Bola Fora
TRANSPORTE
Considerando a rede de mobilidade urbana disponível em cada cidade, as condições de transporte aos estádios encontradas durante a pesquisa foram, de modo geral, satisfatórias. Mas cabem algumas ressalvas. No primeiro jogo do Pacaembu, por exemplo, formou-se grande aglomeração na entrada de umas das estações de metrô próximas ao estádio após o jogo. Os torcedores demoraram ao menos dez minutos para conseguir entrar na estação.
Em Pernambuco, o site da Arena informa que o acesso ao estádio via transporte público pode ser feito por duas estações de metrô, das quais partiriam ônibus com destino ao local. No entanto, no primeiro jogo, os ônibus estavam saindo de apenas uma das estações – erro grave de informação, que poderia comprometer a ida ao evento. Ainda na Arena Pernambuco, os ônibus que fariam o trajeto de volta até a estação de metrô, no segundo jogo, demoraram meia hora para partir. No segundo jogo da Arena do Grêmio, situação semelhante: espera de 15 minutos.
As condições de estacionamento basicamente se dividem entre os estádios que têm e os que não têm estacionamento próprio. A Arena Pernambuco e a do Grêmio, palcos totalmente novos, contam com essa possibilidade. Pacaembu e Maracanã, estádios antigos (ainda que este último tenha sido reformado) não têm local próprio para estacionamento. Resultado: nesses dois lugares (e também na Arena do Grêmio), se o torcedor decidir parar o carro em via pública, será provavelmente forçado a pagar uns bons reais a um guardador. Nos arredores do Pacaembu, a "taxa" era de R$ 20. Ressalte-se que o Estatuto do Torcedor prevê que a federação e o clube mandante solicitem ao poder público competente serviços de estacionamento.
O Estatuto prevê, ainda, que deve ser solicitado ao poder público meio de transporte, ainda que pago, para idosos, crianças e portadores de deficiência. Questionadas, nenhuma das federações afirmou se tal pedido foi ou não realizado.
NO ESTÁDIO
Os principais problemas referentes às condições de conforto dizem respeito à demora para entrar no estádio ou dele sair, situação verificada em três partidas. No segundo jogo no Pacaembu, muitos torcedores do setor "arquibancada laranja" só conseguiram entrar no estádio após o início da partida. A longa fila que se formou provavelmente decorre do fato de que boa parte dos torcedores comprou o ingresso pela internet. Nessa modalidade, a entrada se dá por meio da apresentação do cartão de crédito (não há um ingresso físico impresso), e o sistema de leitura dos cartões não é dos mais ágeis. Em um dos jogos da Arena do Grêmio, apenas duas das quatro rampas de acesso ao estádio estavam abertas, resultando em demora na entrada dos torcedores (muitos também perderam bons minutos iniciais da partida). E no segundo jogo da Arena Pernambuco, a torcida do time visitante só pôde deixar o estádio 40 minutos após o seu término.
Outro problema recorrente foi a impossibilidade de o torcedor ocupar o assento correspondente ao número que constava do ingresso. Em jogos de pouco público (como a segunda partida do Maracanã), esse descumprimento não chegou a ser um empecilho. Mas foi nas duas ocasiões no Pacaembu. Como o estádio estava cheio, muitos torcedores acabaram assistindo ao jogo de pé (em corredores e outros locais não compatíveis com uma boa apreciação do espetáculo) ou sentados nas escadas. Consultados, os orientadores disseram que nada podiam fazer, já que o estádio estava cheio. Nos dois jogos da Arena Pernambuco, os ingressos sequer traziam o número do assento correspondente.
Quando o torcedor não consegue ocupar o assento que lhe é de direito, surge outro problema: a ampla visão da partida é prejudicada. No segundo jogo do Pacaembu, muitos torcedores tiveram de se conformar com uma grade atrapalhando bastante o campo de visão.
No segundo jogo na Arena Pernambuco, os torcedores do time visitante também tiveram a visão do jogo comprometida. Embora o estádio estivesse vazio, a torcida ficou encurralada numa área que não comportava a todos. Somente no meio do primeiro tempo é que foi liberada uma área ao lado, até então vazia.
A qualidade dos banheiros também foi avaliada. E aí o Pacaembu, o estádio mais antigo, se saiu mal. No primeiro jogo, o setor ao qual o pesquisador teve acesso contava principalmente com banheiros químicos. Assim, as condições de higiene deixaram muito a desejar: mau cheiro e falta de papel higiênico, sabonete e papel toalha. Além disso, formaram-se longas filas durante o intervalo.
Nos demais, a oferta de banheiros é maior e em todos eles havia suprimentos mínimos de higiene. No segundo jogo no Maracanã, no entanto, verificou-se mau cheiro. E a torcida adversária do segundo jogo na Arena Pernambuco tinha apenas um banheiro à disposição, que ficou bastante cheio.
O Estatuto do Torcedor exige a presença de uma ambulância, um médico e dois enfermeiros para cada dez mil torcedores. Os estádios cumprem esse requisito. Com exceção do Pacaembu, todos têm, inclusive, postos de atendimento em vários pontos do estádio, anunciados nos telões e sistema de som. Os quatro contam também com infraestrutura de acessibilidade para cadeirantes.
Pesquisa do Idec mostra que, às vésperas da Copa do Mundo, importantes estádios do país ainda deixam a desejar
O termo "padrão Fifa" ganhou a boca do povo. Ainda não dá para saber se todas as exigências previstas pela afamada expressão serão ou não cumpridas em nossos estádios; afinal, a Copa do Mundo é só no mês que vem. Mas, fora do período do megaevento, qual é a situação que o torcedor encontra para assistir às partidas do esporte mais apreciado do país? Para responder a essa questão, o Idec avaliou os estádios de quatro importantes pólos futebolísticos do Brasil: Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP), todas elas cidades-sede de jogos da Copa. "A oferta de boas condições nos estádios deve ser permanente, e não restrita a um período e a mando de uma entidade privada", ressalta Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto.
Em cada uma das cidades foi analisado um estádio (dois jogos em cada). Em Porto Alegre e em São Paulo, os contemplados foram, respectivamente, Arena do Grêmio e Pacaembu, já que o Beira Rio e a Arena Corinthians (que sediarão jogos da Copa) ainda não tinham sido inaugurados quando a pesquisa foi realizada. Em Recife e no Rio de Janeiro, aí sim, os estádios considerados foram Arena Pernambuco e Maracanã, palcos da Copa já inaugurados.
Independentemente do que a Fifa considere requisitos básicos de segurança e conforto dos estádios, o Brasil já conta com uma legislação que prevê mecanismos de proteção e defesa do torcedor. O principal deles é a lei federal no 10.671, de 2003, conhecida como Estatuto do Torcedor. Foi a partir dele que o Idec elaborou os principais critérios de avaliação. Eles estão divididos em quatro grandes categorias: ingressos, transportes, segurança e condições de conforto do estádio.
Foram escolhidas quatro cidades que sediarão jogos da Copa e que, ao mesmo tempo, são capitais de importantes campeonatos estaduais: Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.
Em cada uma delas foi selecionado um estádio, visitado duas vezes. São eles, respectivamente: Arena do Grêmio, Arena Pernambuco, Maracanã e Pacaembu. A pesquisa foi realizada em março e a escolha das datas se baseou em jogos com grande expectativa de público.
A partir do Estatuto do Torcedor e do Código de Defesa do Consumidor, foi elaborado um roteiro de pesquisa que contemplou quatro grandes categorias: ingressos, transportes, condições dentro do estádio e segurança. Além da pesquisa in loco, também foram pesquisados os sites dos clubes e federações, a fim de avaliar informações suplementares e documentos que, por lei, devem ser publicados nesses meios.
SEGURANÇA
São diversas as variáveis para que a ida a um jogo de futebol seja considerada segura. Entre as principais, está a existência de laudos que atestem as boas condições do estádio. São quatro: de segurança (expedidos pela Polícia Militar), de engenharia, de prevenção e combate a incêndio e de condições sanitárias. O Estatuto do Torcedor determina que esses laudos sejam enviados pelas federações ao respectivo Ministério Público Estadual (MPE). As assessorias de imprensa dos MPEs do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo confirmaram o recebimento de tais documentos. Já o de Pernambuco, não soube informar sobre o envio dos laudos. Segundo a assessoria, a pessoa responsável estava de férias.
Outra importante medida é a elaboração de planos de ação referentes à segurança, ao transporte e às contingências que podem ocorrer durante os eventos. Segundo o Estatuto, tais planos devem ser publicados nos sites das federações. O Idec encontrou esse documento apenas nas páginas das organizações do Rio de Janeiro e de São Paulo. A Federação Pernambucana foi questionada e enviou um link de acesso ao documento; em todo o caso, o acesso ao plano, a não ser por meio desse link específico, é difícil. A Federação Gaúcha de Futebol também foi questionada sobre o assunto, mas não se pronunciou.
Além disso, os três planos de ação aos quais o Idec teve acesso são genéricos e consistem basicamente em um "protocolo de intenções" sobre o que deve ser feito. Em outras palavras, eles não tratam de pontos objetivos, concretos, deste ou daquele jogo.
Outro aspecto de segurança exigido pelo Estatuto é a existência de uma "central técnica de informações". Basicamente, ela consiste em uma sala da qual se pode monitorar, por meio de imagens, o público presente. Indagados sobre a existência dessa estrutura, os orientadores de serviço de todos os estádios disseram informalmente que ela existe. Questionadas institucionalmente, apenas a administração do Maracanã respondeu e confirmou que, sim, há central técnica no estádio.
O Estatuto também prevê que as federações devem contratar seguro de acidentes pessoais em benefício do torcedor. Apenas os ingressos dos jogos da Arena Grêmio, comprados pela internet, não apresentavam o número da apólice do seguro.
A lei determina ainda que seja afixada ostensivamente nas entradas dos estádios a lista dos torcedores impedidos de participar do evento – em geral, os envolvidos em brigas. Tal lista também deve ser publicada no site da federação pertinente. Apenas a Arena Grêmio publicou em ambos os locais e apenas no segundo jogo; e o Maracanã, nas duas partidas analisadas, não divulgou a lista em nenhum meio. Os demais se alternaram entre publicar apenas no site ou apenas no estádio. Questionadas, apenas a Federação de Pernambuco se pronunciou, afirmando que, sim, essas relações são sempre afixadas.RESULTADOS
O principal problema foi o desrespeito ao local de assento indicado no ingresso. O direito é garantido pelo artigo 23, III, do Estatuto do Torcedor, mas foi ignorado em pelo menos um dos jogos em todos os estádios, com exceção da Arena do Grêmio. Em alguns casos, principalmente em jogos com grande público, a falta de lugar para sentar atrapalhou muito a visualização da partida. Outras falhas relacionadas ao conforto dos torcedores, como ausência de estacionamento próprio ou organizado pelo estádio e longas filas para entrar ou sair do local, foram recorrentes.
Em relação à segurança, chama a atenção que, embora as entidades responsáveis pelos jogos apresentem os planos de ação referentes a contingências que podem ocorrer durante os eventos, como exige o Estatuto, esses documentos, em geral, são bastante superficiais.
Apesar desses e de outros problemas identificados na pesquisa, o Idec considera que as novas arenas, no geral, oferecem condições melhores que as de alguns anos atrás. Vale ressaltar que, dos quatro estádios avaliados, apenas o Pacaembu pode ser considerado antigo. As arenas do Grêmio e de Pernambuco foram construídas muito recentemente e o Maracanã passou por ampla reforma. "As obras destes três últimos puderam ser a oportunidade para que velhos 'vícios' dos estádios brasileiros fossem corrigidos", afirma Oliveira. Contudo, há ainda vários detalhes a ajustar. Independentemente de as falhas verificadas se repetirem ou não durante a Copa, o mais importante é que o respeito com o torcedor seja definitivo.
Confira, a seguir, os resultados detalhados de cada categoria avaliada e a comparação entre os estádios.
INGRESSOS
O processo de compra dos ingressos foi o principal ponto avaliado pelo Idec, que verificou se a agilidade da venda e o amplo acesso à informação, conforme determina o artigo 20 do Estatuto do Torcedor e também o artigo 6o do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Foram encontrados problemas em três dos oito jogos analisados. Na Arena Pernambuco e na Arena do Grêmio, havia filas consideráveis para a compra de ingressos antes da partida. O terceiro caso diz respeito à venda realizada pela internet, em jogo do Pacaembu: havia espera de cerca de uma hora. O mais grave, no entanto, é que, superada essa "fila virtual", o consumidor tem apenas dez minutos para realizar a compra – tempo insuficiente para que todos os detalhes das condições de venda sejam avaliados.
Além disso, o Estatuto prevê que a comercialização dos ingressos seja realizada em no mínimo cinco pontos físicos de venda. Nos dois jogos do Pacaembu e em um da Arena Pernambuco, no entanto, havia oficialmente apenas quatro.
Por fim, também foi verificado se havia cambistas vendendo ingressos antes das partidas. Em todos os jogos essa situação foi encontrada, à exceção das duas partidas na Arena Pernambuco. Sinal de que o velho "ralo" de ingressos continua existindo.