Feliz orçamento novo
É chegada a hora de fazer o balanço do ano que passou e se planejar para o próximo, inclusive em relação às finanças pessoais. Afinal, lidar bem com o dinheiro é condição fundamental para ter um ano e uma vida tranquila. Infelizmente, muitos brasileiros estão longe dessa meta. Segundo dados do SPC Brasil divulgados no início de novembro, há 55 milhões de pessoas inadimplentes no país. Mas é possível sair da lama e ter um orçamento saudável. A seguir, o economista Samy Dana, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, fala sobre alguns meios de se chegar lá. Dana mantém colunas de finanças pessoais no jornal Folha de S. Paulo e na revista Você S/A, entre outras participações na mídia. Nesta entrevista, além de dar dicas, ele também faz análises da atual conjuntura econômica. Confira!
Idec: Você é coautor do livro Como passar de devedor para investidor (editora Cengage Learning). Quais são as principais dicas que a obra traz?
SAMY DANA: O livro explica como fazer um orçamento, quais gastos você pode cortar, quais são as estratégias etc. Parece fácil, porque todo mundo sabe qual é o problema e a solução: gastar menos do que ganha. Mas, assim como no caso de quem precisa emagrecer, há um fator psicológico muito forte: a pessoa sabe que tem de ingerir menos calorias do que gasta, mas não consegue fazer a dieta. A questão é por que não consegue. Seguir uma dieta radical por muito tempo é insustentável. De certa forma, é o mesmo problema que ocorre nas finanças. Se eu disser que você não pode gastar nada, só o básico, você não vai conseguir fazer isso por muito tempo. Essa negociação é importante.
Idec: Muitas pessoas não estão inadimplentes, mas também não poupam e nem investem. Essa situação também é ruim?
SD: Sim. Se o indivíduo consegue pagar as contas, mas não faz um planejamento financeiro, terá um problema quando a sua força de trabalho diminuir ou quando parar de trabalhar, pois a renda vai cair e seus custos vão aumentar, sobretudo os ligados à saúde – remédios, plano de saúde. É fundamental não olhar só o curto prazo. É claro que em algumas situações é mais complicado juntar dinheiro, por exemplo, para um estudante, ou um casal com dois filhos na escola. Mas não se pode pensar em só pagar as contas como meta financeira. Além de pensar a longo prazo, o planejamento também é importante para o presente, para que as pessoas saibam como alocar os seus recursos de modo a garantir o seu bem-estar hoje, a sua felicidade.
Idec: O termo "investimento" ainda assusta as pessoas. Parece que ele só é viável para quem já tem dinheiro. Quais são as principais dicas para quem nunca investiu?
SD: Sugiro que as pessoas comecem a entender os instrumentos. Hoje em dia, na internet, há muita informação disponível de fontes confiáveis e de forma gratuita. O investimento mais frequente ainda é a caderneta de poupança, mas ela é o pior que se pode fazer. Inclusive, em épocas em que a inflação está alta, como agora, a caderneta não recupera nem o poder de compra. Há instrumentos muito bons e de risco relativamente baixo, como os CDBs [Certificado de Crédito Bancário], linha de crédito imobiliário, linha de crédito agrícola, os diversos títulos do Tesouro Nacional. O investimento pode ser visto como um casamento: antes de casar, você paquera, namora etc.
Idec: O rotativo do cartão de crédito e o cheque especial são as modalidades mais caras de crédito, com taxas de juros que chegam a 200% ao ano, mas também são as mais utilizadas. Por que as pessoas continuam caindo nessas "armadilhas"?
SD: Há dois fatores. Um deles é técnico: as pessoas não conhecem a taxa [de juros] ou não sabem o seu efeito sobre o dinheiro. Para dar um exemplo, se você ficar devendo R$ 2 mil no cartão, em cinco anos a dívida será de R$ 1 milhão. As pessoas não têm noção do quão rápido a dívida se multiplica. O segundo motivo é que se trata de um crédito pré-aprovado, não precisa fazer nada para usar, e as pessoas acabam agindo por impulso.
Idec: Em alguns países, o consumidor pode "declarar falência" e obter mecanismos jurídicos para negociar sua dívida. Você acha que o Brasil deveria adotar algo parecido?
SD: Acho que não. Acredito que um excesso de proteção ao devedor faria com o que o risco aos bancos aumentasse e justificaria taxas [de juros] ainda mais caras. Eu sou a favor do livre mercado. A negociação tem de ser livre. O banco tem interesse em receber, mas vai ter de flexibilizar as regras quando há inadimplência. E isso já ocorre no Brasil. Acho que as pessoas não têm muita informação sobre o quanto o banco dá de desconto, ou quando uma taxa é abusiva, então não sabemos se o consumidor está fazendo uma boa negociação.
Idec: Você comentou sobre a redução da renda entre os idosos, grupo da população que vem crescendo no Brasil. Como se preparar para ter uma vida financeira equilibrada nessa fase da vida? A previdência privada é um bom negócio?
SD: Quanto antes começar a pensar no futuro, melhor, pois há incidência de juros sobre juros [no investimento] e o tempo corre a seu favor. Além disso, é importante analisar qual é o instrumento mais adequado a depender da sua fase da vida. Por exemplo, o Tesouro Direto tem um título, o NTN-B, que é atrelado ao IPCA [Índice de Preços ao Consumidor Amplo]. Ele é fantástico porque paga uma percentagem, que hoje está em torno de 5,5% ao ano, mais a inflação. Isso em dez, vinte anos, é bem interessante.
Em relação à previdência privada, ela é um grande perigo. Via de regra, entre os casos que já estudei, as taxas aplicadas são muito altas, então o benefício fiscal não compensa. Na maioria dos casos, é melhor fazer por conta própria.
Idec: Quais são os principais mitos do planejamento financeiro – ideias que são muito disseminadas, mas não são verdadeiras?
SD: O primeiro é relacionado a investimento a longo prazo, em que a bolsa [de valores] é muito disseminada como boa opção. Não sei como vai ser o futuro, mas, no passado, a bolsa foi mal. Fiz simulações de pessoas que ficaram dez anos na bolsa, com mais de duas mil combinações, e, na maioria das vezes, a renda fixa vai melhor. Outro mito são os títulos de capitalização, que são um péssimo negócio. O consórcio é outro exemplo; ele até pode ser considerado um investimento, mas paga-se por algo que poderia ser feito por conta própria, o que o torna bastante desinteressante. Existe também o mito em relação à previdência privada, de que já falamos, que as pessoas acham que só porque tem incentivo fiscal é bom. Também no plano de investimento, as pessoas têm a falsa impressão de que imóvel é um ótimo negócio, que os preços vão subir infinitamente, e isso é mentira. Muita gente compra imóvel e aluga, mas o rendimento do aluguel sequer paga a inflação.
IIdec: Para conter a crise econômica internacional, desde 2008 o governo vem estimulando o crédito e o consumo interno. Esse modelo tem se mostrado eficiente e sustentável?
SD: Em 2008, particularmente, foi interessante [a estratégia] porque o Brasil conseguiu sofrer menos com a crise. Mas em 2009, 2010 e até agora, o governo continuou insistindo nesse mesmo instrumento, é como se continuasse fazendo uma piada que não tem mais graça. O que acontece é que esse incentivo ao consumo está gerando não só um número assustador de inadimplência, mas também tem deixado a economia estagnada. A última previsão era de que a economia deve crescer só 0,2% [este ano], e há inflação, porque tem pressão de consumo.
Idec: O Brasil viveu recentemente um aumento explosivo dos preços dos imóveis. De uns meses para cá, eles começam a baixar. Já dá para voltar a pensar em comprar?
SD: Os preços caíram, mas ainda estão altos. Os imóveis são financiados em 28 anos, em média. O alongamento da dívida ajudou a aumentar os preços. Vou dar um exemplo: antes, a pessoa conseguia pagar uma parcela de R$ 2 mil. Ela financiava um apartamento em 10 anos, que valia R$ 100 mil. Agora, ela continua pagando R$ 2 mil de parcela, mas em 30 anos, para pagar R$ 800 mil pelo mesmo apartamento. Acredito que os preços vão continuar caindo. Então, para quem quer comprar, melhor esperar mais um pouco. Em vez de ficar pagando juros, vai juntando o dinheiro. Até porque, com dinheiro na mão, sempre se conseguem melhores condições.
Idec: Alguns analistas dizem que o brasileiro valoriza excessivamente a ideia de "casa própria" e que pagar aluguel as vezes é melhor. Você concorda?
SD: Acho que o brasileiro supervaloriza imóvel como investimento. Esse conceito vem da época da superinflação, quando comprar qualquer coisa era melhor do que ficar com o dinheiro na mão. Hoje é diferente. A valorização dos imóveis nos últimos cinco anos foi fantástica, mas nos últimos 30 foi uma porcaria. As pessoas vão muito no papo de corretor de que a valorização é eterna, mas há depreciação. A diferença de preço entre um imóvel novo e um de 30 anos na mesma rua é enorme.
Contudo, quando o imóvel é para moradia, é diferente, é um sonho. O imóvel para moradia é um bem de consumo e tem um valor por isso. Mas hoje o preço está fora da realidade.
SAIBA MAIS
• Veja mais informações sobre como planejar seu orçamento na matéria publicada na edição nº 172 (acesse: http://goo.gl/nenKkh); e sobre as principais opções de investimento na reportagem publicada na edição nº 190 (acesse: http://goo.gl/iKW5Xt).
• Faça o download da planilha de orçamento doméstico elaborada pelo Idec. Acesse: http://goo.gl/OVrQb7