Transporte público, insatisfação coletiva
ÔNIBUS: ESPERE SENTADO
Não é fácil a vida de quem anda de ônibus. A pesquisa do Idec constatou que, em São Paulo, para chegar ao ponto mais próximo, o cidadão pode ter de andar até 1,5 km, dependendo da localidade (embora a média tenha sido de 275 metros). E corre-se o risco de passar pelo ponto e não vê-lo, pois muitos estão mal conservados e mal sinalizados. Em BH, a situação foi ainda pior: o pesquisador chegou a caminhar 2,4 km até encontrar um ponto (a distância média foi de 744 metros). Enfrentado esse primeiro desafio, é preciso esperar pelo ônibus. Nas duas cidades, houve casos em que os pesquisadores aguardaram o coletivo por 25 minutos e ele não passou. Eles acabaram desistindo, mas "na vida real" desistir não é uma opção.
Ufa, o ônibus chegou! Mas é bom que tenha restado um pouco de paciência, pois as viagens costumam demorar mais do que o previsto. Não é para menos, já que, em BH, a velocidade média do coletivo foi de 9 km/h, mas em alguns trechos chegou a míseros 3 km/h; em São Paulo, a média foi de 10 Km/h. Sem falar da superlotação, problema enfrentado pelos usuários paulistanos em 14% das viagens, nas quais há mais de cinco passageiros por metro quadrado, parâmetro definido em vários estudos para que o usuário tenha um mínimo de conforto na viagem.
Os mineiros viajam com mais espaço, mas, por outro lado, alguns trajetos são feitos "com emoção": motoristas imprudentes dirigem em alta velocidade, fazem manobras bruscas e param o veículo longe da calçada, colocando os passageiros em risco, o que infringe os artigos 4o, 8o e 14 do CDC e também o Decreto Municipal no 13.384/2008.
Além de paciência, quem é cadeirante precisa de certa dose de sorte, pois, tanto em São Paulo quanto em BH, em 20% das viagens o coletivo não tinha rampa de acesso para cadeira de rodas. Na capital mineira, os idosos também podem ter dificuldade para subir e descer dos veículos devido à altura dos degraus.
No quesito "informação", a situação em BH é melhor: tanto no ponto quanto dentro do veículo há explicação sobre linhas, itinerários, tempo de espera, mapa e telefone para contato. No entanto, os novos painéis digitais, adotados em alguns pontos, não mostram o tempo de espera adequadamente ou nem funcionam. Já os internautas encontram dificuldades para localizar os melhores trajetos e alguns dados no site da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans). Registrar uma reclamação também não é tão fácil, já que a única forma de fazê-lo é online, o que exclui quem não tem acesso à internet. Em São Paulo, as informações nos veículos são incompletas e, no site, é difícil encontrar dados sobre as linhas e os melhores trajetos.
Se a viagem foi conturbada e o passageiro se sentir lesado, pode exigir o valor da passagem de volta, como garantem os artigos 6o, VI, e 20 do CDC, em caso de má prestação do serviço. Mas em São Paulo esse direito é dificultado, pois cabe ao cobrador e/ou motorista analisar cada caso e decidir se o bilhete será ou não devolvido. Em Belo Horizonte, pior ainda: o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) não sabia sequer informar sobre essa possibilidade. Veja na página 18 como reclamar se você passar por essa situação.
Ao todo, foram detectadas 85 irregularidades nos ônibus de São Paulo e 30 nos de Belo Horizonte (veja a tabela).
METRÔ: SUPERLOTAÇÃO E POUCA INFORMAÇÃO
A situação não é muito mais fácil para quem usa o metrô, principalmente em Belo Horizonte, embora tenham sido constatadas menos irregularidades do que nos ônibus: foram 23 na capital mineira e oito na paulista. Nas duas cidades, os usuários contam com estações confortáveis, limpas e bem conservadas. Mas, por outro lado, as viagens costumam demorar mais do que o informado no site das concessionárias do serviço.
Em São Paulo, o problema mais grave é a superlotação. Isso afetou, inclusive, o tempo de espera. Embora o intervalo entre os trens tenha sido homogêneo e dentro do previsto (cerca de quatro minutos), em várias viagens foi preciso esperar mais de quatro trens passarem para conseguir entrar (em 37,5% das viagens havia mais de cinco passageiros por m²). Em BH, o intervalo entre um trem e outro foi de sete minutos (mas houve trajeto em que o pesquisador aguardou 13 minutos); o regulamento do transporte da cidade não traz previsão sobre esse tema. Em São Paulo, o regulamento estabelece até 15 minutos – o que, convenhamos, é tempo demais pra esperar.
A acessibilidade também é falha no metrô de BH: a altura entre a plataforma e o vagão é de cerca de 5 cm, o que pode dificultar a vida de cadeirantes e de pessoas com deficiência visual ou de locomoção. Outro problema em algumas estações mineiras é o fato de não haver escadas suficientes, e de as saídas serem estreitas demais, o que gera aglomeração. Ainda em BH, o direito à devolução do bilhete ao usuário não é respeitado.
Enquanto nas estações de metrô da capital mineira o usuário é bem informado, no site, os dados sobre tempo e trajeto estão incompletos; e o atendimento por telefone é limitado, pois a central só funciona das 7h às 18h. Além disso, não está disponível para consulta nas estações um "manual" de direitos e deveres do usuário, como prevê o regulamento do metrô da cidade. Em São Paulo, o manual só está disponível no site da ViaQuatro, gestora da linha amarela do metrô, porém não vale para as demais linhas.
É direito seu
Não é raro ouvir quem anda de ônibus ou pega metrô reclamando da qualidade do transporte público (e não é para menos). Ainda assim, falta consciência de que os problemas enfrentados diariamente são, sim, irregularidades. "Nós temos uma relação diferente com os serviços públicos da que temos com os privados. Os direitos dos usuários de transporte coletivo não são claros, mas precisam ser, para que eles possam exigir que a prefeitura de seu município e os órgãos responsáveis façam melhorias efetivas para a mobilidade urbana e para a construção de cidades mais sustentáveis", ressalta Amaral, pesquisador do Idec.
João Alencar Oliveira Júnior, advogado, doutor em engenharia de transporte e analista de infraestrutura do Ministério do Planejamento, defende que a mobilidade urbana seja reconhecida como direito social – uma evolução dos direitos civis – assim como já são os direitos ao lazer, ao trabalho e à moradia. "Tal reconhecimento possibilitaria a previsão no orçamento da União, dos estados e dos municípios de recursos destinados à mobilidade urbana", afirma.
Se você passa perrengue no transporte, confira quais são os seus principais direitos, de acordo com o CDC, e exija respeito:
• serviço com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho;
• temperatura adequada, estrutura básica de brigada de incêndio e informações acessíveis, de forma a garantir a segurança e o conforto dos passageiros;
• informação clara, adequada e imediata sobre qualquer falha ou atraso;
• devolução do valor pago pela passagem em caso de má prestação do serviço (veículo quebrado, superlotação, falta de informação sobre pane etc.).
Leia o regulamento do transporte público da sua cidade para conhecer outros direitos.
São Paulo
• Ônibus: www.sptrans.com.br/sac/
• Metrô: www.metro.sp.gov.br/fale-conosco e www.viaquatro.com.br/fale-conosco (apenas para a linha amarela)
Belo Horizonte
• Ônibus: goo.gl/DxZTFH (link encurtado)
• Metrô: www.metrobh.gov.br/cbtu/final/fale/fale.htm
O Idec testou os ônibus e o metrô de Belo Horizonte e de São Paulo e constatou demora, superlotação e outros problemas que desrespeitam os direitos do usuário
Você trocaria o conforto do seu carro por um trem lotado, no qual precisa ficar em pé, muitas vezes durante todo o trajeto, ou por um ônibus também cheio, que demora até meia hora para passar? Dificilmente alguém responderia "sim" diante dessas opções. Essa é uma das principais dificuldades para resolver a questão da mobilidade urbana nas grandes cidades brasileiras, que passa por incentivar o uso do transporte coletivo em vez do individual. Mas o problema vai muito além disso. Para a maioria das pessoas, não há escolha: o transporte público é a única alternativa de locomoção para chegar ao trabalho, à escola e para realizar outras atividades do cotidiano. E esses cidadãos também merecem um serviço de qualidade.
Ou seja, oferecer transporte público acessível, confortável e eficiente não é só uma estratégia para que os motoristas se sintam encorajados a deixar o automóvel em casa, como também uma obrigação de prestar um serviço adequado a quem já é usuário. No entanto, a realidade é bem diferente. O Idec avaliou a qualidade dos ônibus e do metrô em São Paulo (SP) e em Belo Horizonte (MG) e constatou que, sim, há muitos problemas, como superlotação, atrasos e falta de informações sobre o itinerário – situações a que os passageiros já estão "habituados", mas que representam desrespeito aos seus direitos. "Os serviços públicos são considerados relação de consumo e, portanto, os direitos dos passageiros são garantidos pelo CDC [Código de Defesa do Consumidor]", informa Flavio Siqueira Junior, advogado do Idec. Ele destaca que o artigo 22 do Código determina que os serviços públicos devem ser prestados de forma adequada, eficiente e segura, sejam eles operados diretamente pelo órgão público ou por uma empresa concessionária ou permissionária.
A pesquisa foi feita em oito trajetos de metrô e 10 de ônibus de cada cidade (veja mais detalhes no quadro abaixo)."Essas duas capitais foram escolhidas para a primeira etapa da pesquisa porque são as de maior densidade demográfica que possuem as duas modalidades de transporte público analisadas: ônibus e metrô. Além disso, elas estão entre as cinco cidades com maior extensão de metrô e com maior frota de ônibus do país", explica João Paulo Amaral, pesquisador do Idec responsável pelo levantamento. Outras cidades serão avaliadas no ano que vem.
A avaliação foi realizada com base nos regulamentos específicos dos ônibus e metrô de cada cidade e também no CDC. Veja, a seguir, os principais resultados.
O objetivo da pesquisa, apoiada pela ClimateWorks Foundation, foi avaliar a qualidade do transporte público (metrô e ônibus) de São Paulo e Belo Horizonte e verificar se os direitos garantidos pelo Código de Defesa do Consumidor e por regulamentos específicos dos serviços estão sendo respeitados. Para isso, de 25 a 28 de julho deste ano, pesquisadores do Idec testaram os serviços nos horários de pico (entre 7h e 10h e entre 17h e 20h), passando-se por usuários comuns. Eles também acessaram os sites e telefonaram para as centrais de atendimento aos usuários das empresas a fim de buscar informações sobre o serviço.
Os trajetos avaliados (10 para ônibus e oito para metrô) foram definidos com base em pesquisas que demonstram quais são os locais com maior concentração comercial e demandas de viagem. Para completar alguns trajetos de ônibus, foram necessárias mais de uma viagem, ou seja, foi preciso pegar mais de um coletivo. Dessa forma, em São Paulo foram feitas 14 viagens e em Belo Horizonte, 11.
Os critérios avaliados foram: qualidade da viagem (velocidade média, intervalo médio, conforto, acessibilidade etc.); infraestrutura da estação de metrô e do ponto de ônibus (conservação, aparência e limpeza das estações e dos pontos, existência de bancos, informação sobre linhas e horários); infraestrutura do meio de transporte (conservação, aparência e limpeza do veículo, espaço entre a plataforma e o trem, altura dos degraus nos ônibus, informações aos usuários e existência de equipamentos de emergência); e atendimento ao usuário (existência de canais de reclamação, informação sobre o trajeto e sobre a devolução do bilhete em caso de má prestação do serviço etc.).