Os bastidores do seu banco
MUDANÇAS NA AVALIAÇÃO
A primeira edição do GBR foi lançada em maio de 2011. No entanto, de lá para cá, houve mudanças significativas na metodologia da pesquisa. Tanto os bancos envolvidos no Guia quanto as organizações parceiras (veja quais são elas no quadro acima) contribuíram para a reformulação do questionário. As questões que antes eram abertas agora foram de múltipla escolha, com espaço para complementos dissertativos. “O novo formato visa a tornar mais objetiva a avaliação das respostas e a comparação entre os bancos”, explica Ferraz.
Outra mudança foi que, além da avaliação das respostas ao questionário, o GBR deste ano foi complementado com análises de pesquisas paralelas sobre as práticas dos bancos nos três temas avaliados, a fim de contrapor as respostas dadas por eles no questionário. Na edição passada, só houve avaliação paralela em relação a consumidores. Para a análise da conduta dos bancos com seus clientes, foram levados em conta os resultados da pesquisa de práticas bancárias conduzidas pelo Idec ao longo deste ano, cujo balanço foi publicado na edição no 168 da Revista do Idec. Além disso, o Instituto considerou um índice de reclamações que congrega as queixas procedentes registradas contra as instituições no Banco Central e os dados do Cadastro Nacional de Reclamações Fundamentadas – que, por sua vez, reúne informações dos Procons de todo o país.
Nas questões trabalhistas, por meio da Contraf-CUT, coordenadores das comissões de organização dos bancários de cada instituição pesquisada responderam às mesmas perguntas feitas aos bancos no bloco dos trabalhadores, permitindo saber como cada banco atua, na prática, com seus funcionários. Já para a avaliação dos critérios socioambientais, a organização Amigos da Terra realizou três estudos: um sobre a participação dos bancos na concessão de crédito; outro sobre a existência de “produtos socioambientais” (linhas de crédito e outros serviços com apelo para a redução dos impactos sociais ou ambientais); e um terceiro que lista nove “projetos polêmicos” financiados pelos bancos nos últimos cinco anos, ou seja, empreendimentos que têm aspectos controversos sob o ponto de vista de impactos ambientais e sociais. No site do GBR, o internauta pode visualizar um mapa apontando a região do país onde esses projetos estão localizados, quais bancos estão envolvidos e explicações sobre quais são os seus problemas.
Para Miguel Pereira, secretário de organização da Contraf-CUT, os contrapontos são o ponto alto do GBR. “A grande importância dessa ferramenta é dar uma visão de 360 graus da responsabilidade bancária, pois envolve os vários atores que fazem parte do processo, não se restringindo ao que o banco declara”, opina.
Devido a todas as mudanças na metodologia, não dá para comparar diretamente os resultados do GBR 2011 com o atual, porém, é possível observar que o desempenho dos bancos continua longe do que se considera satisfatório em termos de responsabilidade social (veja na página 20 um comparativo dos resultados gerais do ano passado com os atuais). De acordo com Mariana Ferraz, os bancos poderiam ter atingido resultados melhores na avaliação deste ano caso apresentassem mais evidências de suas afirmações. “Se as informações dadas nas respostas dos questionários não fossem comprovadas satisfatoriamente, o banco perdia pontos”, esclarece.
Para Oriana Rey, assessora do programa Eco-Finanças da Amigos da Terra, os bancos precisam ser mais transparentes com relação aos empreendimentos que financiam. Segundo ela, é muito difícil identificar o envolvimento das instituições nos projetos, por exemplo, e ainda mais saber como eles fazem a avaliação dos possíveis impactos. “Sabemos que hoje os bancos têm departamentos e políticas de riscos socioambientais, mas não temos clareza de como elas estão sendo implementadas”, ressalta. A advogada do Idec concorda e defende que essa transparência seja ampliada a todos os programas e práticas de responsabilidade social, de modo que não seja mais necessário enviar questionários aos bancos para saber essas informações. “O ideal é que os bancos prestem contas de forma espontânea, por meio de seus relatórios de sustentabilidade, balanços e outros meios de interlocução com o público”.
Pedimos aos especialistas envolvidos no GBR que citassem os principais pontos que os bancos precisam melhorar para serem considerados socialmente responsáveis nas respectivas áreas de atuação.
CONSUMIDORES
“Existem coisas simples que os bancos podem adotar de imediato de forma a cumprir os direitos dos consumidores e ter ações responsáveis. Uma delas é a entrega do contrato ao consumidor; outra, é agir de forma transparente, informando e alertando sobre as eventuais cobranças, mudanças em valores de tarifas etc. Também há necessidade de mais agilidade do tratamento às reclamações dos consumidores. São medidas que não dependem de reformas complexas e nem de novas regras; podem ser implementadas imediatamente, só dependem da atitude dos bancos”. Mariana Ferraz, advogada do Idec
TRABALHADORES
“O primeiro ponto é a garantia de emprego. A rotatividade não é tão grande no setor bancário, mas ele é um dos que mais reduz o salário.
A diferença de salário entre um trabalhador demitido e um novo chega a 40%. Além disso, melhorar a remuneração é fundamental, pois os pisos salariais praticados no Brasil estão entre os menores da América Latina, enquanto o nosso sistema financeiro é um dos mais lucrativos do mundo. Há uma contradição aí. Outra coisa importantíssima é haver mais contratações, para garantir melhores condições de trabalho e melhor atendimento ao cliente”.
Miguel Pereira,secretário de organização da Contraf-CUT
CRITÉRIOS PARA FINANCIAMENTOS
“O principal é que haja mais transparência sobre a implementação das políticas socioambientais. Há alguns anos, cobraria a existência de políticas; agora elas já existem, mas ainda é preciso ficar claro como são aplicadas. Também considero importante que os bancos busquem mais parcerias com a sociedade civil e não levem em conta só as licenças ambientais para avaliar os riscos socioambientais”. Oriana Rey, assessora do projeto Eco-Finanças da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
Idec lança ferramenta que analisa e compara as políticas e as práticas dos bancos no relacionamento com o consumidor e com seus trabalhadores, além dos critérios socioambientais que adotam para conceder financiamentos
Como o seu banco lida com os clientes? Quais as condutas que adota com seus funcionários no dia a dia? Será que se importa com os impactos sociais e ambientais quando financia um empreendimento, por exemplo? Para o consumidor, nem sempre é fácil saber a resposta exata para essas questões. Mesmo para os que estão atentos ao mundo dos negócios, essas informações não parecem acessíveis. Mas a verdade é que cada vez mais consumidores e, sobretudo, investidores querem olhar o desempenho social e ambiental de um banco como um item importante na composição final do seu valor (em todos os sentidos). Nos Estados Unidos e na Europa, até as agências classificadoras de risco costumam levar em consideração pesquisas e índices de responsabilidade socioambiental de bancos.
A boa notícia é que, a partir de agora, o Brasil ganha um pouco mais de informações nesse terreno. Em 31 de outubro, o Idec lançou uma nova edição do Guia dos Bancos Responsáveis (GBR), um site que apresenta o desempenho das seis maiores instituições financeiras do país: Banco do Brasil (BB), Bradesco, Caixa Econômica Federal (CEF), HSBC, Itaú e Santander. Os bancos foram avaliados por meio de um questionário sobre a política que adotam em relação aos consumidores e aos seus trabalhadores e aos critérios socioambientais que seguem para a concessão de financiamentos.
Cada um dos temas (consumidor, trabalhador e critérios para financiamento) foi avaliado individualmente e, depois, tiveram suas notas somadas para a obtenção de uma nota final, que determina a posição dos bancos em um ranking. No site do GBR www.guiadosbancosresponsaveis.org.br, o internauta pode conferir os resultados completos de seu banco, entender o porquê de cada nota e compará-lo com as demais instituições avaliadas (veja no quadro abaico Como o GBR foi produzido). Além disso, o site conta com uma ferramenta de interação entre o consumidor e as instituições financeiras. Com ela, o cliente pode manifestar sua insatisfação com as políticas e práticas socioambientais de seu banco enviando um “cartão amarelo” a ele. “Essa ferramenta é importantíssima para o objetivo do GBR, que é, por meio da pressão social exercida pelos consumidores, que os bancos aprimorem sua operação no Brasil, tendo em vista políticas efetivas de RSE [Responsabilidade Social Empresarial]”, aponta Mariana Ferraz, advogada do Idec e coordenadora da pesquisa.
Infelizmente, não faltam motivos para enviar o cartão amarelo. No bloco consumidores, metade dos bancos foi classificada como “ruim”: Bradesco, CEF e HSBC. O Itaú e o Santander como “regular”, e só o Banco do Brasil foi avaliado como “bom”. O pior desempenho no bloco foi no critério venda responsável, no qual, com exceção do Santander (classificado como “regular”), todos foram considerados “muito ruim”. O péssimo resultado também ocorreu na avaliação das políticas para cobrança de dívidas da CEF e do HSBC; na outra ponta, o BB foi avaliado como “muito bom” nesse quesito. O desempenho de cada instituição em relação aos critérios socioambientais para financiamentos foi quase igual ao de consumidores. A única exceção é que o Santander, em vez de regular, ficou no patamar “ruim”. Nesse bloco, os piores resultados foram no subtema “pesca”, em que o Santander e o HSBC foram muito ruins.
Nas questões trabalhistas, o resultado foi um pouco pior: os “melhorzinhos” foram os bancos públicos, BB e CEF, que só chegaram à marca “regular”. O restante foi considerado “ruim”. Os critérios com as piores marcas foram condições de trabalho, segurança bancária e inclusão e diversidade, nos quais praticamente todos os bancos foram avaliados como “ruim” ou “muito ruim”. No balanço geral dos três blocos, o ranking ficou assim: Bradesco e HSBC, “ruim”; Itaú, CEF e Santander, “regular”; e BB, “bom”.
A pesquisa foi realizada com apoio da organização holandesa Oxfam Novib,e a metodologia desenvolvida em parceria com as seguintes entidades:Amigos da Terra — Amazônia Brasileira; Confederação Nacional dos Trabalhadoresdo Ramo Financeiro da Central Única dos Trabalhadores (Contraf-CUT); Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (CEERT);Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese);e Instituto Observatório Social (IOS).
A avaliação dos questionários foi feita primeiro por blocos (consumidor, trabalhadore critérios para financiamentos), sendo atribuídos pontos de acordocom o desempenho em cada critério avaliado: muito ruim (1 ponto); ruim (2);regular (3); bom (4); e muito bom (5). A nota final, que determina a posiçãodos bancos no ranking, considera a soma dos pontos dos três blocos.Além disso, o GBR apresenta os dados de pesquisas complementares sobreo comportamento dos bancos na prática, que constituem contrapontosàs políticas declaradas por eles. Os resultados dessas pesquisas paralelas,porém, não compõem a nota final; eles são apresentados de forma separada,uma vez que têm metodologias específicas, diferentes das do questionário.As respostas dos bancos podem ser encontradas na íntegra no site doGBR www.guiadosbancosresponsaveis.org.br.
NA PRÁTICA, A POLÍTICA É OUTRA
Se o cenário da avaliação das respostas dos bancos ao questionário já não é dos melhores, os resultados das pesquisas paralelas são ainda piores. No caso de consumidores, por exemplo, considerando-se o balanço das pesquisas de práticas bancárias, com exceção do Bradesco, avaliado como “ruim”, todos os bancos foram considerados “muito ruim”. Essa péssima avaliação se deu porque os bancos cumpriram, no máximo, 66% da legislação. Para atingir a marca “regular”, eles teriam de ter cumprido pelo menos 91%. “No entendimento do Idec, as normas legais têm de ser cumpridas integralmente”, explica Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto. Levando-se em consideração o índice de reclamações consolidadas contra os bancos e a sua carteira de clientes, o desempenho não melhora: com exceção da CEF, classificada como “regular”, todos os bancos não passam de “muito ruim”.
A piora entre o discurso e a prática também ocorre nas questões trabalhistas. No resultado geral, apenas a CEF atingiu a marca regular, e todos os demais foram considerados “ruim”. O critério mais mal avaliado pelos funcionários foi “condições de trabalho”, que leva em conta questões relacionadas à saúde dos trabalhadores e às metas de produtividade. Todos os bancos obtiveram classificação “muito ruim” nesse quesito, atingindo apenas um dos 25 pontos possíveis. Segundo Pereira, da Contraf- CUT, os programas declarados pelos bancos nem sempre são materializados no dia a dia de trabalho. “Isso acontece porque as empresas estão preocupadas em aumentar os lucros e reduzir os custos. E, nessa lógica, o trabalhador é sempre visto como despesa”, acredita.
"O ideal é que os bancos prestem contas de todos os seus programas de responsabilidade social de forma espontânea."
Mariana Ferraz, advogada do Idec
Nos estudos de critérios socioambientais, chama a atenção a participação de bancos em projetos muito controversos, como no caso das hidrelétricas do Rio Madeira (Santo Antônio e Jirau), em Rondônia, e de Belo Monte, no Pará, por exemplo. “Várias organizações nacionais e internacionais já apontaram inconsistências nesses projetos e alguns deles têm até decisões judiciais contrárias (embora não definitivas)”, aponta a assessora da Amigos da Terra. Para ela, esse cenário demonstra que há oportunidade para melhoria das políticas socioambientais dos bancos na concessão de financiamentos. “Reconhecemos que houve avanços nos últimos anos, mas algumas políticas ainda são muito superficiais”, critica. Rey ressalta ainda que os financiamentos são o grande foco das instituições financeiras, e é neles que a empresa deve aplicar os compromissos de sustentabilidade que assumem. “Uma coisa é dar apoio institucional a um programa que coloca bicicletas nas ruas, por exemplo, ou fazer uma doação a um projeto em prol do meio ambiente. São ações bem-vindas, claro, mas, mais que isso, é importante que o banco insira a sustentabilidade em seu modelo de negócio”, finaliza.
SAIBA MAIS
-Matéria Longe do ideal (com o resultado da primeira edição do GBR) – Revista do Idec nº 154 l Matéria Tudo na mesma (com o balanço da pesquisa de práticas bancárias) – Revista do Idec nº 169