Novas regras em vigor
Começaram a valer em julho várias novas condições para os serviços de telecomunicações, em resposta às queixas dos consumidores. O regulamento padroniza regras e tenta mudar práticas ruins das empresas, mas ainda precisa de ajustes
O consumidor pede para cancelar sua TV por assinatura e a ligação cai; vê uma promoção de um plano de banda larga e descobre que ela só vale para quem ainda não é cliente; paga por ligações que não fez e sofre para receber o dinheiro de volta. De tão comuns, essas situações com os serviços de telecomunicações viraram piadas fáceis em vídeos de humor na internet. Na "vida real", no entanto, o consumidor vê bem menos graça na difícil relação com as operadoras.
Para tentar melhorar a qualidade do atendimento e a transparência com o consumidor, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou este ano o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor, com mudanças em todos os serviços do setor. Parte importante das regras já começou a valer dia 8 de julho; outras, entram em vigor entre novembro deste ano e março de 2016.
Apesar de ainda precisar de alguns ajustes, a iniciativa é bem vista pelo Idec. "O regulamento disciplina de maneira mais uniforme os serviços, cria normas para a contratação conjunta [os chamados combos] e tenta mudar práticas negativas das empresas", destaca Veridiana Alimonti, advogada do Instituto.
Segundo a Anatel e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), as regras foram construídas com base nas reclamações dos consumidores recebidas pela agência e pelos Procons. Além disso, elas foram discutidas no Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de Telecomunicações (CDUST) da Anatel, instância da qual o Idec faz parte como representante do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor.
Dessa forma, os órgãos afirmam que o regulamento é uma resposta às demandas dos usuários. Um exemplo é a tentativa de diminuir as reclamações de cobrança indevida – a campeã do setor. Essa queixa, muitas vezes, tem origem na falta de informação e não em erros de faturamento. Assim, uma das maneiras pela qual o regulamento tenta atacar o problema é exigindo mais clareza nas ofertas.
(Atenção, algumas regras estão suspensas por uma liminar, mais informações aqui.)
PRINCIPAIS PROGRESSOS
O regulamento avança ao definir regras comuns para os principais serviços regulados pela agência (banda larga, TV por assinatura e telefonias fixa e móvel), incluindo condições específicas para os combos. Antes, só havia normas de oferta conjunta previstas no regulamento de TV por assinatura e cada serviço tinha um regulamento próprio, alguns mantidos em parte mesmo com a nova regulação. "Claro que cada serviço tem características específicas, mas em um cenário de convergência, com celular acessando internet e TV, por exemplo, a Anatel precisava unificar algumas regras", avalia a advogada do Idec.
O prazo para questionar cobranças, por exemplo, era diferente ou omisso entre os serviços, chegando no máximo a quatro meses. Agora, o cliente tem três anos para reclamar de qualquer um, tempo que é determinado pelo Código Civil.
Entre as regras que tentam mudar as práticas das operadoras, está a obrigação de refazer as ligações que caírem com o call center. Nesse caso, a empresa deve ligar de volta para continuar a conversa, acelerando a resolução de problemas. Para facilitar o acompanhamento dos pedidos, as operadoras vão ter de enviar o protocolo dos atendimentos via mensagem de texto ou e-mail – regra que antes valia só para a telefonia celular.
A previsão de cancelamento automático dos serviços também merece destaque. Uma opção no menu eletrônico deve permitir a solicitação sem contato com atendentes. No entanto, a efetivação do cancelamento só ocorre depois do contato da operadora, em até dois dias, para confirmar dados – o que dá espaço para a conhecida "canseira" para convencer o cliente a ficar. "Ou seja, a efetividade dessa regra vai depender do comportamento das operadoras e de fiscalização", ressalta Alimonti.
As empresas agora têm um prazo de 30 dias para responder a contestações de cobranças. Após esse período, devem emitir uma nova fatura ou devolver em dobro o dinheiro pago. Antes, o cliente já tinha direito de pedir uma nova fatura e ter a devolução em dobro do que pagou indevidamente, a diferença é que a obrigação agora é "automática". Com isso, a falta de resposta passa a ter "consequência imediata para as empresas", como aponta a advogada do Idec. O diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), ligado à Senacon, Amaury Oliva, ressalta, ainda, que a medida dá autonomia ao consumidor e deve reduzir a busca pelos Procons por problemas de cobrança indevida.
Outra mudança relevante é que o regulamento também determina que as promoções têm de ser válidas para todos os clientes, não apenas para os novos, como era comum.
AINDA NÃO RESOLVEU
Embora o regulamento tenha acabado de entrar em vigor, já de início, algumas das novas normas deixam a desejar. Uma das principais críticas do Idec é sobre o limite do preço unitário de serviços em comparação ao combo. O novo regulamento diz que o plano avulso de qualquer serviço não pode ser mais caro do que o combo mais barato que contenha aquele plano. Para o Idec, a regra, além de complicada, pode não resolver o problema. "O regulamento ainda mantém uma grande margem de manobra para a empresa fazer o consumidor contratar o combo mesmo que não tenha interesse", diz Alimonti.
A Anatel justifica que os preços dos serviços de telecomunicações são livres – com exceção da telefonia fixa – e que o objetivo das regras foi evitar venda casada disfarçada. "Os preços dos pacotes são competitivos e entendemos que o mercado pode ajustar os valores para preços razoáveis", diz Elisa Vieira Leonel, superintendente de relações com consumidores da agência.
Para o diretor do DPDC, "é claro que o valor do serviço unitário tem de ser sempre menor que o do combo", se não, o consumidor pode ser induzido a levar o pacote de forma desleal. Na opinião de Oliva, a limitação de valores deve ser reforçada por outra regra prevista no regulamento: a obrigatoriedade de os valores do combo e dos serviços avulsos serem informados na hora da contratação.
Outra ressalva é a unificação do contrato do combo. Apesar de simplificar as regras, ela impede o cancelamento de um serviço só (ou seja, é preciso rescindir o pacote todo e contratar novamente os itens que quiser) e o pagamento de multa proporcional, caso exista fidelização – o que é muito comum nesse tipo de contratação. "Deveria ser permitido o cancelamento parcial do combo e a cobrança proporcional de multa referente apenas ao item desligado", opina a advogada do Idec. A Anatel ressalta que as condições de fidelização devem estar no contrato do combo. "O regulamento não cria uma regra de como o cálculo da multa deve ser feito, mas isso tem de estar explícito no contrato", explica a superintendente da agência.
Por fim, outra mudança que preocupa o Idec é que o pagamento de outros itens não relacionados aos serviços de telecomunicações pode ser incluído nas contas. Por exemplo, assinatura de revistas cobrada na mesma fatura do telefone. O regulamento diz que tem de haver autorização do cliente para isso, mas o Idec vê a medida com preocupação pelo fato de o setor já ter tantas queixas. "Não precisava ter essa brecha, isso pode ser porta de entrada para vários outros problemas de cobrança", critica Alimonti. A Senacon compartilha da apreensão e lembra que a operadora responde por quaisquer problemas ligados à cobrança, mesmo que por um serviço adicional. "Vemos com cautela [a previsão], ainda mais porque as reclamações de cobrança indevida muitas vezes estão relacionadas a serviços que o consumidor não autorizou", comenta Oliva.