O prato está pra peixe?
O consumo de pescado sobe no Brasil próximo à Páscoa, mas muitas espécies correm risco de extinção ou são excessivamente exploradas. Para não contribuir com esse processo, informar-se sobre a origem do produto e saber se ele atende às regras mínimas de proteção é fundamental
Há alguns anos, o consumidor brasileiro começou a se perguntar de onde vem a carne bovina que põe na mesa. Algumas redes de supermercado criaram produtos "premium" que permitem seu rastreamento, mas pouco aconteceu além disso. Entretanto, pior que o baixo nível de informação sobre a cadeia da carne vermelha é o total desconhecimento que caracteriza outro mercado: o de peixes.
O assunto é propício às vésperas da Páscoa, em que muitos católicos – ainda maioria no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – se abstêm de comer carne e optam pelos pescados. Entre as preferências dos brasileiros estão a tilápia e o pintado, de rio, e a pescada, o robalo, o cação e o linguado, do mar.
O que muitos consumidores de pescados não sabem é que grande parte das espécies corre riscos no país. A sardinha, também uma das mais escolhidas, é uma delas. Há dez anos, ela consta de uma lista do Ministério do Meio Ambiente (MMA) das espécies demasiadamente pescadas nos rios e mares brasileiros. "A sardinha é classificada como sobre-explotada", explica a bióloga Leandra Gonçalves, da organização não governamental (ONG) SOS Mata Atlântica. Isso significa que sua captura está acima do limite em que a espécie consegue se recompor e, assim, sua população diminui gradativamente.
No ano passado, a ONG fez uma pesquisa no município de São Paulo e verificou que a sardinha era comercializada na maioria dos 66 estabelecimentos avaliados – entre barracas de feiras livres, supermercados e peixarias. A espécie também foi a número um em vendas em 2013 na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp).
O cação (ou tubarão) também está entre as maiores vítimas do consumo predatório. Das 88 espécies existentes no Brasil, 15 aparecem na lista do MMA sob ameaça de extinção ou de superexploração. Na pesquisa feita pela SOS Mata Altântica, nenhum vendedor soube informar qual era o tipo comercializado. "Por isso, não recomendamos o consumo de nenhum cação", afirma Leandra.
O Brasil importa quase 20% dos peixes que consome, o que não é nada sustentável, já que o produto percorre uma distância enorme entre seu país de origem e o portos do Brasil. Exemplos disso são o salmão vindo do Chile, o bacalhau da Noruega, o panga, do Vietnã, e a "merluza do Alasca", que na verdade vem da China. Dá-lhe emissão de carbono! Mais baratos do que muitos peixes brasileiros, esses dois últimos ajudam a elevar o consumo no país.
Eles também abriram caminho para o crescimento da produção nacional em cativeiro, que atingiu 628,7 mil toneladas em 2011, segundo o Ministério da Pesca. Hoje, a aquicultura representa 44% da produção brasileira, com quatro espécies: tilápia (ou Saint Peter), carpa, tambaqui e camarão. Contudo, a pesca extrativa continua fornecendo a maior parte dos pescados, com 800 mil toneladas em 2011. A maior parte (553,5 mil toneladas) vem do mar.
O QUE FAZER?
Cerca de 80% de todas as espécies comerciais no Brasil são superexploradas, segundo um estudo de 2006 do MMA. Assim, a fim de minimizar a pressão sobre determinados peixes, o consumidor deve respeitar o chamado "defeso" – período em que os peixes se reproduzem e cuja pesca é proibida –, e o tamanho mínimo determinado para cada espécie, estabelecido com base no tamanho de maturação sexual de cada peixe.
No caso da sardinha, há dois defesos no ano: entre 1° de novembro e 15 de fevereiro e entre 15 de junho e 31 de julho. O mais recomendável é que o consumidor procure outras espécies nessas épocas. Já o tamanho mínimo da sardinha, do focinho à cauda, é de 17 centímetros. Veja mais informações sobre o defeso e o tamanho mínimo de outras espécies no conteúdo indicado no quadro Saiba mais, ao fim da matéria.
Para ajudar o consumidor de forma mais prática, o curso de oceanografia do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), de Santos (SP), preparou um guia que divide as espécies de peixe de mar em quatro categorias: "bom apetite", para aquelas sem problemas de conservação; "coma com moderação", para espécies com população em declínio; "evite", para peixes ameaçados de extinção; e "não, obrigado!", para espécies proibidas. Está "liberado" comer dourado, manjuba, pirajica e robalo, por exemplo. Na lista das espécies a se evitar, estão o badejo e a lagosta. Confira a lista completa no link: http://goo.gl/OJHDX3.
• Priorize peixe fresco, que é mais saboroso e nutritivo.
• Prefira o peixe inteiro, para conferir sua qualidade e seu tamanho (está dentro do mínimo estabelecido para a espécie?). Peça ao peixeiro para cortar os filés para você.
• Ao comprar pescado fresco, atente-se para o odor, que deve ser agradável; a aparência, pois o peixe realmente fresco é brilhante e úmido, firme ao toque; os olhos, que devem ser claros e brilhantes; as brânquias, que devem ser brilhantes e úmidas e cuja cor deve ser vermelha ou rosa pálido; e as escamas, firmes e bem aderidas ao peixe.
• Ao comprar o peixe, transporte-o em uma embalagem térmica. Em casa, remova os órgãos internos, se for o caso, lave o pescado em água corrente e seque-o. Guarde-o na parte inferior da geladeira, embrulhado em papel alumínio e consuma-o em no máximo três dias.
• Se optar pelo pescado congelado, em primeiro lugar observe a data de validade. Em segundo, cheque se a embalagem não possui pequenos cristais de gelo. Caso possua, o congelamento não foi feito adequadamente ou o produto já passou por descongelamento prévio parcial ou total, o que acaba interferindo em sua qualidade.
ESCOLHA RESPONSÁVEL
Apesar da situação preocupante de algumas espécies, comer peixe faz bem. Eles são ricos em vitaminas (A, D e E) e em minerais como cálcio, fósforo, ferro, cobre e selênio. Além disso, os pescados são fonte de proteína e podem conter ômega 3, uma gordura do bem que previne doenças cardiovasculares e artrites reumatoides. "Esses benefícios variam de acordo com a espécie e seu ciclo de vida", explica a nutricionista do Idec, Ana Paula Bortoletto. A tilápia, por exemplo, tem baixo teor de gordura – inclusive de ômega 3. "Mas em compensação é menos calórica", afirma Ana Paula. "Mas é importante lembrar que o valor calórico pode mudar de acordo com o modo de preparo", diz a nutricionista. Já a sardinha tem alto teor de zinco, ferro e vitaminas do complexo B.
Considerando-se todas as qualidades nutricionais dos pescados, vale a pena mantê-los no cardápio. O mais importante é procurar sempre se informar sobre as espécies (suas características e períodos de defeso, por exemplo), embora muitas vezes não seja tão fácil encontrar respostas na peixaria ou na feira. "Mas, a cada vez que o consumidor pede uma informação, gera uma demanda sobre os setores produtivo e governamental", acredita Leandra Gonçalves, da SOS Mata Atlântica. Isso contribui para a evolução do mercado.
Outro ponto a se considerar é que a pesca artesanal geralmente é mais sustentável do que a industrial, segundo a bióloga. "Devemos buscar a organização das comunidades pesqueiras, que respeitem o defeso e desenvolvam uma pesca menos danosa. Dando preferência a espécies locais, o consumidor também tem mais chances de adquirir um produto menos impactante". Da mesma forma, é válido pesquisar espécies menos valorizadas no mercado e, portanto, menos "pressionadas" ambientalmente.
SAIBA MAIS
• Matéria Peixe afogado, (edição no 92): http://goo.gl/fLZNQV
• Atenção na hora de comprar, armazenar e preparar os pescados: http://goo.gl/EQisKS
• Tamanho mínimo de alguns pescados: http://goo.gl/HAbt5M
• Períodos de defeso de espécies: de rio – http://goo.gl/tASrU2; e de mar – http://goo.gl/tVrD34