Difícil de mudar
Implementada há seis anos, a portabilidade numérica ainda não é realizada adequadamente pelas operadoras de celular. Informações desencontradas e pedidos não concluídos foram alguns dos problemas detectados pelo Idec
Imagine que você seja dono de uma loja e que, certo dia, apareça um novo cliente interessado em comprar um produto, pois não está muito satisfeito com o concorrente. Tudo o que tem de fazer é atendê-lo bem, explicar os detalhes sobre o que pretende vender e, assim, cativá-lo de vez, certo? Bem, parece que as principais operadoras de celular do país não aprenderam essa lição básica de marketing.
O Idec testou como a Claro, a Oi, a Tim e a Vivo agem quando um consumidor pede portabilidade numérica – ou seja, pede para migrar de uma operadora para outra e manter o número de sua linha – e constatou que elas cometem uma série de falhas, principalmente no que diz respeito à informação ao usuário. Houve casos em que o pedido não foi efetivado, inclusive. "Ainda há problemas visíveis na realização da portabilidade, que é fundamental para a competitividade do setor e para garantir a liberdade de escolha do consumidor", declara Veridiana Alimonti, advogada do Idec e especialista em telecomunicações.
A portabilidade, válida tanto para a telefonia móvel quanto para a fixa, foi criada em 2007 pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por meio da Resolução no 460/2007, posteriormente alterada pela Resolução no 487/2007, e implementada em setembro de 2008. Ao longo de 2013, foram registrados 2.284.118 pedidos de portabilidade apenas de linhas de celular (pré e pós-pagas), de acordo com dados da consultoria Teleco.
Como a solicitação deve ser feita à empresa para a qual o consumidor deseja migrar, esperava-se que o atendimento fosse mais eficiente. Mas não é bem isso o que acontece. A dificuldade já começa na hora de fazer o pedido: com exceção da Vivo, a portabilidade só pode ser requerida presencialmente, numa loja da operadora, pois, segundo as empresas, o consumidor deve apresentar seus documentos de identificação e adquirir um novo chip. O curioso é que para adquirir uma linha pré-paga, são necessários os mesmos procedimentos, mas as operadoras vendem chips em qualquer esquina e ativam a linha por telefone mesmo. Veja, na página 16, um resumo dos principais erros cometidos por cada operadora durante a pesquisa.
A pesquisa, realizada durante o mês de março de 2014, foi dividida em duas etapas: na primeira, a pesquisadora do Idec consultou o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) das quatro maiores operadoras de telefonia móvel do país — Claro, Oi, Tim e Vivo — sobre as regras para a portabilidade; depois, foi a lojas próprias de cada uma solicitar o procedimento (de Vivo para Tim; de Oi para Claro; de Claro para Vivo; e de Tim para Oi).
Avaliou-se o atendimento fornecido pelos atendentes, considerando as regras estabelecidas pela Resolução nº 460/2007, alterada pela Resolução nº 487/2007, e a efetivação da portabilidade dentro do prazo regulamentar de três dias úteis.
Na segunda etapa, a pesquisadora foi a mais quatro lojas de cada operadora para pedir novas portabilidades e, depois, solicitou o cancelamento. O objetivo era verificar se as operadoras cancelam o pedido de portabilidade e se os créditos existentes no chip cujo número seria portado são mantidos após o cancelamento.
CONSUMIDOR MAL INFORMADO
Uma falha frequente durante a pesquisa foi o fornecimento de informações divergentes pelos funcionários do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) e por vendedores das lojas das operadoras sobre as regras da portabilidade. Como confiar se cada um fala uma coisa? "Esse é um ponto bastante fraco do setor: o consumidor nunca tem certeza absoluta de que a informação que acabou de receber é correta", critica Alimonti.
A primeira dúvida não esclarecida foi se, ao fazer a portabilidade de uma linha pré-paga, os créditos existentes seriam mantidos. A Claro disse que sim em uma ligação, e que não em outra. Na Tim, dois atendentes afirmaram que os créditos seriam transferidos automaticamente para a nova operadora. Na prática, porém, os créditos foram perdidos em todas as trocas.
O caso mais absurdo de informação inadequada ocorreu na Tim também. Em três lojas (duas próprias e uma revendedora), os funcionários disseram que não faziam portabilidade de linhas pré-pagas. Já o atendente do SAC afirmou que todas as lojas são obrigadas a fazer a portabilidade tanto de pré quanto de pós-pagos. Procurada, a Anatel disse o mesmo. "Ao tratar de forma diferenciada consumidores de pré e pós-pagos, a Tim viola os artigos 10, II, e 13, I, do regulamento da portabilidade, assim como o artigo 39, II, do Código de Defesa do Consumidor", informa a advogada do Idec.
As operadoras também deixaram de informar uma série de itens previstos no regulamento da portabilidade, como as condições do procedimento (como regras para cancelamento) e as condições do plano para o qual o consumidor vai migrar (custo das chamadas, por exemplo), além de nem sempre informar o número do protocolo da operação.
A Oi foi a única operadora que informou voluntariamente os custos das ligações do novo plano. No geral, os vendedores perguntavam qual era o perfil de gastos do usuário, mas não apresentavam a ele opções nem lhe davam a oportunidade de escolher. "O consumidor passa a utilizar um novo serviço sem conhecer as suas condições: valor das chamadas para a mesma operadora e para outras, do SMS, de eventual conexão à internet etc.", observa Alimonti.
As operadoras indicaram o prazo para a portabilidade ser efetivada. Porém, em pelo menos uma ocasião, todas elas disseram que o período poderia ser de até cinco dias úteis, enquanto, atualmente, o regulamento estabelece prazo máximo de três dias úteis. "O período de cinco dias foi aplicado no início da ativação comercial da portabilidade e foi transitório", explica a advogada.
CLARO:
Deu informações divergentes a respeito da manutenção dos créditos após a realização da portabilidade; após o cancelamento da portabilidade, parte dos créditos sumiu.
OI:
Não cumpriu o prazo para a efetivação da portabilidade; após o cancelamento da portabilidade, grande parte dos créditos sumiu.
TIM:
Três lojas recusaram a realização da portabilidade, alegando, indevidamente, que o procedimento não era feito para linhas pré-pagas; forneceu informações erradas a respeito do procedimento da portabilidade, obrigando a realização de um novo pedido; após o cancelamento, os créditos sumiram.
VIVO:
A loja exigiu recarga mínima de crédito para fazer o procedimento, mas informou uma alternativa de solicitação via SMS; não realizou a portabilidade no primeiro pedido, nem registrou o segundo, que posteriormente seria cancelado.
QUASE "DE GRAÇA"
De acordo com as regras da Anatel, as operadoras podem cobrar até R$ 4 pela portabilidade, mas nenhuma delas aplicou a taxa. No entanto, na Vivo, o funcionário da loja informou que seria preciso fazer uma recarga mínima para gerar um número provisório durante o processo de troca de operadora. No dia em que a pesquisadora foi à loja, o valor mínimo dessa recarga era de R$ 35. Somente após ser questionado se não havia outra forma de solicitar a portabilidade, o vendedor informou que era possível comprar um chip numa revendedora (banca de jornal, loja de departamento, farmácia etc.) e fazer o pedido por SMS. "A exigência de recarga mínima não está prevista no regulamento e tampouco representa requisito necessário à efetivação da portabilidade. Portanto, é uma prática abusiva, pois configura uma vantagem excessiva imposta pela empresa ao consumidor, de acordo com o artigo 39, V, do CDC", argumenta Alimonti.
Questionada por que algumas operadoras geram um número provisório (Tim e Vivo) e outras não (Claro e Oi), a Anatel explicou que "o fornecimento de um número provisório ao usuário é prerrogativa da prestadora, mas não pode ser condição para o atendimento da solicitação, ou seja, o usuário pode optar por não querer o número provisório". Na Tim, o pesquisador não teve a opção de escolher se queria ou não o número provisório. E, na Vivo, o tal número só não é fornecido se o pedido de portabilidade for feito por SMS.
NEM SEMPRE DÁ CERTO
Depois de ir a uma loja, enfrentar fila de espera e voltar para casa com pouquíssima informação, o consumidor precisa contar com a sorte para que seu número seja portado com sucesso. De quatro portabilidades solicitadas durante a pesquisa – uma para cada operadora –, apenas uma foi realizada no dia e na hora marcados e dentro do prazo regulamentar, de três dias úteis: a da Oi para a Claro.
A da Tim para a Oi ocorreu em cinco dias úteis, portanto, fora do prazo; e a da Vivo para a Tim, em três dias úteis, mas somente na segunda tentativa (na primeira ocorreu um erro, o que obrigou a pesquisadora a retornar à loja). A portabilidade da Claro para a Vivo – que foi solicitada por meio de SMS – não foi efetivada.
Vale destacar a confusão ocorrida na primeira tentativa de se fazer a portabilidade na Tim. O atendente "inventou" um procedimento: disse que em 20 minutos a pesquisadora receberia um número provisório no novo chip e que deveria, então, gastar os R$ 2 que ganharia de bônus. Caso não o fizesse, a portabilidade poderia não ocorrer. No dia seguinte, seria necessário voltar à loja para informar o número a ser portado e, então, finalizar o processo. Como em 20 minutos o número não foi enviado por SMS, a pesquisadora voltou à loja e descobriu que, além de o chip entregue a ela não ser adequado para a portabilidade, as informações que lhe foram passadas estavam erradas. Outro atendente fez um novo pedido, não foi preciso voltar à loja no dia seguinte e, dessa vez, finalmente deu certo.
DIREITO A CANCELAR
Você solicitou a portabilidade, mas, por algum motivo qualquer, quer desistir? Saiba que tem o direito de cancelar o seu pedido em até dois dias úteis, contados a partir da data de solicitação. Assim como o pedido de portabilidade, o de cancelamento deve ser feito para a operadora receptora, ou seja, para a qual você pretendia mudar. Diferentemente do pedido de portabilidade, a solicitação de cancelamento pode ser feita por telefone (SAC), com exceção da Vivo.
Se o pedido de portabilidade se transformou numa saga em alguns casos, desistir foi fácil (ufa!). Todas as operadoras cancelaram o pedido; o cancelamento só não pôde ser solicitado à Vivo, porque o pedido de portabilidade, feito por SMS, não havia sido registrado. A falta de registro, associada ao fato de a outra portabilidade solicitada à Vivo não ter sido concluída com sucesso, deixa a dúvida: a possibilidade de pedir a portabilidade por SMS é confiável?
Ao fazer o cancelamento, verificamos se os créditos existentes no chip antes do pedido de portabilidade foram mantidos. Na Oi, os R$ 5 de saldo, cuja validade não havia expirado, sumiram misteriosamente após o cancelamento; na Claro, o saldo foi reduzido de R$ 5 para R$ 1; e na Tim sobrou apenas o bônus de R$ 2 (os R$ 5 de recarga desapareceram). A Anatel afirma que, segundo a Resolução do Serviço Móvel Pessoal (que traz regras gerais para o serviço de telefonia celular), a prestadora deve apresentar as razões para o débito dos créditos e, não havendo motivo, devolvê-los em dobro ao usuário, por meio de créditos com validade mínima de 30 dias ou outro meio escolhido pelo consumidor. O prazo para a devolução também é de 30 dias.
• Leia também a reportagem "Direitos telefônicos bloqueados", com a avaliação do serviço de celular pré-pago: http://goo.gl/dALQwlAs operadoras respondem
CLARO: De forma geral, afirma que está de acordo com as regras de portabilidade e que os aspectos em desconformidade apontados pelo Idec são pontuais e que serão avaliadas oportunidades de melhoria.
TIM: Informa que já reforçou a orientação aos funcionários para que equívocos como a recusa de portabilidade de linha pré-paga, bem como o fornecimento de informações incorretas sobre o prazo, não voltem a ocorrer. Em relação à exigência de comparecimento à loja para solicitação do procedimento, argumenta que ela está baseada na segurança do próprio cliente, "uma vez que se trata de uma linha ativa e vinda de outra operadora, diferente da ativação de uma linha nova pré- paga", mas que vai avaliar a possibilidade de realização via central de atendimento.
OI: Afirma que o procedimento padrão da empresa é de realizar a portabilidade no prazo de três dias úteis; e que o comparecimento à loja é necessário para a aquisição do chip e verificação de documentos pessoais.
VIVO: Esclarece que não cobra taxa para efetuar a portabilidade e considera o episódio da obrigatoriedade de recarga de R$ 35 um equívoco pontual do vendedor. Em relação à não efetivação da portabilidade solicitada via SMS, a operadora diz que a pesquisadora não deve ter concluído o procedimento de forma adequada. A operadora informa, por fim, que segue todas as normas relativas à portabilidade e que realiza milhares de pedidos por mês com sucesso, o que indica que a dinâmica e as ferramentas existentes são eficazes, e que as eventuais falhas de comunicações são eventos isolados.