, no sentido de que não promete navegação ilimitada, o consumidor fica refém de uma relação em que há franquias muito baixas com preços altos", diz Veridiana Alimonti, advogada do Instituto.
Apesar da forte expansão do uso da internet pelo celular, muita gente ainda se confunde no que diz respeito à velocidade de navegação e à franquia de dados. A velocidade se mede em Mbps ou Kbps, e se refere à quantidade de bits por segundo transmitidos. Já a franquia é o volume de dados total do plano, medida em MB (Megabytes) ou GB (Gigabytes). Toda navegação envolve tráfego de dados: ao abrir o navegador e fazer uma busca ou executar um aplicativo, por exemplo, a franquia está sendo consumida.
A confusão não se dá a toa. "Nas ofertas, as operadoras não falam exatamente qual é a velocidade contratada, mencionam com destaque apenas se é 3G ou 4G. Na internet fixa, o que diferencia os planos é principalmente a velocidade, e na móvel, é principalmente o volume de dados. O problema começa aí, já que essas diferenças são mal explicadas para o consumidor", critica Veridiana Alimonti, advogada do Idec.
COMO FICA AGORA?
Pela legislação, as operadoras não podem ser impedidas de mudar o modelo do serviço de internet móvel. Contudo, há diversas questões que devem ser esclarecidas ainda sobre as novas condições oferecidas. "As operadoras precisam deixar claro o que acontecerá quando os dados acabam: o usuário precisa habilitar um novo pacote [para continuar navegando]? É automático?", questiona Alimonti. "Os novos contratos devem ser muito claros sobre a quantidade de dados comprada e os termos de prestação de serviço", completa.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não se posiciona claramente sobre o assunto. Até o fechamento desta edição, informou por meio de nota que solicitou e recebeu informações das prestadoras sobre o assunto, que estão em análise no momento. "A agência acompanhará as mudanças implementadas na forma de cobrança para verificar o cumprimento de todos os itens da regulamentação", diz a nota. A Anatel afirma também que exigiu às operadoras que qualquer alteração em planos de serviços e ofertas seja comunicada ao usuário com antecedência mínima de 30 dias.
Para o Idec, no caso de planos que já foram contratados como "ilimitados", a mudança não pode ser aplicada sem a anuência do cliente, pois o Código de Defesa do Consumidor (CDC) impede a alteração unilateral do contrato. "Os regulamentos da Anatel permitem que mudanças nas condições contratadas aconteçam desde que a operadora avise com antecedência de 30 dias, mas essa resolução não pode se sobrepor à lei", destaca a advogada do Idec.
Dessa forma, segundo Alimonti, o novo modelo só se aplica a clientes antigos nos casos em que a velocidade reduzida fosse uma promoção e que isso estivesse claro para o consumidor – o que não costuma ocorrer. "Em geral, a informação de que a condição é promocional fica escondida, no rodapé da página ou no regulamento do plano. Se a oferta deu a entender que a condição da velocidade reduzida era permanente, o consumidor tem o direito de exigir isso por força do artigo 30 do CDC", esclarece.AS RAZÕES DA MUDANÇA
A pergunta que fica no ar é: por que depois de estimular por tantos anos um modelo de navegação "ilimitada", as operadoras decidiram agora mudar de estratégia? De acordo com Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, o motivo é a expansão do uso de internet móvel no Brasil. "Temos hoje ao mesmo tempo pessoas usando as tecnologias 2G, 3G e 4G. Em novembro, pela primeira vez, o 3G ultrapassou o 2G, e deve ser a principal tecnologia pelos próximos seis anos", afirma.
Para entender melhor, é importante ter em mente que 2G, 3G e 4G são tecnologias. A cada geração, elas tendem a ser mais rápidas e suportar uma quantidade maior de dados. Assim, quanto mais se expande as tecnologias, mais banda é necessária para suportá-las.
Segundo Tude, a oferta de planos ilimitados foi utilizada como estratégia para estimular os consumidores a usarem pacotes de dados. E ela deu certo: em 2011, apenas 15% dos usuários de internet a acessavam por smartphones; em 2013, esse número passou para 31%, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios, do Centro de Estudos sobre Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic).
Mas a expansão se deu por meio desse modelo de redução de velocidade. Quando o pacote de dados contratado acaba, a velocidade da navegação no celular cai para 128 Kbps, na melhor das hipóteses, e é suportado pela rede 2G (e não pela 3G). O consultor acredita que esse uso estendido, como cortesia, também representa uma sobrecarga e é inviável a longo prazo. "[A velocidade reduzida] não atende às necessidades do usuário. O ideal é que a rede 2G seja desativada para dar lugar a redes mais rápidas", afirma. A advogada do Idec concorda que a redução da velocidade é problemática. "Não é aplicado nenhum parâmetro para quanto a velocidade será reduzida no serviço móvel. A Anatel se eximiu dessa responsabilidade", pontua.
"Estudos indicam que a quantidade de antenas teria de dobrar para melhorar a qualidade da internet no celular no Brasil"
De acordo com Alimonti, os planos mais baratos têm uma franquia de dados muito baixa. Ela cita como exemplo um plano pré-pago da Vivo em Minas Gerais (onde o novo modelo de corte de navegação já é aplicado), que oferece 200 MB de franquia para o mês inteiro. "Ou seja, são menos de 10 MB por dia. É claro que esse limite vai ser rapidamente atingido. É muito pouco, principalmente se este for o único meio de acesso à internet da pessoa." Já os pacotes com franquia de dados maiores, mais adequados à realidade de uso atual, são caros. E mesmo quem tem tais planos corre o risco de não ter cobertura e de a internet não "pegar" em determinada região. "A infraestrutura não é suficiente", comenta a advogada.
INFRAESTRUTURA DEFICITÁRIA
Há um grande empurra-empurra sobre os investimentos em infraestrutura de telecomunicações no Brasil. Os sindicatos do setor queixam-se da carga tributária, por volta de 40%; as operadoras reclamam de restrições de prefeituras contra a instalação de antenas. A questão é que o usuário hoje paga caro e é mal atendido. Para Milton Kaoru Kashiwakura, diretor de Projetos Especiais e de Desenvolvimento do Núcleo de Informação do Ponto Br (NIC.br), é preciso investir mais. "Estudos indicam que a quantidade de antenas no Brasil está muito aquém dos principais países com internet por celular de melhor qualidade. Teríamos de dobrar a quantidade de antenas", afirma.
Ele cita um levantamento da Everest Engenharia que compara a estrutura da Espanha com a do Brasil. Aqui, há 68 mil Estações Rádio Base (ERB), que atendem 276 milhões de celulares, de quatro operadoras. Na Espanha, há 45 mil ERBs para 70 milhões de celulares. A proporção ideal é de 1.500 usuários por ERB – hoje, no Brasil, cada uma suporta 4.050 aparelhos.
Kashiwakura pondera que a internet móvel tem características diferentes de um acesso fixo. A própria mobilidade do usuário aproxima ou afasta de áreas com boa cobertura, ou pode ter picos de sobrecarga de usuários em determinada região. Apesar disso, está claro que, diante do número crescente de usuários no Brasil e do aumento da demanda por um tráfego de dados mais intenso, é fundamental que o setor faça mais investimentos na rede.