Nas mãos do STF
Depois de mais de 20 anos de lutas para garantir aos poupadores a restituição dos prejuízos com os planos econômicos, o cenário é de incertezas. Todas as ações sobre o tema sem decisão definitiva estão suspensas desde 2010, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que julgaria quatro recursos sobre o assunto pela sistemática da repercussão geral – o que significa que o que for decidido nessa ocasião valerá para todos os processos semelhantes. Outra ameaça é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 165, movida em 2008 pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) com o objetivo de extinguir todas as ações sobre as perdas das cadernetas de poupança, que também cabe ao STF julgar.
Para saber quais são as expectativas sobre essas decisões que redefinirão o rumo dos planos econômicos, conversamos com o advogado Walter Faiad, professor de Direito Civil e do Consumidor e presidente do Instituto Brasileiro de Política e Defesa do Consumidor (Brasilcon), com sede em Brasília (DF).
Idec: Por que o STF está demorando tanto para realizar o julgamento dos recursos de planos econômicos? Quais são as implicações dessa demora para a sociedade e para os poupadores, que já aguardam há mais de 20 anos?
WALTER FAIAD: O STF tem enfrentado uma pauta extensa de julgamentos, que coincidiu com o dos recursos sobre os planos econômicos. Houve também a troca de sucessivas presidências em menos de dois anos, em função da aposentaria de ministros. Tudo isso gera atraso.
A principal implicação dessa demora é o sentimento de indefinição que gera no poupador, que ainda não goza da segurança de que a solução do Judiciário para os planos econômicos é definitiva. Ou seja, o medo de que o Supremo revise tudo o quanto já foi decidido ao longo de mais de 20 anos de discussões judiciais.
Idec: Além dos recursos pela repercussão geral, o STF também tem a ADPF 165 para julgar. Em sua opinião, em qual dos dois casos há mais risco para os poupadores? Por quê?
WF: No meu ponto de vista, a ADPF, com todo o respeito à tese nela contida, não tem viabilidade técnica para reconhecer a constitucionalidade, muito menos o descumprimento de preceito fundamental, dos planos econômicos, e, assim, empurrar toda a responsabilidade ao Poder Público. Em todas as instâncias até hoje discutidas, ficou mais do que comprovado que as instituições financeiras agiram por conta e risco próprios. Todas as demandas judiciais apresentadas, inclusive o parecer técnico da Procuradoria-Geral da República, demonstram claramente que os bancos embolsaram e lucraram com os valores que deveriam ser remunerados às cadernetas de poupança.
Já em relação aos recursos, a minha expectativa é de que seja mantida a jurisprudência hoje praticada, muito embora o Supremo possa modificar o seu entendimento.
Idec: Em 2008, o então Advogado Geral da União, Antônio Dias Toffoli, se manifestou publicamente a favor dos bancos quando a ADPF 165 foi articulada. Hoje, Toffoli é ministro do STF e relator de dois dos quatro processos sobre planos econômicos a serem julgados (os outros dois estão sob relatoria de Gilmar Mendes). Se ele mantiver a sua posição a favor dos bancos, a causa está perdida?
WF: A sinalização do ministro Dias Toffoli foi feita em um momento de vinculação institucional à AGU [Advocacia Geral da União]. Hoje, ele ocupa outra função pública e tem outras atribuições. Depende dele decidir se vai ou não julgar esse tema, levando em conta a sua postura de isenção, mas não existe impedimento legal [para que ele julgue o caso]. Além disso, ele é só um entre outros ministros. O seu voto como relator pode ter um peso maior, mas os outros ministros têm o mesmo poder de decisão.
Idec: O Banco Central (BC) também já assumiu formalmente que está do lado das instituições financeiras nessa questão, e inclusive participa da ADPF 165 como amicus curiae (ou "amigo da corte", um mecanismo no qual entidades que não são parte do processo atuam como interessadas na causa). Além disso, as ações sobre o tema foram suspensas pelo STF a pedido da Procuradoria Geral da República. Qual pode ser o peso das opiniões de órgãos do governo na decisão do Supremo?
WF: A postura do BC de aderir à tese da Consif é lastimável. O que se espera do órgão regulador em uma demanda que envolve os interesses dos consumidores e das instituições financeiras é a imparcialidade. Entretanto, ao tomar partido dos bancos, o Banco Central desconsidera a vulnerabilidade dos poupadores, que é constitucionalmente impositiva à sua conduta.
A atividade de julgador no STF já é difícil pela qualidade das discussões lá instaladas. O problema aumenta quando a posição desses órgãos [federais] representa um argumento de pressão econômica, e de suposto caos caso os ministros decidam contra a sua posição. Ora, o judiciário deve julgar a lei doa a quem doer!
Idec: O direito dos poupadores à recuperação das perdas com os planos econômicos, principalmente no caso dos planos Verão e Bresser, é amplamente reconhecido pela Justiça. Assim, diz-se que, caso o STF decida a favor dos bancos, modificando um entendimento já consolidado, teremos uma situação de "insegurança jurídica" no país. O que isso significa?
WF: Esse ponto é muito importante. Entre 2008 e 2010, o Brasil mostrou que o consumidor é uma parcela essencial do mercado, que exerce influência direta no desempenho da economia, portanto merece especial atenção. O consumidor não é um objeto, ele é um sujeito pensante, que, assim como as empresas, só pode bem decidir e escolher caso confie na solidez das regras e decisões que afetam o seu patrimônio. Assim, o STF precisa pensar cada vez mais que as suas decisões devem prestigiar a segurança jurídica não apenas ao governo, ou ao setor produtivo, mas também à classe consumidora. Esse é um elemento essencial para manter os bons níveis de confiança do brasileiro no país em sua estrutura econômica, especialmente nesses momentos em que a população tem trazido a sua insatisfação às ruas.
Idec: Apesar de todas as ameaças, os poupadores têm também muitos pontos a seu favor. O Idec já demostrou em diversas oportunidades que os argumentos dos bancos são falaciosos. Além do entendimento pacificado na Justiça a favor dos poupadores, a alegação de que o pagamento das ações acarretaria risco para o sistema financeiro também foi desmontada com um estudo que prova que os bancos têm, sim, plena capacidade de pagar. Esses fatos devem ser levados em conta nos julgamentos do STF?
WF: É comum as instituições financeiras apresentarem um cenário de caos econômico para pressionar o julgador. No caso dos planos econômicos, não existe risco no cumprimento da decisão, não existe o caos inventado pelos bancos na hipótese de pagamento. As execuções já existem, elas já estão sendo pagas, e os bancos já computaram o pagamento dessas dívidas nos seus balanços, ou seja, o dinheiro já está reservado. O brasileiro pode ficar tranquilo, pois não haverá ruptura de equilíbrio econômico com esse pagamento.
Idec: Além do STF, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem um importante papel definidor nas questões relativas aos planos econômicos. Porém, nos últimos tempos, o STJ tem tomado decisões desfavoráveis aos poupadores, como a redução do prazo para ingressar com ações civis públicas de 20 para cinco anos, o que prejudicou uma série de processos sobre o tema. Qual a sua impressão sobre essa mudança de postura do STJ?
WF: Especificamente em relação aos efeitos práticos dos planos econômicos, é nítida a adoção de uma jurisprudência restritiva ao direito dos poupadores, ao dar interpretações inovadoras para situações que já eram velhas conhecidas. O exemplo mais desconfortável para a segurança jurídica do consumidor foi a redução do prazo prescricional para ação coletiva de consumo. Nessa decisão, o tribunal substituiu o legislador e frustrou a boa-fé de um número incalculável de poupadores.
Os planos econômicos são muito discutidos e geram um volume considerável de ações. Diante dessa circunstância, o Poder Judiciário não pode enfrentar os reclames do consumidor com impaciência, tampouco buscando soluções de extinção prematura do problema. Existem vidas e famílias que convivem de modo doloroso não só com os problemas econômicos causados pelos planos, mas também com a incerteza de que a situação pode ainda piorar.
Idec: O Idec foi pioneiro na proposição de ações civis públicas (ACPs) sobre planos econômicos, no início dos anos 90. Tanto tempo depois, o Instituto ainda precisa, em alguns casos, brigar para provar a sua legitimidade para entrar com esse tipo de ação. Por que há tanta resistência do Poder Judiciário à ACP?
WF: Isso representa um contrassenso do Poder Judiciário, que trabalha cada vez mais para reduzir o número de suas demandas. A atuação por legitimação coletiva feita pelo Idec e por outras entidades é um grande avanço da lei brasileira para a concentração de soluções uniformes a beneficiar consumidores na mesma situação.
SAIBA MAIS
Tudo sobre planos econômicos — matéria que informa a situação das ações do Idec sobre o tema, publicada na edição nº 164 http://goo.gl/e4GQ9