Comida intragável
A qualidade dos alimentos industrializados melhorou nos últimos tempos, mas ainda acontece de o consumidor levar pra casa produtos com substâncias estranhas ou sabor esquisito. Veja o que fazer nesses casos
Leite condensado com barata, chocolate com larva e suco com produto de limpeza são alguns exemplos das bizarrices com que o consumidor brasileiro já deparou. Outras vezes, não há nenhum "corpo estranho" visível dentro do alimento ou da bebida, mas ele apresenta um sabor esquisito, que levanta suspeita de que há algo errado. Muitos casos vão parar na Justiça, como o do rato na Coca-Cola, que ganhou grande repercussão recentemente: um consumidor afirma ter ingerido a bebida contaminada, o que lhe causou graves problemas de saúde, e a empresa nega que o roedor tenha saído de suas instalações.
De acordo com a diretora de atendimento do Procon-SP, Selma do Amaral, os problemas com a qualidade dos alimentos e bebidas diminuíram muito nos últimos tempos. "Antigamente, o Procon tinha até uma coleção de garrafas de Coca-Cola. Elas chegavam aqui com prego, escova de dente e objetos não identificados", conta. No passado, também houve casos de alimentos com pedaço de barbante e até com inseto. "A indústria alimentícia avançou", diz Selma.
Porém, coisas estranhas ainda acontecem. Que o diga o associado do Idec João Eduardo Arenstein, de São Paulo, que percebeu algo errado com o amido de milho Maizena, da Unilever. Alguns meses atrás, diversos pratos preparados em sua casa apresentavam um gosto estranho. Só depois de algumas semanas, sua família descobriu que o problema tinha origem na Maizena. "Estava com odor e sabor de produto químico, lembrando cloro ou pesticida. Abrimos um novo pacote, e ele apresentou o mesmo cheiro", diz. "Reclamei ao fabricante, que dois dias depois trocou o produto. Mas não forneceu o laudo explicando a causa do problema", conta o associado.
Três meses depois, a Unilever lhe enviou uma comunicação-padrão. "Análises laboratoriais confirmaram a integridade do amido de milho, garantindo a total segurança para o consumo da marca (…). Maior intensidade ou variações no odor de Maizena podem acontecer pontualmente devido a uma variação natural do milho ou a condições climáticas durante o plantio ou estocagem".
Para a diretora do Procon-SP, a resposta da Unilever foi evasiva. "O consumidor espera outro tipo de conduta de uma empresa desse porte. Ela deveria detectar e divulgar a fonte do problema", destaca Selma. A advogada do Idec Mariana Alves Tornero complementa: "Ao não fornecer o laudo, a empresa está desrespeitando o direito do consumidor à informação, conforme prevê o artigo 6°, inciso III, do CDC". Na opinião de João Eduardo, além disso, a Unilever deveria recolher todos os produtos afetados do mercado. Ele contou mais de 80 queixas similares à sua em um site de reclamações na internet, registradas desde março deste ano. No Facebook, também é possível encontrar inúmeros casos.
A Revista do Idec entrou em contato com a Unilever, por meio de sua assessoria de imprensa, e pediu esclarecimentos sobre o caso, mas a empresa deu a mesma resposta já encaminhada ao associado. Questionamos se o sabor e odor similar ao de produto químico relatado pelos consumidores poderia ter relação com o fato de a matéria-prima da Maizena ser transgênica, já que o milho geneticamente modificado é resistente ao agrotóxico glifosato. A empresa não comentou essa questão.
SOLUÇÃO
De acordo com o CDC, o consumidor tem o direito de adquirir um produto em perfeitas condições de uso e consumo. "Os itens colocados no mercado não podem acarretar riscos à saúde ou à segurança dos consumidores. Além disso, os fornecedores são obrigados a prestar informações detalhadas e claras a seu respeito", afirma Mariana.
Em casos de problemas com alimentos, o Idec orienta o consumidor a entrar em contato com o fornecedor, apresentando a nota fiscal da compra. "Geralmente, é mais rápido procurar a loja que vendeu o produto do que o fabricante", diz a advogada do Instituto. Seja qual for a empresa contatada, ela deve resolver o problema imediatamente, de acordo com o parágrafo 3° do artigo 18 do CDC, já que, no caso de um alimento, o "defeito" compromete toda a sua qualidade e inviabiliza o seu consumo. O consumidor pode exigir uma das seguintes alternativas: a devolução do valor pago, corrigido; a substituição o produto por outro; ou o abatimento proporcional do preço, se possível. Além disso, também se pode fazer uma denúncia à Vigilância Sanitária local e ao Procon.
Uma dúvida comum entre os associados que recorrem ao Idec é: se o produto é a única "prova" do problema, ele deve mesmo ser entregue para análise ao fabricante? "Por garantia, recomendamos que o consumidor tire fotos ou fique com alguma prova de que o produto estava 'defeituoso', se possível, para o caso de uma eventual ação judicial sobre o caso", orienta Mariana. Se o alimento for consumido e provocar algum problema de saúde, as despesas que o consumidor tiver com o tratamento devem ser pagas pelo responsável pelo problema. "Para isso, será necessário um laudo atestando que o alimento estava impróprio, que pode vir da Vigilância Sanitária", informa a advogada.
Desde 2002, quando começou a acompanhar os casos de recall em São Paulo, o Procon-SP registrou 46,2 milhões de unidades de alimentos e bebidas recolhidos no Estado. Os motivos foram contaminação ou informação incorreta na embalagem, comprometendo a segurança do produto.
Veja todos os casos ocorridos a partir de 2007. Acesse: goo.gl/xdG7wy
COMO AS EMPRESAS REAGEM
Diante de casos como esses, as respostas das empresas variam bastante. No caso do fotógrafo Paulo Pereira, o supermercado Záffari do shopping Bourbon, em São Paulo, atendeu-o prontamente. Ele comprou um frango no local e, quando chegou a sua casa, percebeu que o alimento exalava um forte odor. "Estava podre", diz. O estabelecimento recebeu o produto de volta e ressarciu Paulo com um crédito no valor correspondente.
A jornalista Gladis Henne Eboli, de São Paulo (SP), teve problemas com uma bebida de soja Ades, também da Unilever. Quando ela abriu o produto e despejou o líquido no copo, observou vários pontos verdes. "Entrei em contato com a empresa, que imediatamente me mandou um cartão para eu comprar outro produto", afirma. "Explicaram que o problema poderia ser por uma queda no supermercado, por exemplo, que cria uma microfissura na embalagem, comprometendo a conservação do suco".
Já a também paulistana Camila Masiero, advogada, em certa ocasião conseguiu trocar um iogurte Vigor embolorado direto com o fabricante, mas não foi atendida quando uma sopa congelada da marca Sacia revelou um pedaço de plástico no meio do alimento. E a gastrônoma Alessandra Brant até foi ressarcida depois de achar uma ponta de cigarro no pão francês que comprou em uma tradicional padaria de Brasília (DF). Mas só depois de ser acusada de ter ela própria colocado a sujeira ali, e ameaçar chamar a imprensa.
Caso você compre uma bebida ou alimento estragados, com substâncias ou características estranhas, siga as seguintes orientações:
1. Entre em contato com o fornecedor ou o fabricante, de preferência com a nota fiscal em mãos.
2. Exija a troca imediata do produto ou a devolução do dinheiro pago.
3. Se não conseguir resolver o problema, procure um órgão de defesa do consumidor.
4. Se consumir o produto e passar mal, guarde eventuais exames médicos e os comprovantes das despesas que tiver decorrentes do problema.
5. Peça ao fornecedor ou fabricante que esclareça qual era o problema com o alimento e as suas causas.
6. Se suspeitar que a contaminação pode prejudicar outros consumidores, denuncie o problema à Vigilância Sanitária local, assim como ao Procon e ao Ministério Público.