Como escolher um psicoterapeuta?
Especialistas defendem que,como em qualquer serviço, transparênciae afinidade entre o profissional e o cliente são fundamentais
Problemas familiares, dificuldades de relacionamento e traumas são algumas das razões que levam as pessoas a procurar ajuda psicoterapêutica. "O terapeuta é o profissional qualificado para ajudar o indivíduo a processar o sofrimento", define o médico e psicanalista Francisco Daudt, do Rio de Janeiro (RJ).
Mas onde e como escolher um especialista? Sem saber por onde começar, a dentista Helen Stocco, de São Paulo (SP), apelou para a internet. Ela pesquisou profissionais de seu bairro e achou um site com indicação de vários terapeutas. "Selecionei alguns perto da minha casa e enviei e-mails perguntando o valor da sessão e como era o trabalho deles. O segundo passo foi telefonar para os que me responderam", conta Helen.
Luísa Habigzang, doutora em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma das diretoras da Sociedade Brasileira de Psicologia, defende a internet como uma boa ferramenta para descobrir informações importantes sobre profissional. "Pesquise onde o profissional se formou, se ele tem pós-graduação e/ou especialização, se pertence a alguma sociedade de classe, se participa de congressos, se tem artigos publicados etc.", recomenda.
Pedir indicação a amigos ou parentes também pode ser uma boa alternativa, embora alguns especialistas não recomendem que pessoas próximas "compartilhem" o mesmo terapeuta. Outra forma é sugerida por Daudt: entrar em contato com um terapeuta que escreveu um livro, um artigo ou concedeu uma entrevista que você tenha lido e gostado.
Um dos critérios para escolher o terapeuta também pode ser a linha teórica que ele segue: psicanálise, terapia comportamental etc. De acordo com Luísa, que segue a teoria cognitiva-comportamental, todas as abordagens podem ser efetivas se o profissional for competente. "O mais importante é a aliança terapêutica, pois o resultado depende do vínculo positivo entre o paciente e o profissional", defende. "A pessoa precisa sair da primeira sessão sentindo-se compreendida e com vontade de voltar", completa.
A falta de afinidade com a primeira psicóloga com quem marcou consulta fez Helen perceber, ainda durante a entrevista, que não queria uma nova sessão. Foi só na segunda tentativa que ela encontrou o que buscava. "Minha atual terapeuta é exatamente como eu imaginava. Com ela, eu consegui me abrir e saí de lá ansiosa para o próximo encontro", relata.
A psicanalista Magda Khouri, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), pondera, no entanto, que às vezes o paciente desiste rápido demais. Por exemplo, porque o analista falou pouco no primeiro encontro. "Em alguns casos, a ansiedade por respostas às suas angústias não permitem conhecer o trabalho daquele profissional. Por isso, o mais importante é perceber se o terapeuta disse algo que lhe fez sentido. Se a pessoa se sentir escutada e compreendida, já é um bom começo", opina.
Daudt lembra, ainda, que o psicanalista também pode recusar um cliente se achar que não tem competência para lidar com o problema dele ou se não houver empatia. "Quando sentimos simpatia por alguém, temos afinidade com o seu sofrimento. Se eu não simpatizo, não consigo ajudá-lo. Pode parecer arrogância, mas tanto o paciente quanto o terapeuta se beneficiam de uma recusa".
O psicanalista carioca compara a primeira sessão a um test drive: "Como tal, ela não é cobrada, porque eu não sei se vou vender o meu serviço e a pessoa não sabe se vai comprar", explica. Mas, atenção: embora a maioria dos terapeutas não cobre pela entrevista (como é chamada a primeira sessão), nem sempre ela é gratuita, portanto, lembre-se de questionar esse ponto quando fizer contato por telefone ou e-mail.
PSICÓLOGO, PSICANALISTA OU PSIQUIATRA?
Essa costuma ser a primeira dúvida de quem decide fazer terapia. Entender as diferenças entre esses profissionais pode ajudar na escolha.
O psicólogo é formado em psicologia e capacitado para tratar de problemas psicológicos e comportamentais em clínicas particulares, empresas, escolas e hospitais.
O psicanalista é formado em psicanálise (para fazer o curso, é obrigatório ter um diploma de ensino superior, mas não necessariamente em psicologia) e tem como base de estudo a teoria de Sigmund Freud e de seus "seguidores". Para se tornarem clínicos, os psicanalistas também fazem análise e contam com a orientação de um supervisor, que acompanha os seus casos.
Como a psicanálise não é uma profissão regulamentada, é importante saber se o terapeuta é filiado a alguma organização que ateste a sua formação, como a Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi) e a Associação Internacional de Psicanálise (IPA, na sigla em inglês).
O psiquiatra é formado em medicina e, portanto, pode prescrever medicamentos. Dependência química, transtorno obsessivo compulsivo (TOC), bipolaridade, depressão e ansiedade são alguns dos transtornos que podem ensejar um tratamento psiquiátrico. O encaminhamento para esse profissional pode ser feito por um psicólogo ou psicanalista que detecta, durante as sessões de terapia, a necessidade do uso de medicamentos para aliviar os sintomas de um transtorno, ou até para facilitar o processo terapêutico. "Dependendo do grau do sofrimento, a pessoa precisa de acompanhamento psiquiátrico, porque só as palavras não curam", argumenta Daudt. Em muitos casos, o tratamento com um psicólogo ou psicanalista também é realizado paralelamente ao do psiquiatra.
• Pesquise na internet a formação do terapeuta: em qual instituição se graduou, se tem pós-graduação, se é ligado a alguma sociedade, federação ou conselho de classe, se costuma participar de congressos, se tem livros e/ou artigos publicados.
• Sentir-se confortável no ambiente em que o terapeuta atende é fundamental, assim como a afinidade com ele.
• Entender o que o terapeuta fala é importante. Se ele "falar difícil", talvez seja melhor procurar outro.
• Se achar importante, pergunte ao profissional, na primeira sessão ou mesmo por telefone, qual linha terapêutica ele segue, há quanto tempo atua, se tem experiência em casos como o seu etc.
REGRAS CLARAS
A terapia é um serviço e o paciente, um consumidor. E, como tal, o cliente tem direitos, como por exemplo, à informação clara e adequada, conforme prevê o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor. "Quanto mais transparente for a relação entre paciente e terapeuta, melhor. A pessoa precisa saber o que ela está comprando", afirma Daudt.
Se o terapeuta não informar espontaneamente, o paciente deve perguntar a ele quais são as formas de pagamento, como funcionam as férias (as suas e as dele), o cancelamento de sessão, atrasos, fornecimento de recibo etc. Essas regras precisam ficar bem claras para evitar que eventuais desentendimentos atrapalhem o andamento da terapia. Em geral, elas são estabelecidas num acordo verbal, mas nada impede que seja formalizado. "É sempre recomendável que o cliente peça um contrato", afirma a advogada do Idec Joana Cruz. Além disso, o serviço costuma ser caro; portanto, nada mais justo que os aspectos que caracterizam a relação de consumo sejam bem definidos.
Embora a terapia seja mesmo cara, há opções para quem tem o orçamento apertado. Geralmente, os valores informados pelos terapeutas são negociáveis. É comum eles perguntarem "quanto você pode pagar?" a quem diz que o preço cobrado é muito alto. No caso de psicólogos, dá para consultar a tabela do Conselho Federal de Psicologia para ter uma ideia de valores. Confira no link: goo.gl/j0bJ6i.
Algumas universidades e instituições oferecem atendimento psicoterapêutico de graça ou por um "preço simbólico", combinado com o paciente. Algumas dão preferência à população carente e têm lista de espera. Confira algumas opções que selecionamos em sete capitais (Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo). Acesse: goo.gl/xsBJHv.
MEU PLANO COBRE?
A cobertura de psicoterapia é obrigatória pelos planos de saúde, mas a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabelece algumas diretrizes para definir quais usuários têm direito a atendimento por psicólogos ou terapeutas ocupacionais. Por isso, muitas operadoras exigem que o usuário tenha uma indicação de um médico para poder agendar uma sessão com um psicólogo da rede do plano.
Além disso, em geral, as operadoras só costumam cobrir o número mínimo de sessões previstos no rol de procedimentos fixados pela ANS. Atualmente, o rol prevê a cobertura de 12 sessões com psicólogos ou terapeutas ocupacionais. No fim de 2013, a lista foi atualizada, mas houve apenas a ampliação de diretrizes para a utilização da psicoterapia pela rede suplementar (como para pacientes interessados em realizar cirurgia bariátrica, vasectomia ou laqueadura, por exemplo), mas o número de sessões foi mantido. Apenas para situações mais graves, como casos de esquizofrenia e transtornos da alimentação, são garantidas 30 sessões por ano.
O Idec é contra qualquer limitação pelos planos de saúde. "O rol não pode ser visto como uma lista exaustiva. O paciente deve receber tratamento, psicológico ou de qualquer tipo, pelo tempo necessário para o restabelecimento de sua saúde", afirma Joana. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) considera o número de sessões obrigatórias insuficiente e afirma que, da forma como vêm atuando, os planos não oferecem atenção integral ou cuidado qualificado com o usuário. "Ao limitar o número de sessões, os planos não reconhecem a individualidade de cada pessoa e as diversas maneiras que cada transtorno pode assumir, dependendo do contexto que ocorrem", diz Monalisa Barros, conselheira do CFP.
Caso o usuário necessite de mais sessões que o mínimo previsto no rol e a operadora se recuse a cobrir, a saída é recorrer à Justiça. "O Judiciário tem entendimento majoritariamente favorável ao consumidor nessa questão", informa a advogada do Idec.