Eles não aprendem a lição
Balanço de pesquisas feitas ao longo do ano constata que bancos desrespeitam quase metade das regras do CDC e do Banco Central. Irregularidades são semelhantes às já identificadas em 2009 e 2012
Parece até piada: enquanto o lucro dos três maiores bancos privados do país (Bradesco, Itaú e Santander) subiu 27% (ou R$27,4 bilhões) nos nove primeiros meses de 2014 em relação ao mesmo período do ano passado, eles e as outras três grandes instituições financeiras do país (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e HSBC) descumpriram quase metade das regras estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e pelo Banco Central (BC) para o atendimento ao cliente.
É o que mostra o balanço de pesquisas feitas pelo Idec ao longo deste ano com esses seis bancos: em 23 quesitos avaliados, em média, 57% das condutas das instituições foram inadequadas ou abusivas. A avaliação foi feita durante seis meses, em três etapas: a primeira analisou a abertura de conta corrente; a segunda, a concessão e o contrato de crédito; e a última, a liquidação antecipada do empréstimo e o encerramento de conta. Os resultados de cada etapa foram divulgados parcialmente em três reportagens publicadas ao longo de 2014 (confira os links ao final desta matéria).
Os resultados identificados nas três últimas pesquisas mostram que os bancos vêm sistematicamente descumprindo quase metade da legislação no que se refere aos direitos do consumidor
A média geral atingida este ano é igual à da pesquisa semelhante feita em 2012, quando os bancos também só cumpriram 57% da legislação. Anteriormente, em 2009, a avaliação tinha sido um pouco pior, 55%. Ou seja, há cinco anos eles descumprem quase metade das regras. "Os índices sinalizam que as instituições financeiras sistematicamente não vêm cumprindo as normas mínimas previstas no CDC e fixadas pelo órgão regulador do setor, o que desequilibra a relação de poder entre as partes", ressalta Ione Amorim, economista do Idec e responsável pelas pesquisas. "A qualidade na prestação de serviço, tão expressada na publicidade e no discurso dos bancos, deixa muito a desejar na prática", declara.
Individualmente, a Caixa alcançou o maior índice de adequação, com 65%, mas ainda muito longe do ideal – que é o cumprimento da legislação de forma integral, obrigação de todos os entes da sociedade. Já o Banco do Brasil e o Santander ficaram com o pior resultado, cumprindo 48% das normas. Esses dois bancos tiveram desempenho inferior ao da última pesquisa, o que indica que a qualidade de seu atendimento piorou de lá pra cá. Em 2012, eles tinham atingido 59% e 54% de adequação, respectivamente. Outro que piorou foi o Bradesco, que caiu de 66% para 61%. "Os resultados desse balanço reforçam a necessidade de monitoramento das práticas bancárias, de maior fiscalização por parte dos órgãos reguladores e de se fortalecer o poder dos consumidores perante um mercado cada vez mais concentrado", aponta Amorim. Confira, na página 16, todos os itens avaliados e o desempenho de cada banco.
A pesquisa foi realizada entre maio e setembro deste ano e foi dividida em três etapas: abertura de conta; concessão de crédito; e liquidação antecipada do empréstimo e encerramento da conta. O objetivo era aferir o cumprimento das regras vigentes (o Código de Defesa do Consumidor e as normas do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central) em relação a cada uma das etapas, que contemplam os serviços bancários mais utilizados pelos consumidores.
Os bancos pesquisados foram os seis maiores do país com mais de um milhão de clientes cada: Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa Econômica Federal, HSBC e Santander. No total, foram avaliados 23 itens e, a partir da adequação ou não a cada um deles, classificou-se a porcentagem de normas respeitadas por cada banco.
A pesquisa faz parte do projeto de Responsabilidade Social Empresarial de Bancos apoiado pela Oxfam Novib e também pelo Guia dos Bancos Responsáveis (GBR).
PRINCIPAIS PROBLEMAS EM CADA ETAPA
Na etapa de abertura de conta, em média, 64% das normas previstas na legislação foram cumpridas. As irregularidades mais recorrentes foram: a impossibilidade de o consumidor escolher o pacote de serviços que mais lhe convém; o envio de cartão de crédito sem solicitação (prática que configura venda casada, expressamente proibida pelo artigo 39, I, do CDC); e não fornecimento do contrato e do termo de adesão ao serviço adquirido. O Bradesco foi o que se saiu melhor, com 86% de conformidade nessa etapa, pois ofereceu o pacote de serviços adequado às necessidades do consumidor e entregou o termo de adesão. Nos demais bancos, o pacote foi determinado pelo banco, mesmo diante do questionamento do pesquisador.
As piores marcas ocorreram na etapa de contratação de empréstimo, em que, na média, só 42% das normas foram respeitadas. Nessa fase, além do processo de aquisição do empréstimo, foram analisadas as cláusulas dos contratos de crédito. A análise só foi possível porque o Idec fez o download dos documentos no site dos bancos, já que, exceto o Itaú, nenhum entregou os contratos aos pesquisadores. O Bradesco e o Santander foram os que se saíram pior nessa etapa: cumpriram apenas três de dez itens avaliados. O mal resultado se deve principalmente ao fato de seus contratos de crédito conterem uma série de cláusulas abusivas. Além disso, novamente, uma das infrações mais comuns foi a venda casada. Dessa vez, três bancos (Banco do Brasil, Itaú e Santander) embutiram um seguro junto ao empréstimo, sem avisar aos consumidores.
Já a terceira e última etapa foi a menos problemática. Em relação à liquidação antecipada do empréstimo, 77% das normas foram respeitadas: os bancos fizeram o cálculo do desconto proporcional dos juros corretamente e não cobraram tarifa, mas três deles (Banco do Brasil, Caixa e Itaú) não ofereceram o demonstrativo do cálculo para que o consumidor pudesse conferi-lo. Quanto ao comprovante de liquidação do crédito, somente o cliente da Caixa o recebeu.
Só o encerramento de conta foi 100% cumprido por todos os bancos: nenhum criou dificuldades para fechá-la e todos entregaram o comprovante de encerramento. O êxito alcançado nessa etapa pode ser atribuído, em parte, ao acordo firmado entre o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) e a Febraban, que resultou em um roteiro para encerramento de contas, publicado em 2007.
O Idec comunicou os resultados da pesquisa ao Banco Central e à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).
SAIBA MAIS
Confira mais detalhes sobre os resultados de cada etapa da pesquisa nas matérias abaixo:
• Abertura de contas: http://goo.gl/qSmV63
• Contratação de crédito: http://goo.gl/BWv0IU
• Liquidação antecipada e encerramento de conta: http://goo.gl/fIlxk7
DESRESPEITO GENERALIZADO
Os principais problemas identificados nas pesquisas deste ano também são similares aos dos anos anteriores: desrespeito ao direito à informação; não fornecimento de contratos e de outros documentos obrigatórios; e venda casada de produtos, como cartão de crédito e seguro.
Embora os bancos envolvidos justifiquem que os problemas detectados pelo Idec (mais uma vez!) são "casos isolados", os números de queixas contra o setor registrados nos órgãos oficiais mostram o contrário. A quantidade de reclamações no Banco Central explodiu de 2012 para 2013: saltou de 11.855 para 22.893, um aumento de 93%. De acordo com o órgão regulador, a metodologia de contagem de reclamações foi alterada em julho deste ano. Porém, a mudança não interfere nos dados já registrados em 2012 e 2013 e, portanto, a elevação do número de queixas não pode ser ignorado.
Além disso, o setor financeiro foi o que mais gerou atendimentos (216.455) aos Procons do país em 2013, segundo dados do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (Sindec), que reúne números de 590 órgãos do país.
Questionado sobre o que está fazendo para conter o aumento do número de queixas e como tem fiscalizado as práticas bancárias, o Banco Central não quis se manifestar, passando a bola para o Ministério da Justiça. Este, por sua vez, também não respondeu as perguntas enviadas por e-mail até o fechamento desta edição.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) foi a única que se pronunciou, mas disse apenas que seus associados estão se esforçando para reduzir o número de reclamações e que eles têm investido nos canais de relacionamento com o cliente para esclarecer dúvidas e resolver conflitos.