Afasta de mim esse cigarro
Pouquíssimos fumantes conseguem largar o vício por conta própria, por isso é importante buscar tratamento. Saiba quais são os caminhos para parar de fumar
Em meados de julho, morreu um dos grandes escritores brasileiros, João Ubaldo Ribeiro, levado pela embolia pulmonar. Em uma das últimas internações, por sua dificuldade em respirar, o médico recomendou: João Ubaldo precisava largar o cigarro de vez. Mas, para quem fumou desde a adolescência até ali, aos 73 anos de idade, não era uma tarefa fácil, como o próprio admitira. “É um esforço terrível”, registrou na Rádio Pulmão Bom, do Centro de Apoio ao Tabagista do pneumologista ativista Alexandre Milagres, do Rio de Janeiro (RJ).
O escritor integra, assim, o índice de 200 mil mortes anuais no Brasil decorrentes dos males causados pelo tabagismo, que incluem cerca de 50 doenças, entre elas vários tipos de câncer, doenças cardiovasculares, doença pulmonar obstrutiva crônica e acidente vascular cerebral (AVC). No mundo, é considerado a segunda causa de morte pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com 5,6 milhões de óbitos anuais. Só perde para a hipertensão.
Para encarar a dura jornada para deixar o tabaco de lado, o fumante no Brasil pode recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS), cujo Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) apresenta hoje 23 mil equipes em 4,3 mil municípios brasileiros, segundo o Ministério da Saúde. O tratamento contempla apoio psicológico e terapia, além de medicamentos que incluem adesivos, pastilhas e gomas de mascar com nicotina, e o antidepressivo bupropiona.
A dona de casa Iraci Tavares, 59 anos, de São Paulo (SP), tem asma e está tentando largar o cigarro pela primeira vez. Ela fuma há 40 anos. Com problemas em casa, o cigarro lhe serve de “consolo”. “Sempre que passo nervoso, eu fumo”, conta. Desde julho, está no tratamento oferecido pelo Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), onde participa de reuniões periódicas. A dona de casa também utiliza a goma de mascar com nicotina e o bupropiona. “O remédio dá um pouco de enjoo e deixa a boca amarga”, diz Tavares. “Não dá vontade de fumar.”
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), órgão do governo federal responsável pelo PNCT, somente 3% dos fumantes conseguem largar o cigarro por conta própria. E, mesmo com apoio especializado, somente 40% a 45% das pessoas que tentam parar de fumar atingem seu objetivo, segundo Ricardo Meirelles, pneumologista da Divisão de Controle do Tabagismo do Inca. São necessárias várias tentativas.
“As pessoas têm muita dificuldade e abandonam o tratamento”, afirma o médico. No início, a recaída acontece por causa da abstinência de nicotina, que dá irritação e tontura. Mas passa, depois de duas a três semanas. Posteriormente, a reincidência acontece sobretudo por fatores emocionais – por exemplo, diante de um momento difícil. “Sempre recomendamos que o fumante volte ao tratamento”, diz Ricardo Meirelles. “Parar de fumar é querer. Não há fórmula mágica.”
E abandonar o vício pode se tornar cada vez mais difícil. Um relatório divulgado pela Associação de Controle do Tabagismo (ACTBr) em 29 de agosto, Dia Nacional de Combate ao Fumo, informa que a indústria tem modificado seu produto de modo a intensificar o poder viciante do cigarro. Para isso, está elevando seus níveis de nicotina, adicionando amônia (que aumenta a velocidade em que a nicotina atinge o cérebro) e açúcares (que, de acordo com o documento, aumentam a dependência e facilitam a inalação da fumaça).
- Segundo os médicos e a OMS, pouquíssimos fumantes largam o cigarro por conta própria. Por isso, é importante buscar tratamento. Procure pela Secretaria de Saúde do seu município.
- Entenda o papel do cigarro na sua vida e enxergue-o como um grande problema.
- Marque uma data para jogar o maço fora. Caso você fume muitos cigarros por dia, diminua gradualmente até completar uma semana.
- Quando der fissura, ocupe-se por cinco minutos: beba água ou masque um chiclete, por exemplo. É o tempo de a fissura passar.
- Evite café ou bebida alcoólica, se eles atraem o cigarro.
- No tratamento oferecido pelo SUS, há apoio psicológico em reuniões periódicas e o uso de repositores de nicotina ou antidepressivo, conforme a necessidade.
- Outro medicamento disponível no mercado é a vareniclina, que alivia o desejo e reduz os sintomas da retirada da nicotina. Vale ressaltar que seu uso, assim como o de qualquer fármaco, traz efeitos colaterais e deve ser orientado por um médico.
AVANÇO NA LEGISLAÇÃO
Uma boa notícia é que a Lei Antifumo (12.546/2011) finalmente foi regulamentada pelo Ministério da Saúde e, a partir de 2 de dezembro, será proibido fumar em locais públicos fechados em todo o país – assim como já acontece em alguns estados, por conta de leis próprias. Assim, só se poderá fumar em casa ou ao ar livre – seja cigarro (inclusive o eletrônico), cigarrilha, charuto, cachimbo ou narguilé. “O objetivo principal da proibição”, explica Ricardo Meirelles, do Inca, “é proteger os não fumantes, que podem adoecer e morrer por doenças relacionadas ao tabaco alheio”. A lei também proíbe propaganda comercial de cigarros nos pontos de venda.
Porém, a fim de se buscar a redução do tabagismo e suas consequências, ainda será preciso avançar mais. “Quando o país evolui na política antifumo, proíbe o uso do tabaco mesmo em área aberta, como em algumas cidades no Canadá”, afirma a cardiologista Jaqueline Issa, coordenadora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Incor. Na Argentina e na Espanha, também existem restrições para o uso do cigarro em ambientes públicos ao ar livre, como ruas, parques e praias.
Um dos temas mais criticados por médicos e ativistas no combate ao tabagismo diz respeito ao ponto de venda do cigarro. “O cigarro fica ao lado do chocolate na padaria”, afirma Issa. “É preciso dificultar o acesso ao produto, pois trata-se de uma droga psicoativa.” Para a diretora-executiva da ACTBr, Paula Johns, os cigarros não deveriam ficar expostos, mas sim num armário fechado. “É assim na Noruega, na Tailândia e na maioria das províncias canadenses.”
CIGARRO ELETRÔNICO: ALIADO OU INIMIGO?
O cigarro eletrônico é propagado como uma das opções para parar de fumar. No entanto, há muitas controvérsias sobre a sua segurança. Além da nicotina, com seu alto poder viciante, o cigarro eletrônico também possui inúmeras substâncias cancerígenas que estão presentes no cigarro comum – formaldeído, benzeno e nitrosamina NNK e NNN, por exemplo. Assim como no caso do narguilé, que já foi encarado como inócuo, o aparato eletrônico representa o perigo de que mais pessoas se tornem viciadas na nicotina, com todos os seus efeitos deletérios.
Por todos esses motivos, sua comercialização e importação são proibidas no Brasil desde 2009, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas o produto tem se espalhado no país por meio de contrabando, em locais como a rua 25 de Março, em São Paulo, ou pela internet. Também há consumidores que trazem o aparelho quando voltam de viagem a países como os EUA, onde o cigarro eletrônico ainda é liberado. “O Brasil proibiu, mas ainda precisa discutir esse assunto”, diz Paula Johns.