Nova forma de cobrança
Já presentes nas contas de luz, as bandeiras verde, amarela e vermelha sinalizam se a tarifa do mês custaria mais ou menos, em função das condições de geração de energia elétrica. Por enquanto, a informação é educativa, mas em 2014 será pra valer
Nem todos os consumidores perceberam, mas, desde junho, as contas de luz estão chegando com uma informação a mais: qual é a bandeira tarifária do mês. No Sudeste, em junho, vigoraria a bandeira vermelha. Ou seja, se a cobrança já estivesse levando em conta esse critério, os consumidores da região teriam pagado um acréscimo de R$ 3,00 para cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumidos. Essa sinalização está ocorrendo este ano em caráter educativo, para que os consumidores se acostumem com a nova forma de cobrança do serviço, instituída pela Resolução Normativa 547/2013 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que entrará em vigor, efetivamente, em 2014. Para especialistas na área, essa informação é importante para o consumidor saber por que está pagando mais na conta de luz, porém, ele não poderá fazer quase nada para evitar a cobrança diferenciada.
Para entender como esse novo critério funciona, é preciso lembrar que a energia elétrica no Brasil é gerada predominantemente por usinas hidrelétricas. Para gerar energia, essas usinas dependem das chuvas e do nível de água nos reservatórios. Quando há pouca água armazenada, usinas termelétricas podem ser acionadas a fim de poupar água nos reservatórios das hidrelétricas e manter o funcionamento do sistema elétrico. Com isso, o custo de geração aumenta, pois essas usinas são movidas a combustíveis como gás natural, carvão, óleo e diesel. Por outro lado, quando há muita água armazenada, as térmicas não precisam ser ligadas, logo, o custo de geração é menor.
Cristina Noda, especialista em regulação da Aneel, explica que as bandeiras tarifárias vão mudar de acordo com a geração de energia. A bandeira verde valerá quando os reservatórios de água estiverem cheios; assim, a tarifa não sofrerá qualquer acréscimo. Na bandeira amarela, com as condições de geração menos favoráveis, a tarifa sofrerá um acréscimo de R$ 1,50 para cada 100 kWh consumidos. E, na bandeira vermelha, quando os custos de geração são maiores, a tarifa terá um acréscimo de R$ 3,00 para cada 100 kWh consumidos.
De acordo com Cristina, as bandeiras tarifárias não são uma cobrança a mais que será incluída, e sim uma forma diferente de apresentar um custo que hoje já está na conta de luz. "Atualmente, os custos com compra de energia pelas distribuidoras são incluídos no cálculo anual de reajuste das tarifas. Dessa forma, os custos da geração de energia são repassados aos consumidores um ano depois de ocorridos, quando a tarifa sofre o reajuste anual. Com as bandeiras, haverá uma sinalização mensal do custo, e o repasse será imediato", esclarece.
A advogada do Idec Mariana Alves Tornero avalia que, para o consumidor, a única vantagem das bandeiras seria a informação mais clara de quanto os custos de geração de energia impactam em sua conta de luz. No entanto, ela observa que, da forma como a bandeira vem sendo indicada nessa fase experimental, tal objetivo não será atendido. "Poucos notaram essa nova informação na fatura. A Aneel deveria utilizar a cor correspondente à bandeira do mês para facilitar a visualização e o entendimento do consumidor", opina. Por enquanto, a bandeira está sendo indicada apenas por escrito, sem o recurso cromático.
CONSUMIDOR DE MÃOS ATADAS
A especialista da Aneel acredita que, com a aplicação das bandeiras tarifárias, o consumidor terá a oportunidade de gerenciar melhor o seu consumo de energia, investindo, por exemplo, em eletrodomésticos mais eficientes. "A expectativa é que a sinalização de aumentos de custos devido à escassez de água leve a uma discussão sobre formas de redução do consumo", afirma Cristina. Já a advogada do Idec tem poucas expectativas quanto a essa possibilidade. "Para que a cobrança pela bandeira se revertesse, seria necessário que todos os consumidores diminuíssem o seu consumo. Na prática, o usuário, individualmente, não tem como evitar o aumento", critica. Segundo Mariana, a nova regra das bandeiras tarifárias pode ter ainda um impacto negativo de provocar reajustes mensais na conta, dependendo do nível dos reservatórios.
O diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), Roberto D'Araújo, vai além: para ele, a adoção das bandeiras tarifárias é uma das maiores aberrações brasileiras, pois o consumidor vai pagar uma conta cuja gestão não tem responsabilidade e nem qualquer influência. "Pagamos uma das tarifas mais caras do mundo de energia elétrica. Se nos compararmos com o Canadá, um país com sistema hidrelétrico semelhante ao do Brasil, pagamos quase o triplo. Além de termos uma carga tributária imensa, há muitos problemas de má gestão, falta de planejamento, perda na distribuição, roubo de energia, perdas elétricas por mal dimensionamento da rede – problemas à parte da questão da quantidade de água nos reservatórios. E o consumidor paga por tudo isso", explica.
"Para reverter a cobrança pela bandeira, todos os consumidores precisariam diminuir o consumo de energia elétrica. Na prática, o usuário, individualmente, não consegue evitar o aumento"
Mariana Alves Tornero, advogada do Idec
D'Araújo critica ainda o fato de que, com as bandeiras tarifárias, o aumento por kWh será o mesmo para quem economiza ou para quem gasta muita luz. "A Aneel aprovou um formato que, percentualmente, vai punir igualmente o consumidor que desperdiça energia e o econômico. E os problemas de má gestão do sistema continuarão escondidos", finaliza.
TARIFA BRANCA
Está em audiência pública até 6 de agosto a minuta de regulamentação para a adoção da chamada "tarifa branca", uma forma de cobrança de energia elétrica que prevê redução das tarifas no uso fora dos horários de pico. Para a advogada do Idec, o texto da regulamentação suscita dúvidas, como quais serão as faixas de horários e os valores da tarifa em cada uma delas. "É inadmissível que no horário de pico o valor da tarifa seja mais alto do que o atual, pois já pagamos muito caro. O que poderia haver é um desconto para consumo nas outras faixas de horários, porém a norma não é clara quanto a isso", diz Mariana.
Marcos Bragatto, superintendente de regulação da Aneel, explica que a adoção da bandeira branca já foi aprovada e instituída pela Resolução 502/2012. O que está sendo discutido agora são os aspectos comerciais. Ele esclarece que o consumidor poderá adotar ou não essa modalidade. "O usuário precisa analisar se, pela sua rotina, vale a pena optar pela tarifa branca. Hoje, a tarifa é uma só, e o consumidor não tem como reduzir a sua conta, mas, se tiver horários alternativos no seu dia a dia, poderá economizar", argumenta Bragatto. "A faixa de horário de pico de uso de energia é de 18h a 21h. Para um consumidor comercial, por exemplo, que fecha o escritório às 18 horas, é interessante adotar a tarifa branca. As concessionárias deverão oferecer simuladores, e o consumidor poderá voltar atrás, se achar que não houve vantagem", explica.
Outra questão fundamental é que, para haver um controle dos horários de pico de uso, é necessário ter um medidor eletrônico. Segundo Bragatto, as concessionárias deverão bancar o aparelho, mas há ainda o custo de instalação e de outras informações que o medidor poderá fornecer que, possivelmente, será cobrado à parte.
O sistema de cobrança de tarifa branca já é adotado em países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Chile e Austrália, mas a maioria dos consumidores domésticos tem pouco incentivo para alterar hábitos de consumo e reduzir o gasto de energia.
Para Mariana, como ainda há muitas questões a serem esclarecidas na regulamentação, a discussão sobre a tarifa branca deveria ser ampliada. "Estavam previstas audiências presenciais sobre o tema em várias capitais, mas, em 9 de junho, foram todas canceladas. Até agora, só houve uma, em Brasília (DF). O Idec pediu que a Aneel reagende as reuniões, pois a regulamentação está cheia de lacunas, e o assunto precisa ser mais bem discutido", informa a advogada.