Dando nó em pingo d'água
A escassez de água em São Paulo não dá sinais de ceder. Entenda as suas causas e conheça medidas importantes para enfrentar o problema
Se falta água nas torneiras de São Paulo e de outras cidades do país, parte da culpa não é da escassez, e sim da abundância. A ideia de que temos riqueza hídrica colaborou para o desperdício, agravando a crise dos últimos meses.
Longe de estar disponível para todos, a água é mal distribuída no Brasil. "No Sudeste, há 120 milhões de pessoas e concentração da atividade econômica, mas apenas 13% da água disponível. É onde deveria haver mais obras estruturais e melhor gestão da demanda", afirma Artur Orelli Paiva, analista de conservação do Programa Água para a Vida da organização WWF-Brasil. Na prática, isso significa se preparar para um aumento no número de consumidores e estimular um consumo responsável do recurso.
Para Orelli, a estiagem apenas mostrou mais rápido onde estão os problemas. "Entre 2004 e 2013, na região metropolitana de São Paulo, a demanda cresceu 26% e a oferta, apenas 9%. Alguma crise iria acontecer. Há 70 anos não havia uma estiagem desse porte."
O consumo doméstico é a parte mais visível desse panorama, mas a falta de água deve trazer outras consequências, como aumento na conta de energia elétrica. Dalberto Adulis, do Instituto Akatu, lembra que as distribuidoras estão tendo de comprar energia de termelétricas, e esse custo será repassado ao consumidor. "Hoje, 60% de nossa matriz energética é hidrelétrica, então a falta de água já está gerando déficit em energia limpa. Mais para frente, pode acontecer restrição em outros recursos, com racionamento de energia também."
As obras anunciadas para gerenciar a crise são necessárias, mas já estão atrasadas. "Atualmente, 45% da água que abastece a Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo] é do Sistema Cantareira", diz Orelli. Outras medidas fundamentais seriam a preservação de nascentes, que não têm programas sólidos, e a conscientização permanente da população. "As obras resolvem o problema até a próxima seca, que vai virar a próxima crise. Temos 200 mil pessoas por ano a mais em São Paulo, então é preciso educar os usuários", afirma. "Não dá para confiar em São Pedro todos os anos."
Outro buraco por onde escoa água é o sistema de distribuição. "A perda é de 36% em tubulações velhas e mal preservadas. A lógica do abastecimento como vigora hoje tem lucro em cima de consumo, e deveria ser o contrário, pela eficiência. Os acionistas recebem cada vez mais com o desperdício, e a Sabesp é uma das quatro maiores companhias do mundo em número de atendimento de pessoas. É o momento de questionar se esse é o modelo que a população merece, ou se deve ser mudado radicalmente", diz Orelli, do WWF.
RACIONAMENTO DISFARÇADO?
Uma pesquisa realizada pelo Datafolha e divulgada em meados de agosto apontou que 46% dos paulistanos dizem ter sofrido interrupção no fornecimento de água nos últimos 30 dias. Embora os relatos de falta d'água em diversos bairros da capital e da Grande São Paulo não parem de crescer, até o fechamento desta edição, o governo do Estado não havia decretado racionamento. "Não tem mais como esconder o problema: cidades como Guarulhos já estão em racionamento, 19 municípios paulistas já têm rodízio. O racionamento oficial é uma forma mais transparente de tratar as pessoas. Sem formalizá-lo, elas não sabem quando vão abrir a torneira e ter água", diz Claudia Pontes Almeida, advogada do Idec.
No fim de julho, o Instituto enviou à Agência Reguladora do Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) centenas de relatos de interrupção do fornecimento do serviço registrados por internautas por meio da campanha Tô sem água. Junto com os dados, foi uma carta pedindo explicações à agência reguladora.
No fim de agosto, a Arsesp finalmente respondeu: disse que está apurando as reclamações de falta d'água que chegam ao órgão por meio do serviço de atendimento ao usuário e utilizando os dados encaminhados pelo Idec para a fiscalização. "Tendo em vista o aumento do número de reclamações por falta de água na região metropolitana nos últimos dois meses, a agência está adotando algumas medidas para avaliar a prestação dos serviços da Sabesp", diz a nota. A Arsesp informa que solicitou dados técnicos à companhia para avaliar se há inconformidade no abastecimento e reforça que a fiscalização está em andamento, por isso ainda não tem um posicionamento sobre quais medidas serão adotadas.
ACABOU A ÁGUA, E AGORA?
Para o Idec, enquanto o racionamento não for decretado, a prestadora de serviços é responsável por reparar os danos causados ao consumidor pela falta d'água. "A lei não estipula um prazo para que o fornecimento volte, mas nem deveria faltar, de acordo com o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, já que a água é um serviço essencial", explica Almeida.
Se a torneira de sua casa secar, a recomendação é reportar à Sabesp (ou à concessionária de sua região), até porque pode ser um problema de manutenção no sistema ou de falta de pressão em regiões mais altas. Se não houver solução em 24 horas, é recomendável fazer uma denúncia à Arsesp ou entrar com uma ação no Juizado Especial da Fazenda Pública (Jefaz) contra o governo estadual e pedir medida cautelar que garanta o restabelecimento imediato de água. A advogada sugere, ainda, que os consumidores se reúnam em associações de bairro para cobrar a regularização do serviço.
Vale lembrar que se o racionamento ou rodízio for oficialmente declarado, interromper o abastacimento por um ou dois dias deixa de ser ilegal. Nesse caso, é importante reservar água potável para beber, cozinhar e tomar banho. Uma alternativa emergencial é comprar água de caminhões-pipa de forma particular. Se optar por essa alternativa, procure por um serviço certificado pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) e pela Vigilância Sanitária. A água dos caminhões vem de poços outorgados (a Agência Nacional de Águas emite a autorização do uso de determinado recurso hídrico) e deve vir acompanhada de laudo técnico atestando a sua qualidade.
A oferta de água via caminhão-pipa também pode fazer parte do plano de contingência apresentado pela concessionária, caso a situação de emergência seja oficialmente assumida. Nessa hipótese, a Arsesp é responsável por fiscalizar o serviço, assim como outras medidas eventualmente tomadas.
Como economizar na prática
Nesse momento de crise, especialmente, o cidadão não pode fugir de sua responsabilidade: é preciso colocar em prática as velhas dicas para economizar água. "É importante acabar com vazamentos no encanamento e reduzir o consumo na rotina: tomar banhos mais curtos, otimizar o uso da máquina de lavar, coletar água da chuva para lavar pisos, carros e irrigar plantas etc.", recomenda Renata Amaral, engenheira ambiental e pesquisadora do Idec em consumo sustentável.
Ela ressalva que algumas soluções paliativas, como substituir louça por descartáveis, podem parecer atraentes do ponto de vista da economia de água, mas causam um estrago muito maior. "É preciso considerar o ciclo de vida do produto, não só o momento de uso. O descartável vem do petróleo, é transportado com um gasto energético altíssimo, gera lixo. Ou seja, não é uma solução", diz Amaral.
Veja, a seguir, algumas sugestões para economizar água no dia a dia
• Reformas superficiais podem garantir muita economia. Dá para substituir a descarga tradicional por registros com dois botões sem quebrar paredes e assim adequar o volume de água para dejetos sólidos e líquidos.
• Quem tem descarga com caixa acoplada pode colocar uma garrafa pet cheia de água dentro da caixa – o truque diminui dois litros dos seis a oito utilizados a cada acionamento.
• Nas torneiras, um adaptador de vazão simples e barato reduz o fluxo de água, ideia que também pode ser aplicada trocando os esguichos de mangueira por modelos que tornam o consumo mais eficiente.
• Para reduzir o gasto no banho, é possível optar por chuveiros econômicos, de menor vazão, que usam um volume de água menor, e, ainda, utilizar temporizadores para avisar que o tempo do banho está acabando.
• Em condomínios, o ideal é individualizar o consumo com medidores por apartamento.
Desde fevereiro, os consumidores paulistas abastecidos pelo Sistema Cantareira que economizarem água podem ter 30% de desconto em sua conta. O abatimento, instituído pela Sabesp diante da crise, vale para quem reduzir 20% de seu consumo médio. Para entender melhor a proposta, veja mais informações no site do Idec: http://goo.gl/i1Bq1f