Acessos demais, qualidade de menos
Acesso ilimitado
As redes sociais são as queridinhas dos internautas de celular. Dos 524 entrevistados na pesquisa, 92% afirmaram acessá-las pelo aparelho móvel. As operadoras sabem disso e já oferecem acesso gratuito (em geral, sem "descontar" do plano de dados ou dos créditos, no caso de celular pré-pago) a aplicativos como Facebook e Twitter.
No entanto, essa prática tem sido criticada por especialistas. "Quando o plano privilegia o acesso a um aplicativo ou a uma rede social específica, o usuário não acessa a internet, mas um pedaço dela. É como comprar uma TV e só ter um canal disponível gratuitamente", compara o professor Sivaldo Pereira da Silva.
A advogada do Idec concorda. Segundo ela, a grande diferença de percentual de acesso a redes sociais (92%) com o de outros usos, como assistir a vídeos (36%) e ler revistas, jornais e blogs (32%), indica que os usuários têm uma navegação muito limitada. "Considerando que grande parte do que se vê nas redes sociais, em especial no Facebook e no Twitter, são links para conteúdos externos, essa queda indica que os internautas via celular ficam presos aos limites da rede social, seja por não conseguirem acessar direito o que está fora, seja por desinteresse em relação ao resto", analisa Veridiana.
Para Silva, o Brasil carece de uma regulação que, de fato, coloque o acesso à internet como direito do cidadão. "Esse é o primeiro passo. O segundo é compreender a internet não como um condomínio fechado, de propriedade de algumas empresas, e sim como um espaço público de interação cotidiana", conclui ele, complementando: "O Estado precisa agir para preservar direitos e evitar que empresas criem barreiras ou restrições ao acesso dos cidadãos".
• Pesquisa sobre os planos de internet móvel das principais operadoras, publicada na edição nº 170 da Revista do Idec. Acesse: goo.gl/GY31wJ
Fique de olho
• Antes de contratar um pacote de internet para o celular, informe-se sobre as condições do serviço (cobertura, preço, periodicidade do pacote, franquia de dados, velocidade da conexão, restrições de uso e fidelidade).
• Preste atenção nos anúncios de oferta e compare planos de diferentes empresas. Se tiver dúvidas, ligue para o televendas ou vá a uma loja.
• Exija o contrato do serviço e o regulamento da promoção (se for o caso) e, claro, leia-os! Lembre-se de que cláusulas que estabeleçam vantagens excessivas à empresa são nulas, de acordo com o artigo 51 do CDC.
• Meça a velocidade da sua conexão. A partir deste mês, as empresas devem de garantir no mínimo 30% e, na média, 70%, da velocidade contratada. Experimente o software www.simet.nic.br desenvolvido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), ou o www.brasilbandalarga.com.br, desenvolvido pelas operadoras em parceria com a Anatel.
• Não espere a empresa avisar que seu limite de download está sendo atingido. Verifique se a sua operadora oferece algum mecanismo de acompanhamento do consumo de dados (site da operadora ou aplicativo, por exemplo). Pesquisa do Idec com 524 usuários de internet no celular revela que eles sabem muito pouco sobre o serviço que contrataram e estão insatisfeitos com a cobertura, a velocidade e a estabilidade da conexão
Ele tem uma tela, às vezes teclas e deixa pessoas de várias idades "hipnotizadas", estejam elas no transporte público, no restaurante, na sala de espera do médico ou no parque? É claro, estamos falando do celular. Já faz algum tempo que os chamados smartphones, que possibilitam o acesso à internet, conquistaram os brasileiros. Segundo dados da International Data Corporation (IDC), no segundo trimestre deste ano, as vendas desses aparelhos no Brasil superaram pela primeira vez a de celulares convencionais, representando 54% do mercado (foram 8,3 milhões de unidades vendidas).
Além disso, em julho, as operadoras de telefonia atingiram a marca de 88,7 milhões de acessos móveis à internet. Diante do crescimento estrondoso, o Idec resolveu investigar qual é a percepção dos consumidores sobre a qualidade do serviço. Para isso, conduziu uma pesquisa com 524 usuários de internet no celular em cinco capitais, uma em cada região do país (veja mais detalhes da metodologia no quadro "Como foi feita a pesquisa").
O resultado não é animador: os usuários estão insatisfeitos com o serviço e, além disso, sabem muito pouco sobre o plano contratado. Apenas 27% dos entrevistados estão contentes com a cobertura de seu plano, e 31% com a velocidade de navegação. Em relação à estabilidade do sinal, 53% afirmam que as quedas de conexão são frequentes. Essa insatisfação se soma à desinformação: parte significativa dos consumidores diz não ter sido informada sobre características importantes do serviço na hora da contratação e 48% deles não sabia, no momento da pesquisa, qual era a velocidade e a franquia de dados de seu plano.
"Esses resultados demonstram que é preciso qualificar as estatísticas de acessos à internet móvel e conter o entusiasmo com o seu crescimento acelerado como alternativa à universalização do acesso à rede", pondera a advogada do Idec Veridiana Alimonti, responsável pelo levantamento. O professor de mídias digitais da Universidade Federal de Alagoas e co-organizador do livro Caminhos para Universalização da Internet Banda Larga, Sivaldo Pereira da Silva, concorda: "A internet deveria estar ao alcance de todos. No entanto, na prática, a conexão 3G no Brasil oferece um acesso restrito e deficiente", diz. "O serviço de internet móvel brasileiro é um dos piores do mundo em termos de qualidade", conclui Silva.
O objetivo da pesquisa, realizada com o apoio da Fundação Ford, era investigar os hábitos dos usuários de banda larga móvel (3G e 4G), conhecer a opinião deles sobre o serviço prestado (levando em consideração os momentos em que eles não estão em casa ou no trabalho, locais em que é comum usar a rede wi-fi) e verificar se o direito à informação é respeitado nas ofertas e no momento da contratação.
Para tanto, o Idec fez um levantamento prévio sobre as condições oferecidas pelas principais operadoras de telefonia móvel para o serviço e, baseado nisso, elaborou um questionário que foi aplicado por uma empresa especializada em pesquisas de mercado de 28 de agosto a 9 de setembro, com 524 usuários de planos de internet no celular (homens e mulheres com mais de 18 anos pertencentes às classes A, B, C, D e E). As entrevistas foram realizadas em cinco capitais brasileiras: Belém (PA), Cuiabá (MT), Porto Alegre (RS), Salvador (BA) e São Paulo (SP).
OFERTAS QUE CONFUNDEM
O que você leva em conta para contratar um plano de internet? Para boa parte dos usuários que participaram da pesquisa (39%), o principal fator para a escolha do plano é a velocidade de conexão; enquanto o preço é o item mais importante para 35%. São exatamente essas duas características, além do termo "ilimitado", as que mais chamam a atenção dos consumidores nas peças publicitárias dos planos de internet retiradas do site das empresas.
No que se refere ao termo "ilimitado", muito utilizado nas ofertas das principais operadoras, quase todos os entrevistados não sabem o que ele significa, na prática: 97% acham que podem usar a internet o quanto quiserem – ou seja, desconhecem que, após atingir a franquia de consumo dados, a velocidade da conexão é reduzida. Esse "detalhe" costuma ser informado em letras bem pequenas, no rodapé do anúncio.
Apesar de preocupante, esse resultado não surpreende quando consideramos que grande parte dos entrevistados também não sabe o que é franquia: 73% a confundiram com a velocidade da conexão, quando questionados sobre o que entendiam por "100 MB", indicado na oferta de um plano. Apenas 16% responderam corretamente que era a franquia de dados/limite de download (veja no quadro a diferença entre Megabytes – MB – e Megabits por segundo – Mbps).
A confusão proposital em torno da expressão "ilimitado" se agrava quando consideramos a enorme redução da velocidade após o consumo da franquia. Segundo a pesquisa prévia feita em julho de 2013 com as ofertas das principais operadoras de telefonia móvel, quando o limite de dados é atingido, a velocidade passa a ser de 32 Kbps a, no máximo, 256 Kbps, sendo que a última só está disponível para as franquias bem mais caras. A faixa mais usual de redução fica entre 50 Kbps e 128 Kbps, patamares próximos à conexão discada. "Não é razoável a inexistência de qualquer parâmetro para essa redução na internet móvel. Defendemos que ela deveria, no mínimo, observar a garantia de velocidade mínima presente nos regulamentos de qualidade da Anatel, agora em 30% da velocidade contratada", ressalta a advogada do Idec.
Para Veridiana, em geral, as propagandas dos planos são enganosas, seja por abusarem do uso do termo "ilimitado", seja por omitirem ou darem pouco destaque a informações relevantes, como a real velocidade da conexão ou as condições do pacote após o término da franquia. O artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) classifica como enganosa a publicidade que, mesmo por omissão, é capaz de induzir o consumidor a erro a respeito das características do produto ou serviço anunciado.
As publicidades do serviço de 3G estão na mira do Procon-SP. "Estamos apurando uma propaganda da Oi com o ator Gabriel Braga Nunes, lançada em julho, que dizia: 'Com a Oi você tem internet o tempo todo e em qualquer lugar'.
Para fazer tal afirmação, a empresa precisaria ter cobertura em todo o território nacional, o que não é o caso", informa Márcio Marcucci, diretor de fiscalização do órgão. Após a intervenção do Procon-SP, o texto foi alterado para 'Com a Oi você tem internet o tempo todo'.
A maioria das denúncias sobre publicidade enganosa é feita por consumidores e empresas concorrentes ao Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que já puniu a Oi, a Vivo, a Claro e a TIM pelo uso indiscriminado da palavra "ilimitado".
• MB (Megabyte) e GB (Gigabytes) são unidades de medida de dados. Em geral, os termos dizem respeito à quantidade de dados "consumidos" na navegação, sendo que GB é "maior" que MB.
• Mbps (megabit por segundo) e Kbps (kilobit por segundo) são unidades de medida da velocidade de transmissão de dados, sendo que Mbps é "mais" que Kbps.
CONTRATAÇÃO SEM INFORMAÇÃO
Além das confusões em relação ao serviço em geral, a pesquisa constatou que os usuários são mal informados sobre as características específicas de seus planos 3G no momento da contratação: mais da metade dos entrevistados (53% e 58%, respectivamente) diz não ter sido informada sobre a franquia, ou sobre o que acontece após atingi-la (se o acesso é bloqueado ou se a velocidade é reduzida). Além disso, 35% contrataram o serviço sem saber a velocidade da conexão. Mas, atenção, é preciso considerar que, em alguns casos, pode ter sido o consumidor que não entendeu ou não registrou a informação.
De acordo com o artigo 46 do CDC, o fornecedor é obrigado a entregar o contrato ao consumidor antes de o negócio ser fechado; esse documento precisa ser redigido de forma clara, facilitando a sua compreensão. Mas, de acordo com a pesquisa, essa regra não tem sido respeitada: 54% dos entrevistados não receberam nenhum documento e 22% afirmaram que o contrato ou regulamento foi enviado por SMS. "Provavelmente, esses 22% confundiram o contrato/regulamento com algum recado da operadora contendo algumas condições do pacote. Tendo em vista que o SMS não substitui o contrato ou regulamento 'físico', podemos afirmar que 76% dos entrevistados não os receberam", destaca a advogada do Idec.
Mesmo que recebessem o contrato, é provável que poucos entenderiam o seu conteúdo. Para testar o grau de compreensão dos usuários, incluímos no questionário da pesquisa uma cláusula referente a restrições de uso do serviço de banda larga móvel, presente no contrato de mais de uma operadora. Apenas 7% entenderam totalmente as informações; 21%, "quase totalmente"; 26% entenderam parcialmente; e 46% não compreenderam nada ou quase nada.