As empresas e as eleições
A menos de um mês das eleições, as campanhas políticas estão a todo vapor. É quase impossível ligar a TV ou o rádio por cinco minutos e não ouvir pelo menos uma vinheta de um candidato, ou sair na rua e não deparar com cartazes de divulgação. Os investimentos para atrair a atenção e o voto do eleitor, claro, têm um custo — e ele é bem alto. Em 2010, o gasto médio de uma campanha de governador foi de R$ 23 milhões!
Grande parte dessas despesas são custeadas com doações feitas por empresas, o que levanta a discussão sobre os impactos dessa interferência econômica na atuação dos eleitos. Para comentar o assunto, entrevistamos Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da organização Transparência Brasil, que atua no combate à corrupção.
Um dos maiores especialistas sobre o assunto, Abramo discorda que proibir o financiamento reduziria a interferência das empresas no sistema político — como defende uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil, que começou a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e foi interrompida por pedido de vistas. Para ele, a solução está em limitar essas doações. Confira, a seguir, a sua análise.
Idec: O financiamento de campanhas eleitorais por empresas interfere na atuação dos parlamentares e governantes eleitos? De que maneira?
CLAUDIO WEBER ABRAMO: Em qualquer país do mundo, o capital procura exercer influência sobre a política e as decisões dos agentes públicos. Uma das formas que as empresas encontram de fazer isso é financiando campanha eleitoral. Como essa é uma "influência indevida", do ponto de vista genérico, todo país civilizado possui uma regra que procura reduzir a influência do capital, seja estabelecendo limite para essas doações, seja proibindo as doações por empresas. Porém, não existe nenhum lugar em que a proibição de doações por empresas funcione, porque se há proibição, as empresas e os agentes políticos procuram uma forma de desviar-se dela e a encontram. É mais eficiente estabelecer limites para doar até certa quantidade de dinheiro.
Idec: Esses limites existem na legislação brasileira?
CWA: Existem, mas eles não servem para limitar de fato. O limite é de 2% do faturamento do ano anterior, mas, para as grandes empresas, esse teto representa uma quantia imensa de dinheiro. Grandes empresas como a JBS [frigorífico dono da marca Friboi], as grandes empreiteiras e os bancos doam R$ 100 milhões numa boa e isso não chega nem perto dos tais 2%. Então, uma das medidas que a Transparência Brasil tem defendido é estabelecer um limite absoluto nacional e um limite regional, pois as regiões são muito diferentes em termos de riqueza. Se uma empresa doa R$ 1 milhão no Amapá, o efeito é muito maior do que o mesmo valor no Estado de São Paulo.
Isso é muito mais eficiente do que proibir, pois se não puderem doar legalmente, as empresas vão doar ilegalmente. Além disso, se for acabar com a doação de empresas, tem de acabar também com a de pessoas físicas, se não o sujeito rico compra a eleição.
Idec: O financiamento exclusivamente público é viável?
CWA: A adoção de um financiamento exclusivamente público coloca o problema de como o dinheiro será distribuído para as campanhas. Teria que dar dinheiro para os partidos, não para os candidatos individualmente, pois ficaria impossível de administrar. Sendo para os partidos, seria preciso adotar uma forma de votação diferente da atual, não mais em candidatos, mas em lista fechada. O eleitor passaria a votar no partido tal, que tem uma lista de candidatos. Nesse caso, o partido naturalmente vai colocar no topo da lista aqueles que já foram eleitos, de modo que, se o partido recebe votos, os candidatos que estão no topo da lista são reeleitos e só depois entram os do fim da lista. Isso é motivo suficiente para que os políticos não aceitem nunca essa proposta.
Idec: Levantamentos da Transparência Brasil apontam que poucas empresas doam grande parte do valor arrecadado nas campanhas. Quais são as consequências dessa concentração?
CWA: Na campanha da Dilma em 2010, por exemplo, cerca de 60% do financiamento veio de apenas 30 empresas. O resto foi distribuído entre milhares de pequenos doadores. A principal consequência dessa disparidade é que ela aumenta a força de influência individual dos grandes doadores sobre os eleitos, que é o grande problema. Estabelecer um limite efetivo para as doações também ajuda a reduzir essa concentração.
Idec: É possível identificar de maneira clara essa influência? Quer dizer, apontar uma relação direta entre um doador e a atuação de um parlamentar na defesa de seus interesses políticos e econômicos?
CWA: O motivo pelo qual as doações eleitorais são exibidas publicamente é exatamente para se permitir fazer essa verificação. Mas é difícil detectar essa influência diretamente. Uma alegação frequente é que o financiador eleitoral tende a ser favorecido nas contratações públicas. Isso não acontece. Pelo menos no Estado de Santa Catarina, onde fizemos um estudo de todas as contratações de todos os municípios durante muitos anos, não houve correlação.
O que ocorre é que há influências menos visíveis: projetos de lei que favorecem um setor econômico, que são votados por votos de liderança etc. Dessa forma, é muito difícil estabelecer a relação entre o doador eleitoral e a votação. Não dá para apontar o dedo e falar: essa votação aqui tem o dedo de tal empresa.
Idec: A maioria dos ministros do STF já sinalizou a favor da tese de que o financiamento de campanhas eleitorais por empresas é inconstitucional. Quais serão as consequências dessa provável proibição?
CWA: Não há dúvidas de que isso vai passar porque já tem maioria de votos. O que vai acontecer quando o STF considerar inconstitucional que empresas financiem eleições é que 15 minutos depois o Congresso vai tornar constitucional. A decisão do Supremo será vazia. A única vantagem desse julgamento é estimular um debate mais concreto a respeito do assunto.
Idec: O senhor já defendeu a regulamentação do lobby das empresas e outras entidades junto aos políticos. Quais seriam as principais regras e como isso melhoraria o funcionamento do sistema político?
CWA: A regulamentação do lobby exige o registro dos interesses: o registro dos intermediários, quem é que representa quais interesses, e o registro dos contatos feitos entre o lobista e o político. A sua finalidade é propiciar uma maior visibilidade sobre esse exercício de influência. Uma ONG pode ir ao Congresso querer influenciar políticos, seja para aprovar a defesa de homossexuais, seja para tratar de planos de saúde etc. Qualquer um é lobista e vira um caos, porque há os interesses legítimos e os escusos no meio. Se há regulamentação, exige-se que a representação de interesses seja registrada e possa ser acompanhada.
Idec: Está em discussão no Congresso uma proposta de reforma política. Quais são as mudanças necessárias para de fato combater as deficiências do sistema político?
CWA: Existe uma medida que precisa ser tomada para melhorar a representação política – porque o problema da política brasileira é que os eleitos mal representam os eleitores. E o principal motivo para isso é que os partidos são comprados pelo Executivo via doação de cargos na administração, nos planos federal, estadual e municipal. É o chamado loteamento de cargos. Como funciona: o chefe do Executivo, após eleito, chama alguns partidos e diz assim: "Eu quero que vocês não me encham o saco, que aprovem o que eu quiser, não me fiscalizem. Em troca, você tem a agência de não sei o quê, você o Ministério da Saúde, a secretaria tal, a subprefeitura, o serviço funerário". Assim, o sujeito eleito tem muito mais compromisso com a manutenção daquele cargo do que com o eleitor. E o problema é que os eleitores desse deputado ou vereador têm muita debilidade em cobrar o comportamento dele, então o sujeito não deve nada a ninguém.
Dessa forma, o loteamento do Estado é um fortíssimo indutor desse descompromisso do político com o eleitor, porque ele vende o seu mandato. É um poderoso indutor também do atraso administrativo, da inexistência de efetivos mecanismos de carreira no funcionalismo público.
Idec: Como se resolve essa questão?
CWA: É preciso emendar a Constituição, que não estabelece limite para as nomeações. No plano constitucional, é fácil resolver, daí para frente é bem difícil. Além de limitar as nomeações, é preciso tomar muitas medidas administrativas para fortalecer a capacidade do funcionalismo cumprir sua função, como a adoção de mecanismos de promoção por mérito. Os cargos de chefia devem ser ocupados por concurso interno, por evolução natural de carreira administrativa. Essa é a parte difícil de conseguir.
O que vem sendo discutido na proposta de reforma política não passa por essa discussão. Só se fala de financiamento eleitoral. Quando se menciona a questão das nomeações, dizem que é um problema administrativo. Não é: é um problema político gravíssimo, que tem um impacto profundo no sistema.
Idec: Estas serão as primeiras eleições majoritárias com a Lei da Ficha Limpa em vigor. Quais serão os seus impactos?
CWA: Uma lei desse tipo é necessária no Brasil porque a Justiça não funciona. Em nenhum país do mundo, um sujeito que é condenado em segunda instância pode se candidatar porque ele está cumprindo pena, então perde os direitos políticos. Como aqui o cara não vai para a cadeia, é preciso impedir que ele se candidate.
Um equívoco comum que tenho visto é que as pessoas comentam: "fulano de tal tem ficha suja, como é que ele é candidato?" Ele é candidato porque apresenta o seu pedido de registro junto ao TRE [Tribunal Regional Eleitoral] de seu estado. Aí, alguém, que pode ser o Ministério Público Eleitoral ou o partido opositor, apresenta um pedido para impugnar a sua candidatura porque ele tem ficha suja. O TRE julga o caso e pode prover ou não o recurso. Se não der provimento, o cara é candidato, apesar de 95% da cidade achar que ele não deveria ser. É possível que o MP recorra da decisão do TRE para o TSE [Tribunal Superior Eleitoral], que, novamente, pode ou não dar provimento. Ou seja, quem vai decidir se o sujeito pode ou não ser candidato é a Justiça.