O que os olhos não leem, o corpo não sente?
LIGHT SÓ NO NOME
Para que um alimento seja chamado de light, é preciso que tenha pelo menos 25% a menos de um nutriente ou de calorias que sua versão integral, além de uma redução de mais de 3 g do nutriente em 100 g do alimento sólido. O produto que não tem uma versão convencional da mesma marca pode usar a expressão se tiver baixo teor de determinado nutriente (até 3 g de gordura/100 g de alimento, por exemplo), mas nenhum dos queijos avaliados se enquadra nessa situação. Essas regras estão previstas na portaria no 27 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (SVS/MS), de 1997. Dos nove queijos avaliados que usam o termo “light”, apenas o Quatá Light apresenta, de fato, redução adequada dos teores de gordura totais ou do valor calórico. Nos outros oito, a denominação light pode ser considerada informação enganosa, o que é crime, de acordo com os artigos 37, 66 e 67 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Os queijos Puríssimo Light e Santiago Light vão além: o teor de gorduras totais é maior que o dos produtos convencionais da mesma marca. O Dia Light contém praticamente a mesma quantidade de gorduras totais que seu similar integral. “O consumidor é enganado porque pensa que está comprando um alimento mais saudável, mas que, na verdade, não é”, destaca Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec.
Por esse suposto benefício, o cliente ainda paga mais caro. Embora o Idec não tenha levantado o preço dos produtos, basta ir a qualquer supermercado para constatar que o minas frescal light é sempre mais caro que o integral da mesma marca – o que acontece também com outros alimentos. “As expressões ‘light’, ‘baixo teor’, entre outras, são usadas justamente para aumentar o preço do produto, já que elas passam a impressão de que o alimento é mais saudável. Mas a empresa não tem custo maior para produzi-lo – na verdade, ela deveria usar menos matéria-prima, pois algum nutriente precisa ser reduzido para diminuir a quantidade de calorias”, critica a nutricionista. Ela completa: “A composição desses queijos pode até ser alterada, mas não o suficiente para atingir a redução de 25% de calorias, então as empresas maquiam os dados no rótulo para poder usar o termo light”.
Para Cristina Mosquim, consultora técnica da Associação Brasileira das Indústrias de Queijo (Abiq), as irregularidades identificadas no teste são consequência das mudanças na regulamentação de apelos em alimentos. “A nova legislação mudou vários critérios de avaliação dos produtos e de seus atributos, e como eles serão declarados nos rótulos, o que pode, temporariamente, criar algum desconforto para os consumidores e fabricantes”, diz Cristina. No entanto, essas novas regras, previstas na RDC no 54/2012 da Anvisa (saiba mais no quadro “Mudanças à vista”), somente começarão a valer a partir de janeiro do ano que vem.
SAIBA MAIS
Veja as tabelas com mais detalhes na versão on-line da Revista do Idec www.idec.org.br/em-acao/revistas
Os alimentos fabricados a partir de janeiro de 2014 terão de seguir novas regras se quiserem usar as chamadas alegações nutricionais no rótulo — o nome técnico para o uso de termos como “light”, “baixo teor”, “rico em”, “fonte de”, “zero”, entre outros. As normas estão previstas na RDC nº 54/2012 da Anvisa, que foi aprovada em dezembro de 2012, e têm por objetivo facilitar a compreensão do significado desses apelos pelo consumidor.
Para a expressão light, a principal mudança é que ela não poderá mais ser usada em produtos que não têm uma versão convencional da mesma marca. A nova regra só autoriza o uso comparativo, mantendo como parâmetro a redução mínima de 25% de determinado nutriente ou do valor energético. A RDC também passa a exigir que os critérios para uso das alegações nutricionais sejam calculados com base na porção do alimento, e não mais em 100 g. Para afirmar que o produto é “sem açúcar”, por exemplo, ele não pode conter mais de 0,5 g de açúcares por porção.
SAIBA MAIS
Informações mais completas sobre as novas regras podem ser consultadas no site da Anvisa http://goo.gl/Y396Z
Quanto mais branco melhor?
O péssimo resultado dos queijos minas frescal no teste não significa que eles devem ser extintos do cardápio, nem mesmo por quem quer perder uns quilinhos ou precisa restringir a ingestão de gorduras. “Embora muitas marcas tenham mais gorduras totais e saturadas do que declaram, a quantidade ainda é baixa se comparada a de outros queijos”, aponta Ana Paula. “Só que entre a versão integral e a light pode não haver tanta diferença”, ela lembra. De acordo com a especialista, o segredo, como sempre, é a dose. “Muitas vezes, as pessoas acham que o queijo minas frescal é menos calórico que outros e exageram. Esse é o erro”, ressalta a nutricionista. Quem nunca devorou um sanduíche lotado de queijo branco achando que a refeição era super leve?
Outro equívoco comum quando o assunto é queijo é confiar na ideia bastante difundida de que quanto mais amarelo, menos saudável ele é. Segundo Alessandro Nogueira, coordenador da Escola Tecnológica de Leite e Queijos dos Campos Gerais da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, essa afirmação é falsa. “O amarelado é resultado da maturação do queijo, não do teor de gordura. O minas frescal é branco porque é fresco”, ele explica. “A mussarela de búfala é totalmente branca, mas não é magra. O leite de búfala tem duas vezes mais gordura que o de vaca, mas só este tem um pigmento que dá a cor amarela”, exemplifica Nogueira. Além disso, alguns queijos levam corante para acentuar a coloração, como o prato.
O especialista ainda aponta que o teor de gorduras do minas frescal pode variar muito, pois é possível fabricá-lo com leite desnatado. “Alguns produtores adicionam mais gordura ao queijo frescal, porque ela dá mais sabor e altera a textura. Por isso, o consumidor precisa ler o rótulo se não quiser ingerir esse nutriente em excesso”, alerta o professor. Infelizmente, como mostramos nessa reportagem, não dá para confiar na informação nutricional das embalagens.
O Idec enviou o resultado da pesquisa às empresas responsáveis pelos queijos avaliados, assim como à Anvisa e ao Procon-SP. A agência não se manifestou até o fechamento desta edição e o Procon avisou que encaminhou o material para a diretoria de fiscalização para que adotem as providências necessárias. Apenas nove das 15 empresas responderam. Veja abaixo um resumo do que elas disseram:
- As empresas responsáveis pelas marcas Cruzília, Fazenda Bela Vista e Vernizzi alegaram que seus produtos estão de acordo com as normas de rotulagem, pois a RDC nº 360/2003 da Anvisa estabelece tolerância de 20% para mais ou para menos dos teores declarados no rótulo. Elas disseram também que a quantidade de gorduras insaturadas não deveriam ser questionados pelo Idec porque sua declaração não é obrigatória.
O Instituto respondeu às empresas reiterando que a legislação em vigor estabelece limite apenas para valores acima do declarado, não para menos. Quanto ao teor de gorduras insaturadas, embora a declaração não seja obrigatória, se o fabricante optar por indicá-lo, a informação deve ser correta.
- A responsável pela marca Cristina Light informou que encaminhou amostras do produto para análise e que se for comprovado que a rotulagem nutricional está incorreta, tomará providências imediatas para sua adequação.
O Idec reforçou que as análises foram feitas em laboratórios credenciados pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para que não haja dúvidas quanto ao resultado da pesquisa.
- A Tirolez, além de também defender que a tolerância para o teor de nutrientes declarado no rótulo é para mais ou para menos, justificou que a variação de gorduras saturadas no queijo convencional da marca deve-se à perda de soro decorrente de mudanças na temperatura de refrigeração do produto. Quanto à discrepância no teor de gorduras totais, saturadas e insaturadas na versão light, disse que os resultados do teste do Idec não condizem com o histórico da empresa, que faz análises periódicas, e enviou laudos de maio de 2011 e outubro de 2012.
Para o Idec, embora fatores ambientais possam influenciar na composição do produto, as variações identificadas superam o aceitável. Quanto aos laudos, além de serem antigos, os queijos analisados não são do mesmo lote que os testados pelo Idec.
- A responsável pela marca Dia Light avisou que notificou todos os funcionários envolvidos, que solicitou ao Serviço de Inspeção Federal a análise do produto e que adotará todas as medidas necessárias para que o fato não volte a ocorrer.
- As donas das marcas Cana do Reino, Puríssimo e Purríssimo Light disseram que vão alterar o rótulo.
-A responsável pelas marcas Almeida e Almeida Light afirmou que desde janeiro deste ano substituiu a empresa terceirizada que produz os queijos, pois já havia identificado problemas no processo de fabricação.
Teste revela que queijos minas frescal informam incorretamente a quantidade de nutrientes no rótulo. Alguns têm muito mais gorduras do que declaram, e das nove marcas que se dizem light, oito não são
O queijo minas frescal (também chamado de queijo branco) é figura carimbada dos cardápios de dietas. Mas quem está de olho na balança e aposta nesse tipo de queijo como aliado deve ficar atento, principalmente aos ditos light, pois muitos deles não são tão inofensivos para a silhueta quanto parecem. O Idec testou em laboratório 25 amostras desse queijo (de 15 marcas diferentes) e verificou que os teores de gorduras, proteínas e sódio presentes nos produtos são diferentes daqueles declarados no rótulo. Todas as amostras informam errado a quantidade de, pelo menos, um nutriente.
As maiores variações entre o valor do rótulo e o real foram identificadas nos queijos light. O pior caso foi o do Dia Light, que tem 932% a mais de gorduras totais em relação ao que é declarado na embalagem. Isso mesmo: quase mil vezes mais! O rótulo informa que uma porção de 30 g do alimento tem apenas 0,5 g desse nutriente, mas, na verdade, contém 5,16 g. No geral, os produtos apresentam discrepância em mais de um nutriente. O queijo Santiago Light, por exemplo, informa valores muito diferentes do que realmente têm em sua composição para gorduras totais, saturadas e insaturadas, e sódio.
Vale dizer que há vários casos em que a quantidade detectada de sódio é menor e o teor de gordura insaturada (um tipo de gordura “boa”), maior do que é dito no rótulo, o que pode até ser visto como algo benéfico para a saúde. “Apesar disso, a imprecisão generalizada das informações nutricionais revela um descontrole no processo de fabricação desses produtos e de sua rotulagem”, destaca Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Idec.
Além disso, a legislação que trata do assunto, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) no 360/2003 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não menciona variação para menos, apenas para mais (até 20% acima do valor declarado no rótulo). Apesar de tal regra estar claramente disposta na resolução (item 3.5.1), a Anvisa se contradiz e declara, na seção de perguntas frequentes (FAQ) de seu site, que é admitida variação de “+ ou – 20%” com relação ao valor calórico e aos nutrientes declarados no rótulo, e que a RDC no 360/2003 “foi publicada com incorreção e somente prevê a variação de + 20%”. “Se a agência reconhece que o texto da RDC publicada está errado, deve aprovar uma nova norma regulamentadora para alterá-la. Uma mera FAQ não tem ‘força legal’ para desautorizar uma resolução divulgada no Diário Oficial da União”, ressalta Oliveira. Além disso, mesmo que tivesse sido considerada a tolerância para menos, todas as amostras continuariam reprovadas, pois as 25 apresentam pelo menos um nutriente com variação de mais de 20%, para mais ou para menos, em relação ao indicado no rótulo. Sendo assim, o Idec considerou o que diz a resolução e as marcas que apresentaram menos nutrientes que o declarado foram reprovadas.
Se no quesito gorduras, os queijos light são muito mais problemáticos que os integrais, quando se trata de proteínas, o descompasso é generalizado: em 19 das 25 amostras a quantidade real do nutriente é menor que a informada no rótulo. A divergência pode indicar que as proteínas (presentes no soro do leite, principalmente) são reaproveitadas para a produção e o enriquecimento de outros alimentos. “Esse processo é conhecido, muito utilizado e lícito, mas não pode implicar prejuízo e engano ao consumidor”, destaca o gerente técnico do Idec.
Para a Anvisa, apesar da quantidade limitada de queijos testados, chama a atenção a alta incidência de amostras com problemas. “Os resultados apresentados pelo Idec serão avaliados e as medidas fiscais cabíveis serão adotadas”, promete a agência, por meio de sua assessoria de imprensa. De acordo com o órgão regulador, a legislação sanitária não exige que os fabricantes apresentem laudos que atestem a composição físico-química dos alimentos, mas eles são responsáveis pela qualidade dos produtos que ofertam, bem como pelas informações veiculadas nos mesmos.
Entre dezembro de 2012 e janeiro de 2013, foram analisadas em laboratório 15 marcas de queijo minas frescal tradicional, sendo que, de nove marcas, foram avaliadas as versões integral e light, e das demais apenas a versão integral, totalizando 25 amostras. Os queijos avaliados foram: Almeida, Almeida Light, Cana do Reino, Cascata, Cascata Light, Cristina, Cristina Light, Cruzília, Dia, Dia Light, Fazenda Bela Vista, Ipanema, Ipanema Light, Montesanina, Puríssimo, Puríssimo Light, Quatá, Quatá Light, Santa Clara 85%, Santa Clara SanBios, Santiago, Santiago Light, Tirolez, Tirolez Light e Vernizzi.
Nessa etapa, o teste verificou a quantidade dos principais nutrientes presentes nesse tipo de queijo: proteínas, gorduras (totais, saturadas e insaturadas) e sódio. Os valores detectados foram comparados com os declarados na tabela nutricional presente na embalagem dos produtos. Além disso, foi observado se as informações do rótulo seguem as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Na próxima edição da Revista do Idec, vamos divulgar os resultados da análise microbiológica dos queijos.
Esse teste foi realizado com o apoio do Fundo de Direitos Difusos (FDD), do Ministério da Justiça.