Não compre, troque
Você já ouviu falar em consumo colaborativo? O termo pode ser novo, mas a prática, não. Essa forma sustentável de se consumir consiste em trocar, alugar ou emprestar objetos em vez de comprá-los: você pode trocar aquele violão que ganhou, mas nunca tocou, por uma bicicleta; alugar uma furadeira para pendurar os quadros na casa nova, em vez de comprar uma para usar somente uma vez e depois jogá-la num canto qualquer; ou ainda pegar emprestado aquele best-seller que todo mundo está lendo, mas que custa muito caro para o seu bolso. Não é por acaso que o consumo colaborativo ganhou força com a crise de 2008 nos Estados Unidos.
E a internet é o espaço ideal para que essa maneira de acessar bens e serviços seja colocada em prática. É só fazer uma busca no Google que você encontrará diversos sites de troca, aluguel e compartilhamento.
A seguir, o geógrafo Arpad Spalding, coordenador de projetos nas áreas de agroecologia, agricultura familiar e consumo responsável do Instituto Kairós, responde algumas dúvidas nossas (e certamente de muitos de vocês, leitores) sobre essa alternativa ao consumo convencional. O Kairós trabalha com educação, assessoria e pesquisa em consumo responsável e comércio justo e solidário, como formas de combater a desigualdade social e contribuir para a transformação da relação da sociedade com a natureza.
Idec: O que é o consumo colaborativo? De que forma ele é praticado?
ARPAD SPALDING: É uma forma de se consumir diferente da usual, em que se dá dinheiro em troca de uma mercadoria ou de um serviço. Hoje, existem várias formas de se praticar o consumo colaborativo, principalmente na internet. Só que, virtualmente, perde-se um pouco das relações humanas, pois como as pessoas não se encontram, não há troca de ideias, apenas de bens.
Essas experiências colaborativas já existem há muito tempo, como por exemplo, as feiras de trocas – nas quais se pode cambiar roupas, livros, discos, e até serviços, como massagem, aula de ioga etc. – e a adoção de moedas sociais. Nessas experiências, aproveita-se o que o outro tem e não usa mais. Ao passar para frente os livros que já lemos, por exemplo, criamos um novo circuito para que essas obras sejam lidas por outras pessoas e, assim, geramos menos impacto ao meio ambiente do que se eles fossem descartados.
A primeira cooperativa que surgiu, em Rochdale, era uma cooperativa colaborativa. Os empregados, principalmente, de indústrias de tecelagem, que não tinham acesso aos bens de que necessitavam, se juntaram e montaram a cooperativa Pioneiros de Rochdale, que começou com 28 pessoas, se não me engano, e, em um ano, tinha mais de mil operários cooperativados e que faziam compras juntos. Isso em 1844. Foi daí que surgiram todos os princípios colaborativos. Então não é uma coisa nova, não inventamos a roda.
Idec: O consumo colaborativo é uma consequência da necessidade de repensar os modelos de produção e consumo em razão dos impactos ambientais ou apenas uma consequência direta da crise global de 2008, que lançou as economias dos EUA e dos países da zona do euro à recessão?
AS: Eu acho que são as duas coisas. O consumo colaborativo surge principalmente como uma crítica das pessoas ao mercado de consumo atual e ganha forças em períodos de crise, quando as pessoas pensam: “Como eu faço para acessar as coisas básicas de que preciso se não disponho de recurso financeiro?”. Durante a crise de 2008 surgiram na Argentina muitos clubes de troca e várias moedas sociais que circulavam por inúmeros bairros, fazendo a economia rodar. Foram criadas, assim, formas alternativas de consumo.
Idec: Quais os ganhos que o consumo colaborativo pode trazer para a sociedade?
AS: O principal ganho é a mudança na forma de relação e na cadeia produtiva. É o acesso a bens e serviços que talvez não pudessem ser acessados da forma convencional. Outro ganho é o aumento da vida útil das coisas – algo que não servia para mim pode servir para você. Assim, demora mais para aquele objeto ser descartado e a necessidade de estar sempre produzindo novos produtos diminui. O consumo colaborativo é, então, positivo para o meio ambiente.
Idec: A prática do consumo colaborativo ainda é incipiente no Brasil. Ele é uma tendência ou um modismo numa sociedade em que prevalece o individualismo?
AS: Não considero essa prática incipiente. Existem pequenos grupos que fazem produtos e serviços circularem de maneiras alternativas espalhados por todo o Brasil.
Aqui em São Paulo, as feiras de trocas acontecem praticamente todos os finais de semana. O Instituto Kairós apoiou a criação da feira do Projeto Boa Praça e ajudou a criar a moeda social usada pelos participantes, a pracinha.
A divulgação dessas feiras é feita principalmente na internet. As pessoas que participam desses eventos têm estilo de vida parecido e preocupações semelhantes. Elas são entusiastas e buscam informações em sites sobre o tema [veja o quadro saiba mais no fim desta página] e também recebem informações por e-mail.
Mas para as feiras serem realmente funcionais, as pessoas precisam se desapegar de bens que não usam, mas que estão em bom estado. Não pode levar apenas cacarecos, porque aí a feira não funciona de um jeito legal.
Para mim, a maior riqueza desses eventos é a troca de informações entre as pessoas, as amizades que surgem e os laços afetivos que se formam. Algumas experiências de sites de trocas nos Estados Unidos e na Europa têm dado certo e movimentado a economia. Mas quando essa experiência chega aqui pode parecer modismo se as pessoas se envolverem, mas não forem críticas. Mas eu acho que o consumo colaborativo pode, sim, estar inserido no sistema capitalista.
Idec: Como convencer uma camada da população que estava à margem da sociedade de consumo, e que foi incluída no mercado consumidor com o crescimento ecônomico recente do Brasil, a aderir ao consumo colaborativo?
AS: Isso é um belo desafio porque passamos a vida inteira ouvindo: ”Você é o que você consome” e que é preciso consumir para ser feliz. E quando aquelas pessoas que nunca tiveram acesso a bens e serviços, conseguem ter, vem um monte de gente dizer que consumir não é legal, que o legal é consumir de forma colaborativa. Mas para aderir a esse tipo de consumo, é preciso ter uma visão critica da sociedade de consumo. E esses novos consumidores, no geral, não têm.
Idec: A internet pode ser uma boa aliada do consumo colaborativo. Porém, ela também abriga sites de compras coletivas, cada vez mais incidentes.
AS: A Internet tem potencial para multiplicar as coisas, mas ela pasteuriza. Os clubes de compras, por exemplo, eram, inicialmente, grupos de pessoas que juntavam suas demandas de consumo e compravam direto do produtor, desenvolvendo uma relação com ele e reduzindo o custo. Daí, alguém achou isso legal, levou para a internet e a coisa se transformou. Agora, clube de compra significa pagar para receber uma “caixa de presente”, que nada mais é do que a propaganda de empresas. É uma forma de você conhecer as marcas, os produtos, e virar cliente.
- Livro O que é meu é seu — como o consumo colaborativo vai mudar o nosso mundo, de Rachel Botsman e Roo Rogers (Editora Bookman)
Para saber onde acontecemfeiras de troca:
- Cirandas http://goo.gl/pyQVl - Finanças solidárias http://goo.gl/Qgqjv - Projeto Boa Praça http://boapraca.wordpress.com
- Sala Crisantempo http://goo.gl/O80AB