Pacote de problemas
QUESTÃO DE PREÇO
O preço do combo é, certamente, um dos seus principais atrativos para o usuário. Afinal, para estimular a sua contratação, as empresas diminuem o valor do pacote em comparação com os mesmos serviços avulsos. O desconto é natural e permitido, mas não pode haver abusos, como o valor de um único serviço ser mais caro do que o do combo que inclui esse plano, por exemplo. “Essa regra está prevista no regulamento de TV por assinatura, mas, por analogia, consideramos que deveria valer para todos os serviços da oferta”, explica a advogada do Idec. Nos combos avaliados, essa irregularidade não foi identificada; no entanto, durante a pesquisa, foi verificado que ela existe em outros pacotes, principalmente no de dois serviços. Por exemplo, a banda larga da Oi de 2 Mbps (megabits por segundo) sozinha custa R$ 74,90, enquanto em conjunto com o telefone fixo sai por R$ 49,90.
Entre os combos analisados, mesmo que o valor do serviço avulso não seja inflacionado a esse ponto, há casos em que é notadamente exagerado. No Combo Multi, por exemplo, o preço da banda larga mais que dobra: passa de R$ 59,90 (dentro do combo) para R$ 129,90 (avulsa). No caso da Net, o problema para quem quiser contratar um único serviço é a cobrança de taxa de adesão: na contratação do combo, o cliente paga R$ 60, no total, relativo a essa taxa. Quem quiser apenas o telefone fixo desembolsa R$ 300 de adesão. “Um aumento tão grande no valor das mensalidades ou de taxas somente pode ter o intuito de induzir a escolha do combo”, ressalta Veridiana. Essa prática é abusiva e contraria diretamente o artigo 75, parágrafo 6o, do regulamento SeAC, segundo o qual a prestadora não pode “impor qualquer barreira não justificada que possa impedir a contratação individualizada pelo consumidor de cada serviço de telecomunicações integrante da oferta conjunta”.
Para que o desconto dado no combo fique mais claro para o consumidor, o mesmo regulamento da Anatel também determina que seja informado na oferta do pacote o valor “normal” dos serviços se forem contratados separadamente. Mas as empresas ignoram essa regra. No caso da Oi, por exemplo, não há nenhuma pista do valor dos serviços avulsos na página de oferta, nem na de contratação do site, e a central de vendas tampouco soube informar.
Nem mesmo o valor da mensalidade é informado corretamente. Com exceção da GVT, as operadoras apresentam um preço que somente é válido se o pagamento for feito por débito automático ou cartão de crédito. Se o cliente optar por boleto, por exemplo, fica mais caro. “O destaque para o preço que pressupõe formas específicas de pagamento torna a oferta enganosa”, destaca Veridiana.
MERA PROMOÇÃO
Uma das brechas deixadas pela ausência de regulamentação sobre a contratação conjunta é: o que acontece se o consumidor quiser cancelar apenas um dos serviços que compõem o combo? É provável que a maioria dos clientes contrate o pacote sem saber a resposta, pois a informação não consta das páginas de oferta ou de contratação dos combos no site das empresas (com exceção do Combo Multi, que inclui uma nota de rodapé, e a Net, que em um link com pouco destaque dá acesso a um texto grande com várias informações relevantes sobre as condições dos combos). Somente se ler o contrato ou o regulamento ou questionar a central de atendimento é que o usuário vai descobrir que, nesse caso, perderá os descontos e benefícios vinculados ao combo – ou seja, os serviços restantes passam a ser cobrados como avulsos –, e ainda pagará multa pela quebra de fidelização do serviço cancelado.
De acordo com Veridiana Alimonti, as empresas tratam o combo como uma espécie de promoção. O cancelamento de um serviço implica na descaracterização do pacote e, por isso, a empresa não é obrigada a manter os descontos. No entanto, é abusivo cobrar multa caso seja o telefone fixo ou a banda larga fixa um dos serviços cancelados (dentro ou fora do combo), pois, de acordo com as regras da Anatel, eles não podem ser fidelizados. Segundo a agência reguladora, o caráter promocional do combo não é ilegal, mas essa condição deve ficar clara. “A oferta deve indicar que se trata de uma promoção, qual a sua duração e quais as condições após esse prazo”, declara a agência por meio de sua assessoria de imprensa. A advogada do Idec concorda. “O problema é que, na prática, essa informação essencial sobre o serviço é omitida ou apresentada com pouco destaque”, ressalta Veridiana.
A suspensão parcial do combo é um dos pontos que a Anatel pretende tratar na regulamentação que resultará da Consulta Pública no 14/2013, o que indica que esse deve ser um dos principais pontos de conflito sobre combos entre os consumidores e as operadoras. De acordo com a proposta da agência, em caso de cancelamento de um dos serviços, “pode” haver redução proporcional do preço do pacote – no entanto, sem obrigar as empresas a isso, é pouco provável que haja mudança. Além disso, a Anatel também quer proibir que as empresas cobrem mais caro pelos serviços que ficaram do que o valor inicial do combo. Por exemplo, se um pacote com três serviços foi contratado por R$ 100, caso o consumidor desista de um deles depois, o preço dos outros dois deve ser R$ 99, no máximo.
Além da questão do cancelamento, mais grave é que algumas empresas declaram que, pelo caráter promocional do combo, podem mudar a qualquer momento as regras do serviço ou suspender os benefícios vinculados ao pacote se o consumidor ficar inadimplente. “Isso é absolutamente ilegal, pois configura alteração unilateral do contrato, proibido pelo CDC. Apesar de serem cláusulas abusivas e, portanto, nulas, elas refletem prática comercial inadequada das empresas que nem sempre é contestada pelo cliente”, destaca a advogada do Idec.
Nesse cenário, é fundamental que o consumidor verifique com cuidado e atenção todas as condições da prestação do serviço antes da contratação de um combo: consultar o site com calma, ligar na central de atendimento (e gravar a chamada, de preferência) e ler o contrato e regulamentos são passos mais que recomendáveis. A oferta de combos de telefone, banda larga e TV por assinatura reúne uma série de práticas abusivas, como exigência de fidelização, barreiras para contratação do serviço avulso e falta de informações claras de que o pacote é, na verdade, uma “promoção”
Em setembro do ano passado, a bibliotecária e associada do Idec Maria Edite de Souza Bispo, 48 anos, de São Paulo (SP), contratou um combo da Net com banda larga, TV por assinatura e telefone fixo, embora não tivesse interesse nesse último serviço. “O atendente disse que não dava para tirar o telefone do pacote, mas que eu não pagaria nenhuma taxa por ele durante seis meses, e que teria 300 minutos de ligações para outros números fixos”, conta a bibliotecária. Ela aceitou, acreditando que o telefone sairia de graça nesse período, mas as coisas não aconteceram como prometido: as chamadas para números fixos foram tarifadas desde o primeiro mês e, além disso, o valor da mensalidade foi cobrado errado várias vezes. Diante dos problemas, a bibliotecária resolveu cancelar o pacote. Mas aí outra “surpresa”: ela teria de pagar uma multa, pois a contratação fora feita com fidelização de um ano, sem que a consumidora nem sequer fosse avisada. “O que mais me chateia é que no site da Net não tem várias informações sobre o combo. Aí, você liga na central de atendimento para ter certeza do que está contratando e depois não pode comprovar o que o atendente falou”, queixa-se Maria Edite, que levou o caso ao Procon.
A história vivida pela associada não é exceção. Ela revela alguns dos problemas típicos dos combos, como mostram os resultados de uma pesquisa realizada pelo Idec, que avaliou as condições para a contratação de pacotes das empresas GVT, Net, Oi, Vivo, e a oferta Combo Multi, que envolve serviços das operadoras Net, Embratel e Claro (que pertencem ao mesmo grupo empresarial, o América Móvil). “Muitos problemas que já existem nos serviços separadamente são multiplicados na contratação dos combos”, resume Veridiana Alimonti, advogada do Idec responsável pelo levantamento. O agravante é que praticamente não há regras específicas que tratem da contratação conjunta – cada serviço tem um regulamento específico. Algumas raras exceções estão nas novas regras de TV por assinatura (regulamento do Serviço de Acesso Condicionado – SeAC), aprovadas no ano passado. Mas poucas das normas ali previstas sobre a contratação combinada se aplicam a outros serviços também; a maioria só vale para a TV. Essa situação pode mudar em breve, pois está em discussão na consulta pública no 14/2013 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a unificação das regras dos serviços de telecomunicações referentes a atendimento e cobrança. Entre outras coisas, o texto, aberto para contribuições até meados de maio, propõe parâmetros mais precisos para a oferta de combos. “Diante do cenário de expansão da venda desses pacotes, é fundamental que haja uma regulação setorial compatível com a convergência dos serviços de telecomunicações”, defende Veridiana. Veja na tabela na página 16 os principais pontos avaliados na pesquisa e o desempenho de cada empresa.
Com o intuito de verificar se as práticas na oferta e na contratação de combos estão de acordo com a regulação da Anatel e a legislação de defesa do consumidor, o Idec avaliou as condições dadas pelas empresas GVT, Net, Oi, Vivo, e a oferta Combo Multi, que envolve serviços das operadoras Net, Embratel e Claro.
Foram selecionados os combos mais baratos que continham pelo menos três serviços e incluíam TV por assinatura. Nos casos em que a empresa permite que o cliente monte o combo e também tem pacotes com combinações recomendadas, as duas opções mais baratas foram analisadas. As informações foram obtidas nos sites, nas centrais de televendas das operadoras e nos contratos dos serviços e regulamentos dos combos. A pesquisa foi realizada com o apoio da Fundação Ford.
BOM NEGÓCIO PARA QUEM?
A oferta de combos é um modelo consolidado no setor de telecomunicações, reflexo da chamada “convergência tecnológica”. “A digitalização das comunicações rompe com a separação tradicional de serviços, redes e plataformas que existia antes no segmento. Hoje, o cenário é de convergência não só de tecnologia como também de empresas, que passam a prestar variados serviços, em vez de se especializarem em apenas um nicho, concentrando o mercado”, destaca Veridiana. Um exemplo claro disso é a oferta Combo Multi, lançada em 2011 pelo grupo América Móvil, que reúne serviços de três “marcas” diferentes. Agora, o grupo avalia unir as atividades da Claro, Embratel e Net em uma única operação no Brasil, segundo o noticiado pela grande imprensa em abril. O combo traz muitas vantagens à empresa (menos custos porque presta vários serviços por meio de uma única rede; maior chance de manter o cliente etc.). Não por acaso há centenas de opções de pacotes disponíveis no mercado, com variados formatos e condições. Para o consumidor, o combo também pode ser vantajoso, afinal, é melhor contratar vários serviços de uma empresa só com desconto. O problema é quando esse modelo dá espaço para práticas abusivas. “Para valer a pena para o usuário, é preciso que haja regras claras para os combos, e que elas sejam respeitadas”, resume a advogada do Idec.
Apesar dos benefícios que já têm com a venda dos combos, algumas empresas ainda querem tirar mais vantagem, exigindo – abusivamente – fidelidade do consumidor ao pacote, como é o caso da Net e do Combo Multi. As demais empresas propõem ou obrigam a fidelização nos serviços avulsos, até mesmo para os que não podem ser fidelizados, como a banda larga fixa. “Não há regulamentação específica sobre o tema para os combos, mas a regra geral estabelece que a fidelização, quando permitida, deve ser uma opção ao consumidor em troca de um benefício. O desconto dado pelo pacote em si não pode ser considerado como suficiente para a fidelidade, pois a sua venda também é de interesse da empresa. Assim, condicionar a contratação do combo à permanência no pacote é uma vantagem excessiva para as operadoras”, destaca Veridiana.
EMPRESAS RESPONDEM
O Idec comunicou as operadoras sobre os resultados da pesquisa. Veja, a seguir, um resumo de suas respostas:
Combo Multi: confirma que os combos são oferecidos apenas com fidelidade, e que a única forma de pagamento admitida é o débito automático, mas destaca que essas condições não são exigidas na contratação avulsa. Diz que, em virtude das contribuições do Idec, o site do Combo Multi será atualizado e melhorado, a fim de esclarecer questões como a vigência das ofertas, e facilitar o acesso ao regulamento.
NET: sobre cobrança de taxas de adesão e instalação mais caras na contratação avulsa em comparação com o combo, alega que “a aquisição em conjunto possibilita à prestadora ofertar os mesmos serviços com preços e condições promocionais”, que visam a beneficiar o cliente que se propõe a assinar mais serviços. A empresa justifica que todos os combos exigem fidelização porque “ao reduzir o custo de entrada para o cliente, a prestadora espera, como contrapartida, maior garantia de sua permanência”, e discorda, ainda, que não possa haver fidelização na banda larga fixa. Sobre as condições para cancelamento parcial dos serviços, afirma que a informação está no site. Porém, como mostra o printscreen da página enviada pela operadora, o conteúdo está numa caixa de diálogo que só é acessada se o internauta clicar num link de pouco destaque. Dessa forma, o Idec considera que a comunicação não é adequada.
GVT: argumenta que a diferença de preço de mensalidade e de taxas na contratação avulsa e nos combos deve-se ao fato de ter uma tecnologia que possibilita o uso da mesma estrutura para o serviço de voz e banda larga por mais de um assinante, partilhando os custos da operação e reduzindo o preço final dos serviços. A empresa ressalta que não impede a contratação avulsa, mas que ela é mais cara porque gera mais custos e reforça, ainda, que os canais de venda não são organizados com o propósito de induzir ao combo, e que dá destaque aos produtos combinados porque “efetivamente acredita que todos – empresa e consumidor – são beneficiados com esse modelo de contratação”. Sobre a exigência de fidelidade, a GVT afirma que ela é uma contrapartida proporcional aos benefícios e vantagens oferecidos no combo, e que os canais de venda deixam explícitas essas condições, respeitando o direito à informação. Informa que em caso de cancelamento parcial do combo os descontos remanescentes variam de acordo com o serviço retirado, mas que o valor dos serviços restantes nunca ultrapassa o preço inicial do pacote.
Oi: com relação aos resultados da pesquisa, diz apenas que “tem planos e serviços para todos os perfis de clientes, com foco em ofertas convergentes, que geram economia e comodidade”, e informa que o contrato de TV por assinatura e as opções de planos de banda larga sem fidelização estão disponíveis na página virtual de cada respectivo serviço.
Vivo: afirma que divulga o preço avulso dos serviços em seu site, cumprindo a determinação da Anatel. No entanto, o regulamento se refere às peças publicitárias da oferta conjunta, de modo que não basta que tais informações estejam no site da empresa. A Vivo nega que induza à escolha do combo, pois informa o preço dos produtos avulsos e no pacote, dando ao consumidor a oportunidade de decisão. Quanto ao cancelamento parcial, diz que os procedimentos são informados nos regulamentos das promoções, sites e contrato, além de serem repassados quando o cliente entra em contato com central de atendimento. A operadora confirma que não há fidelidade nos combos e explica que no caso da TV por assinatura não há fidelização, mas sim a cobrança de taxa de adesão se o consumidor rescindir o contrato antes de 12 meses.