Nova classe média?
Este é o título do mais recente livro do economista gaúcho Marcio Pochmann, lançado em 2012 pela Editora Boitempo. O ponto de interrogação representa a descrença do autor a respeito da existência de uma nova classe C no Brasil.
A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), da Presidência da República, classifica como classe média famílias com renda per capita entre R$ 291 e R$ 1.019 por mês, “com baixa probabilidade de passarem a ser pobres no futuro próximo”. Ainda de acordo com a SAE, cerca de 104 milhões de brasileiros pertencem à classe média (53% da população). Marcio Pochmann não concorda com esses dados. Por telefone, ele nos explicou por quê.
Autor de mais de 40 livros sobre economia, desenvolvimento e políticas públicas, foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) por cinco anos. Hoje, preside a Fundação Perseu Abramo.
Idec: Por que o senhor optou por colocar um ponto de interrogação no título do seu livro Nova Classe Média? — o Trabalho na Base da Pirâmide Social Brasileira?
MARCIO POCHMANN: Essa publicação é uma contribuição ao debate sobre a volta da mobilidade social no Brasil. Depois de praticamente duas décadas de estagnação da estrutura social brasileira, identificamos um movimento de ascensão social em diferentes segmentos da população. A minha contribuição foi justamente olhar o que estava ocorrendo na base da pirâmide social.
Foram gerados mais de 20 milhões de postos de trabalhos na primeira década do século XXI, a maioria deles no setor terciário da economia [que engloba prestação de serviços e comércio de produtos], com renumeração de até dois salários mínimos e carteira assinada. Mas o livro mostra que não houve o surgimento de uma nova classe social, muito menos com características de classe média.
Idec: O senhor poderia explicar brevemente a tese defendida em seu livro?
MP: A literatura especializada e os pesquisadores que consolidaram o termo “classe média” estão associados à perspectiva de uma sociedade urbana industrial, uma sociedade em que a indústria é predominante e em que os postos tradicionais da classe média assalariada (diretores de empresa, gerentes, professores universitários, bancários etc.) são diferentes dos da classe média proprietária (pequenos empresários, no geral).
Essa classe média não é definida apenas pela renda – que é maior que a da classe trabalhadora, mas menor do que a dos proprietários –, mas também pela escolaridade. Ela se diferencia de outros segmentos porque ela poupa, diferentemente dos trabalhadores, que ganham tão pouco que não conseguem economizar nada. Eles gastam tudo o que ganham. A classe média compra usando crédito e a sua poupança. Há uma forte e crescente ampliação dos gastos com entretenimento, cultura, lazer, educação. Já os gastos da classe trabalhadora são voltados para habitação, transporte, alimentação. Sobra muito pouco para se gastar com educação ou entretenimento, por exemplo.
Percebemos que esse grupo que ascendeu é fundamentalmente formado por trabalhadores. São pessoas com escolaridade e salário muito baixos, que é utilizado para comprar bens de primeira necessidade. Essas características não permitem identificar uma nova classe social, muito menos chamá-la de classe média.
Idec: Mas essa classe trabalhadora não é a classe operária clássica, certo?
MP: Exatamente. Não estamos falando de um Brasil industrial, mas de um Brasil pós-industrial, um Brasil do setor terciário de serviços. Por isso, do meu ponto de vista, essa classe trabalhadora não se encaixa no conceito que tradicionalmente se utilizava para definir a “classe operária”.
Idec: O que é preciso para que essa classe trabalhadora vire de fato classe média?
MP: O que organiza a estrutura social é a estrutura econômica. Para que o país possa ter mais cidadãos na classe média, é preciso mudar a estrutura produtiva, pois é ela que gera ocupações com as características dessa classe. Portanto, os questionamentos atuais são: “estamos vivendo um processo de desindustrialização ou não?”; “é possível alargar a base produtiva industrial brasileira para que ela possa, de fato, gerar, não apenas novos empregos industriais, mas também mover os serviços de acordo com a lógica industrial?”. A sociedade pós-industrial que temos hoje gera tanto empregos mais simples nas áreas de segurança, limpeza, alimentação, vigilância etc., quanto vinculados à área de tecnologia da informação e comunicação.
Idec: De acordo com a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), da Presidência da República, há cerca de 104 milhões de pessoas na classe média, o que representa 53% da população. Cerca de 20% dos brasileiros da classe baixa migraram para a classe média na última década (em torno de 40 milhões de pessoas). Como se deu essa ascensão tão numerosa em apenas uma década?
MP: Eu discordo dessa informação. Não acredito que ela seja consistente do ponto de vista do entendimento da estrutura social brasileira. Não vejo essa ascensão como mudança de classe. O que eu tenho observado é que houve mobilidade social; as pessoas melhoraram sua renda a partir da expansão do emprego, do aumento do salário mínimo e da ampliação de programas de transferência de renda. Essas foram ações importantes na base da pirâmide social brasileira, mas não foram capazes de criar uma nova estrutura social no país. Por quê? Porque não houve alteração significativa da estrutura produtiva. Estamos com problemas sérios na indústria, mas, por outro lado, há expansão dos serviços. São os serviços que têm garantido maior expansão dos empregos no Brasil. No ano passado, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o crescimento econômico foi relativamente baixo, no entanto, o país cresceu, gerando um milhão e trezentos mil empregos, cerca de um milhão deles no setor terciário da economia.
Idec: Quais são os principais desafios do governo em relação a esse fenômeno da ascensão social? Que mudanças devem ser feitas nas políticas públicas?
MP: O enfoque tem de ser na questão econômica. Porque foi a economia que garantiu o aumento do número de postos de trabalho e permitiu que houvesse essa ascensão social. Então, o desafio é fazer a economia voltar a crescer em um ritmo maior, com base na indústria. Isso evitaria que a estrutura social regredisse, ou seja, que pessoas empregadas percam os empregos porque a economia não cresce.
Idec: Do seu livro Batalha pelo Primeiro Emprego (Editora Publisher) para cá, o que mudou em relação às oportunidades de emprego para os jovens? O senhor acredita que o maior acesso à educação provoca melhoria na renda das famílias?
MP: Esse livro foi escrito no final dos anos 1990, quando, de fato, o mercado de trabalho brasileiro passava por uma fase dramática. Foi um período em que o Brasil tinha taxas de desemprego muito elevadas, e os jovens foram os mais afetados.
Nessa primeira década do século XXI, observamos, principalmente a partir de 2004, uma recuperação no mercado de trabalho, o que chamamos de “Movimento de Estruturação do Mercado de Trabalho”. Não ocorreu apenas uma expansão significativa de pós-trabalhos abertos no Brasil (postos de trabalhos de baixa remuneração), mas de pós-trabalhos com carteira assinada direcionados à população mais jovem. Tivemos uma regressão muito rápida do número de desempregados porque foram gerados mais empregos.
Os jovens foram beneficiados na década passada, no entanto, os postos de trabalho gerados não eram necessariamente bem remunerados. Como falei anteriormente, os salários se concentravam na faixa de até dois salários mínimos. Apesar disso, tivemos um avanço porque, em meio à crise econômica atual, que gerou aumento do desemprego, da pobreza e da desigualdade, principalmente nos países ricos, o Brasil sobreviveu e teve redução da taxa de desemprego e elevação do salário médio real.
SAIBA MAIS
Livro Nova Classe Média? — o Trabalho na Base da Pirâmide Social Brasileira, de Marcio Pochmann (Editora Boitempo)