Desencalhe a etiqueta
Pesquisa do Idec revela que a maioria das montadoras não fixa a etiqueta de consumo de combustível em seus veículos, ao contrário do que determina o Inmetro
É certo que, quanto maior a variedade de produtos disponíveis no mercado, maior o poder do consumidor de conseguir preços mais baixos e de escolher aquele que melhor atende às suas necessidades. Não é diferente (ou não deveria ser) com os automóveis.
A oferta cada vez maior de carros no Brasil pode ser considerada uma vantagem para o consumidor. Há não tão longínquos anos, o mercado se dividia, basicamente, entre quatro montadoras. Hoje, esse número é bem maior (são pelo menos 14 grandes empresas disputando palmo a palmo cada novo cliente). E, quanto mais concorrência, maior o interesse em ter produtos competitivos.
Os atrativos oferecidos pelas montadoras são aqueles que tão bem conhecemos: elas diminuem os preços e juros; oferecem uma infinidade de itens opcionais (vidros e travas elétricas, direção hidráulica, ar-condicionado etc.); dão brindes, como jogo de tapetes, cd-player e pintura metálica; e até pagam as primeiras parcelas do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
Infelizmente, a mesma lógica concorrencial nem sempre se aplica à eficiência energética (quantos quilômetros o veículo percorre com um litro de combustível). As montadoras, como se tivessem combinado a mesma estratégia de marketing, praticamente não revelam esse dado. E aí temos um círculo vicioso: o consumidor pode não se lembrar de considerar essa importante informação no momento de comprar um carro. Todos os veículos (os mais e os menos "beberrões") ficam, então, na mesma "vala comum".
Para quebrar essa distorção e estimular o consumo responsável, foi criado em 2008 o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV). Concebida pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), a ideia é que os carros, a exemplo do que já ocorre com outros produtos (como geladeiras e fogões), ostentem a Etiqueta Nacional de Conservação de Energia (Ence), indicando a sua eficiência energética e uma nota que pode variar de "A" (veículo energeticamente mais econômico) a "E" (veículo mais "gastão").
A novidade do PBEV 2012 é a obrigação de exposição da Ence no vidro traseiro esquerdo do veículo. Mas encontrá- la não é tarefa simples, conforme revela pesquisa do Idec com as oito montadoras que estão participando do PBEV este ano (Fiat, Ford, Honda, Kia, Peugeot, Renault, Toyota e Volkswagen): os veículos expostos nas concessionárias raramente exibem a preciosa etiqueta. Nas páginas virtuais e nos Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs), a omissão também impera.
Fica difícil saber se o carro x consome mais ou menos combustível do que o carro y. Um exemplo: o automóvel mais econômico dentre os participantes do PBEV faz 13,8 quilômetros por litro (com gasolina em trecho urbano). O mais "gastão" percorre apenas 6,9 quilômetros nas mesmas condições. Se considerarmos um consumidor que roda 12 mil quilômetros por ano (mil por mês), a economia (em reais) com combustível é gritante. Com o primeiro modelo, ele gastaria, anualmente, R$ 2.348 no posto. Com o segundo, a despesa seria o dobro: R$ 4.696!
O objetivo da pesquisa, realizada em julho, foi avaliar se as oito montadoras participantes do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV) em 2012 - Fiat, Ford, Honda, Kia, Peugeot, Renault, Toyota e Volkswagen - estão divulgando ao consumidor os dados de eficiência energética de seus veículos e fixando a Etiqueta Nacional de Conservação de Energia (Ence) no vidro traseiro dos automóveis. Os pesquisadores do Idec buscaram as informações nas concessionárias (duas de cada montadora), no Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) e na página virtual das montadoras. Foi considerado não apenas se a informação era fornecida, mas também a sua consistência.
Sem informação sobre emissão de gases
Osilêncio das montadoras que operam no Brasil não se dá apenas em relação à eficiência energética dos veículos. Conforme mostrou pesquisa do Idec publicada na edição no 165 da Revista do Idec, as montadoras não revelam outra importante informação de seus produtos: os níveis de emissão de gases poluentes e de efeito estufa.
Aliás, um programa de etiquetagem ideal, além de não ter as falhas metodológicas apontadas anteriormente, deveria também considerar o quanto os veículos poluem e contribuem com as mudanças climáticas. Esses dados ambientais têm sido centralizados pela Nota Verde, iniciativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), que faz um ranking dos veículos segundo os níveis de emissão desses gases. As notas variam de uma (mais poluente) a cinco estrelas (menos poluente).
A diferença de metodologia tem sido usada para justificar a existência de duas notas paralelas. No entanto, atendendo a demandas feitas pelo Idec desde 2009, o Inmetro prometeu que, a partir de 2013, as etiquetas do PBEV trarão também informações sobre emissão de gás carbônico. Que assim seja.
O Idec enviou o resultado da pesquisa às oito montadoras e aos órgãos envolvidos com o PBEV, mas apenas a Honda, a Cetesb e o Inmetro se manifestaram.
-Honda: em relação à ausência de etiquetas nas concessionárias, a empresa alegou que tem enviado circulares, orientando-as a manterem a etiqueta nos veículos até a entrega ao cliente. Também garantiu que visitas periódicas têm sido feitas aos pontos de venda para monitorar o cumprimento das orientações.
-Cetesb: enfatizou a necessidade de fiscalização do Inmetro para verificar o uso adequado das etiquetas. O Idec concorda!
-Inmetro: comunicou, dentre outras coisas, um acordo firmado com a Anfavea, que determina que todos os veículos das montadoras participantes do PBEV serão etiquetados até 2017; informou, ainda, que em novembro deste ano o consumidor poderá contar com um guia de informação sobre o PBEV e a etiquetagem veicular.
JÁ NASCEU TORTO
O PBEV, ao contrário dos programas de eficiência energética de outros produtos, tem adesão voluntária. Ou seja, só participa quem quer. E, uma vez que concordam em participar, as montadoras não são obrigadas a revelar os níveis de consumo de combustível de todos os seus modelos.
A Portaria no 377 do Inmetro, de setembro de 2011, já considerava que todos os modelos que faziam parte do PBEV apresentassem a etiqueta nos pontos de venda. Mas, infelizmente, o Inmetro recuou, provavelmente, por pressão das montadoras, e um texto posterior (Portaria no 5, de janeiro de 2012) estipulou que dos modelos que participam do PBEV (pelo menos 50%), apenas a metade precisa exibir o selo. Essa regra começou a valer em 15 de abril deste ano.
Segundo levantamento do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), apenas um terço dos carros disponíveis no mercado integram o PBEV. E se já é difícil saber os dados de eficiência energética desses automóveis, imaginem dos que não fazem parte do programa. Citemos, como exemplo, a General Motors – terceira maior montadora em volume de vendas, com quase 20% do mercado. Ela fez parte do PBEV em 2009, mas o abandonou no ano seguinte.
Outro ponto problemático é que o PBEV separa os veículos em nove categorias por tamanho: subcompactos, compactos, médios, grandes, utilitários esportivos, fora-de-estrada, minivans, comerciais e de carga. Assim, em vez de todos os veículos competirem entre si, a concorrência se dá apenas entre os modelos de uma mesma categoria. Resultado: um modelo que recebeu uma boa nota pode ser menos econômico do que um que recebeu nota pior. Por exemplo: o Toyota Corolla (nota A em seu grupo) faz 10,2 quilômetros por litro de gasolina na cidade. O Honda Fit (nota D no seu grupo) faz 11 quilômetros por litro de gasolina, também na cidade.
Essa metodologia parte do princípio de que o consumidor já escolheu o tamanho do carro e não leva em consideração o fato de que a escolha possa se balizar também pela eficiência energética. Porém, mesmo considerando essa premissa, a divisão por categorias pode não ser compreendida pelo consumidor. O Palio, por exemplo, é subcompacto, enquanto o Gol é compacto – para um leigo, entretanto, o Palio e o Gol parecem ter o mesmo tamanho e poderiam pertencer ao mesmo grupo. “Prevalece a lógica do que é melhor para as montadoras, e não para o consumidor. Outros países que têm selos de eficiência energética estão abolindo as categorias”, informa Carmen Araújo, diretora do Iema.
A dica importante para quem está pensando em trocar de carro ou comprar um novo é considerar quantos quilômetros são rodados por litro de combustível nas condições em que o veículo será mais usado (na cidade ou na estrada). Como é difícil encontrar a etiqueta por meio da comunicação oficial das montadoras (via website, SAC, ou mesmo fisicamente, nas concessionárias), indicamos o site http://goo.gl/wecR2, no qual é possível fazer o download da tabela com todos os modelos participantes.
O Iema pesquisou como são os programas de etiquetagem veicular em outros seis países (Alemanha, Austrália, Espanha, França, México e Reino Unido). Em todos eles, a adesão é obrigatória e a divulgação dos “dados ambientais” deve sempre ser feita por meio de etiqueta física e pela internet (a exceção é o México, que só é obrigado a divulgar os dados virtualmente). Além disso, na Austrália, na França, no México e no Reino Unido, a comparação entre os veículos é feita de maneira absoluta — isto é, todos os modelos concorrem em um mesmo grupo (não há categorias).
Participe da nossa campanha!
Uma das razões para as montadoras serem displicentes com a informação sobre o consumo de combustível de seus veículos é porque acreditam que o consumidor brasileiro ainda não tem consciência da sua importância. Para provar que não é bem assim, o Idec está promovendo a campanha Desencalhe a Etiqueta — Eficiência Energética Veicular Já!, para exigir que a Ence seja obrigatória. Você pode participar assinando a petição disponível em http://goo.gl/BPFZm (ela será enviada à Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores — Anfavea — e à presidência das montadoras).
VERGONHOSO
A primeira grande dificuldade que os pesquisadores do Idec enfrentaram para achar a áurea etiqueta foi saber quais modelos deveriam ostentá-la obrigatoriamente. Essa informação básica, que deveria ser bastante acessível, simplesmente não o é. Somente após diversos contatos e solicitações ao Inmetro, foi possível saber quais veículos deveriam estampar sua nota no vidro.
De posse dessa informação, os pesquisadores foram a duas concessionárias de cada montadora e verificaram que nenhuma cumpriu integralmente as regras do Programa – isto é, ostentar a etiqueta em no mínimo metade dos modelos submetidos ao PBEV. A pior situação foi encontrada na Ford e na Honda, que não tinham nenhuma etiqueta. Uma funcionária da Ford reconheceu que a empresa está descumprindo a regra. E um vendedor da Volkswagen, de uma concessionária em que apenas um modelo estava etiquetado, desmereceu o programa, afirmando que a etiqueta em questão não quer dizer nada. Quem chegou mais perto de seguir o que prevê o Inmetro foi a Kia: etiqueta presente em seis modelos de um total de oito que deveriam apresentá-la.
É inquestionável que, hoje, a internet é um dos principais meios usados para busca de informação. Mas o consumidor que quiser procurar a bendita etiqueta no site das montadoras vai ficar a ver navios. Apenas a página da Renault apresenta informações sobre o consumo de combustível dos modelos em que a exposição da etiqueta é obrigatória. E a montadora francesa chega a promover positivamente os veículos com a frase: “Ficou mais fácil escolher o seu Renault agora que você conhece a versão com conceito A pelo Inmetro”. As outras sete empresas não mencionam o selo.
A página da Honda não trazia nenhuma informação relativa ao PBEV quando a pesquisa do Idec foi realizada. Mas, após receber os resultados, a montadora passou a exibir as notas e os índices de eficiência energética dos modelos que são obrigados a ter a etiqueta – desde os bem cotados (nota A) até os mal avaliados (nota D). Honda, os consumidores agradecem!
Nos SACs, a situação não é melhor. Via de regra, os atendentes “informam desinformando”. No geral, eles dizem que não existe metodologia confiável para medir quanto de combustível um carro gasta, pois são muitas as variáveis, como o jeito de dirigir, se o ciclo é urbano ou rodoviário e se o ar-condicionado está ou não ligado. Resultado: os funcionários de metade das montadoras (Ford, Peugeot, Renault e Volkswagen) não souberam (ou não quiseram) passar nenhuma informação a respeito da etiquetagem veicular. As outras quatro indicaram o site do Inmetro.
As penalidades para quem não cumprir o que estipula o Inmetro são: advertência, suspensão do uso da etiqueta e cancelamento definitivo do uso. Ora, parece muito pouco para um setor que nem está fazendo questão de participar do programa. Denúncias sobre o não cumprimento das regras do Inmetro podem ser endereçadas a esse órgão. O consumidor deve informar todos os dados do veículo (marca, modelo, motor e transmissão) e a descrição dos motivos da denúncia, inclusive as evidências, caso existam. Os canais de comunicação são e-mail (ouvidoria@inmetro. gov.br), telefone (0800 285 1818), internet www.inmetro.gov.br/ouvidoria e correio (Rua da Estrela, 67, 2o andar – Rio Comprido – CEP 20251-900 – Rio de Janeiro/RJ).
No começo deste ano, o Idec enviou carta à presidente Dilma Rousseff, ao Ministro da Fazenda e ao Ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, pedindo que critérios de eficiência energética e de emissões de gases fossem incluídos no regime tributário do setor automotivo, que inclui, principalmente, a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O mesmo alerta foi feito, em seguida, ao Ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), com a apresentação do resultado da última pesquisa feita pelo Idec e publicada na edição nº 165 http://goo.gl/FfVlg, em que se observou que o comportamento das montadoras no Brasil não é condizente ao de seu país de origem, quando se trata de informações sobre consumo de combustível e emissões de gases.
O Idec também participou da Consulta Pública do Plano Setorial de Transporte e Mobilidade Urbana para Mitigação de Mudança do Clima (PSTM), solicitando que a etiquetagem veicular venha acompanhada de metas claras para o aumento da eficiência energética e da redução das emissões veiculares (saiba mais em http://goo.gl/eBiFe).
O governo, em resposta, colocou o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (Inovar-Auto) em análise. Esse programa estabelece que as montadoras que quiserem reduzir o IPI, entre 2013 e 2017, participem do PBEV e coloquem no mercado veículos que atinjam o nível mínimo de eficiência energética.
O Idec entende que, nesse contexto de incentivo, o PBEV se torna um instrumento ainda mais importante, pois vai valorizar os veículos realmente menos nocivos ao meio ambiente e à saúde pública. Aliás, incentivar tributariamente apenas os veículos mais “verdes” é uma demanda do Instituto.