Ai, que dor no pé!
Se essa é uma reclamação corriqueira em sua vida, está na hora de reavaliar os sapatos que vem usando. Um calçado inadequado pode provocar desde calos e joanetes até deformações ósseas e problemas de coluna
Pense e responda com sinceridade: quando foi a última vez que você, deliberadamente, comprou um sapato que não estava perfeitamente ajustado aos seus pés? E quantas foram as vezes em que, por qualquer razão, insistiu no uso de um sapato desconfortável, que aperta, causa dor e inchaço? Se o leitor for homem, possivelmente se lembrará de uma ou outra ocasião, de um ou outro calçado cuja compra lhe trouxe arrependimentos. Mas, se a leitora for do sexo feminino... provavelmente os relatos serão muitos.
O fato é que, se você não for bailarino ou bailarina, desses que precisam se submeter a uma intensa rotina de ensaios em cima de uma sapatilha de ponta, não há razão nenhuma para deixar a sensação de dor tomar conta de seus pezinhos. A dor é uma resposta do organismo a um trauma mecânico, inflamatório, infeccioso etc., por isso nunca deve ser encarada como algo normal, tampouco ignorada. "É importante dar a devida atenção às dores, pois elas são o primeiro sinal de que algo não vai bem. Se insistimos no uso de sapatos que nos causam dor, podemos abrir caminho para o surgimento de calosidades e, posteriormente, de deformidades ósseas. Isso só para citar alguns dos problemas que a utilização de sapatos impróprios pode acarretar", alerta a ortopedista Cibele Réssio, especialista em pé e tornozelo pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Escolher bem o sapato é o primeiro passo para conseguir abandonar hábitos errados. Confira as dicas da Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé (ABTPé) e não se deixe influenciar unicamente pelo quesito beleza:
1 Prefira comprar sapatos no final da tarde ou à noite, pois os pés já estão um pouco inchados nesse período.
2 Observe se seus pés estão totalmente confortáveis no interior dos calçados e se há algum ponto de pressão ou de atrito exagerado. Esses pontos devem ser evitados.
3 Analise se o sapato continuaria confortável mesmo com o uso de meias.
4 Procure sentir se há espaço para movimentar os dedos dentro do calçado.
5 Se estiver em busca de um sapato de salto, opte por um modelo que não ultrapasse 3 cm de altura.
6 Repare se o sapato tem solas aderentes capazes de absorver os choques externos.
7 Prefira calçados feitos com material que permite a ventilação, como couro, lona ou pano. Evite os de plástico.
8 O modelo escolhido deve estar confortável na loja. Evite comprar com a esperança de o calçado lassear com o uso.
SINAIS DE MAUS TRATOS
Embora nossos pés representem uma porção diminuta do nosso corpo, a função que lhes cabe é uma das mais importantes. Eles nos oferecem sustentação, equilíbrio e possibilidade de locomoção, tudo isso graças ao engenhoso trabalho de 28 ossos, 33 articulações, 19 músculos e mais de 100 tendões. O curioso é que pouquíssimas pessoas dão atenção a isso no dia a dia e escolhem seus sapatos levando em conta, principalmente, o fator estético. Salvador Libarino Amorim, vice-presidente da Associação Brasileira de Podólogos, comenta que muitos pacientes portadores de podopatias são usuários de sapatos apertados, de bico fino, salto alto, entre outras características que colocam o calçado na condição de inimigo da saúde podal.
A lista dos males que o uso prolongado de calçados inadequados pode acarretar não é pequena. Sapatos apertados e/ou de bico fino são os responsáveis pelo aparecimento de calosidades nos dedos e planta dos pés, unhas encravadas, unhas infeccionadas e deformidades ósseas, como dedos em garra e joanete. Além de todos esses efeitos, o uso frequente do tão cobiçado salto alto pode provocar também encurtamento da musculatura posterior da perna e do pé, aumento da incidência de entorses e fraturas de pé e tornozelo, bem como dores na coluna.
E tem mais: recentemente, um estudo realizado pelo Departamento de Cirurgia Vascular e Endovascular do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (SP) não só comprovou o efeito prejudicial do uso prolongado de salto alto para pernas e pés, como revelou que o salto plataforma, considerado um dos mais confortáveis, está entre os maiores vilões do armário feminino. "É durante a caminhada que o efeito desse sapato se mostra mais deletério que os demais", explica o cirurgião vascular Wagner Tedeschi Filho, que encabeçou o estudo.
De acordo com o especialista, isso acontece porque o salto plataforma, cujo solado é rígido e maciço, limita radicalmente o movimento de flexão dos pés durante a marcha, e, ao fazer isso, impede que a sola do pé exerça sua função natural de bomba muscular, que ajuda o sangue a retornar ao coração (retorno venoso). Quando o sangue não retorna da forma como deve, uma parte dele acaba saindo dos limites por onde deveria circular, formando o volume residual venoso, que pode provocar inchaços, dores, escurecimento da cor da pele e varizes – e estas, quando complicadas, podem evoluir até mesmo para uma trombose. Segundo os resultados do estudo de Tedeschi, no uso do salto plataforma, o volume residual venoso fica 24% maior do que o normal; com o uso do salto agulha, esse valor é de 21%.
COMBATENDO OS EFEITOS
Se você está concluindo que a única saída para evitar todos esses problemas é se livrar definitivamente dos seus adorados sapatos, pode relaxar, pois talvez não seja necessário. Porém, é importantíssimo incorporar alguns hábitos que vão favorecer a saúde dos seus pés. Um deles é calçar o sapato que se pretende usar somente quando chegar ao local de destino. O trajeto até este lugar deve ser feito com um calçado confortável. Também é válido revezar os modelos sempre que possível, de preferência intercalando saltos altos e baixos.
Outra medida fundamental para evitar as dores causadas pelo salto alto (especialmente na parte posterior da perna) é praticar atividade física e alongar antes e depois do treino. Além disso, a rotina de exercícios também ajuda a evitar o sobrepeso, que pode agravar os efeitos do salto. Massagear os pés ao retirar os sapatos e repousar com as pernas para cima uma a duas vezes ao dia são sugestões simples e bastante eficientes. Tedeschi cita, ainda, as vantagens das meias elásticas compressivas, que podem aliviar a sensação de dor e o inchaço das pernas provocados pelo uso do salto alto (além de prevenir varizes). "Porém, é fundamental que elas sejam utilizadas a partir de recomendação médica", adverte o cirurgião vascular.
A podologia também recomenda terapias que ajudam a aliviar o estresse sofrido pelos pés. Além do tratamento podológico periódico, há opções como a terapia de escalda pés (não indicada para portadores de diabetes) e a reflexologia podal. "Cuidar dos pés periodicamente é sinônimo de qualidade de vida", afirma Amorim.
- Dedo em garra: é uma deformidade gerada pelo colapso ou flexão de uma ou duas articulações dos dedos do pé. Acomete com mais frequência o segundo, terceiro ou quarto dedo. Pode causar bastante dor ao andar. O tratamento pode ser clínico ou cirúrgico, dependendo da gravidade.
- Joanete: é o nome popular da doença Hálux Valgo. Trata-se de uma deformidade causada pelo desvio do osso do dedão sobre os demais ossos (falanges). Com o desvio, surge na região interna do pé um aumento de volume saliente que pode ser doloroso. Em muitos casos, a cirurgia é indicada para o alívio da dor e para a correção da deformidade.
- Calos: são espessamentos da pele causados por pressão ou atrito contínuos. Geralmente acometem a planta do pé, o calcanhar e os dedos. O uso de palmilhas nos sapatos pode evitar o surgimento.
- Encurtamento da musculatura posterior da pernas: quando usa salto alto, a mulher fica em uma posição de ponta de pé. Essa posição gera a contração do músculo da panturrilha que, com o uso prolongado do salto, pode sofrer encurtamento. É comum a mulher reclamar de dores nas pernas quando tira o salto ou calça sapato de solado plano.
O SAPATO IDEAL
Segundo a ortopedista Cibele Réssio, o tênis, quando confortável e arejado, é um dos melhores calçados para os nossos pés, pois protege, absorve o impacto e distribui melhor o peso corporal. Porém, como muitas vezes ele é considerado informal demais para algumas atividades rotineiras, a saída é procurar modelos com características similares, por exemplo, sapatos que tenham espaço suficiente na parte da frente para que os dedos possam fazer o movimento de extensão e flexão livremente, firmeza na parte que acomoda o calcanhar e palmilha macia para acomodar a planta do pé confortavelmente (veja recomendações para a compra de calçado no quadro na página 27). Caso a opção seja por sapatos de salto, sua altura não deve ultrapassar 3 centímetros (cm). O ideal é que o salto seja mais largo também, pois propicia maior apoio ao calcanhar e diminui o risco de torções.
Portadores de diabetes devem redobrar a atenção e evitar ao máximo qualquer sapato inadequado. Com a evolução da doença, há uma condição de neurite (inflamação dos nervos) que diminui a sensibilidade dos pés. Sem a proteção da dor, o paciente pode acabar machucando seu pé sem sequer se dar conta. Para piorar, o diabetes retarda a cicatrização das lesões cutâneas.
SAIBA MAIS
- Leia a matéria Pernas, pra que vos quero?, publicada na edição nº 164 da Revista do Idec, e confira dicas para a escolha de tênis: http://goo.gl/75SvT