Pechincha, a alma do bom negócio
BARGANHAR É PRECISO
De acordo com Navarro, para fazer uma boa compra, antes de tudo, o consumidor precisa analisar sua situação financeira para saber quanto pode gastar e como poderá pagar. Depois é partir para a pesquisa e, ao encontrar uma boa oferta, negociar o valor. “A principal dica para esse momento é não cair na armadilha do parcelamento em ‘mil vezes’ nem acreditar quando o vendedor disser que não há desconto para pagamento à vista”, alerta o educador financeiro. É muito comum as lojas anunciarem o mesmo preço para pagamento imediato ou a prazo, mas os especialistas alertam que essa oferta pode ser enganosa. “A matemática financeira nos ensina que não é possível parcelar um pagamento sem juros. As lojas teriam que cobrar, no mínimo, a inflação do período parcelado para não ter prejuízo”, afirma Navarro. Assim, a única explicação para que os varejistas pratiquem o mesmo valor à vista e a prazo é que eles já incluem os juros no preço do produto. “O consumidor que paga à vista sem contestar faz o melhor negócio para a loja e o pior para si”, avalia.
Segundo o especialista, é importante criar o hábito de pedir desconto. “A gente normalmente só se lembra de pedir desconto em coisas mais caras, mas, via de regra, o consumidor deve fazer isso para todo tipo de produto”, diz. O securitário paulista Marcel Tornero segue essa dica: procura pagar à vista para conseguir redução do preço em todas as compras. “Pela minha experiência profissional, sei que há uma ‘margem de segurança na composição dos valores, então sempre argumento e barganho descontos”, diz. Mas, em muitos casos, é preciso insistir. “Você precisa usar todo o seu poder de argumentação, e nessa hora vale tudo, desde dizer que sua situação financeira está complicada até indicar o preço do concorrente”, destaca Marcel. Foi “chorando” assim que ele conseguiu diminuir em 15% o valor do orçamento dado pelo marceneiro para fabricar os móveis de sua casa.
Para Tornero, é mais fácil conseguir descontos com profissionais autônomos e em lojas de pequeno e médio porte do que em grandes redes. “Atualmente, estou comprando materiais de construção, e o que percebo é que nos comércios menores o preço pode ser até maior que o das grandes lojas, mas dependendo da quantidade que você compra e da forma de pagamento, consegue negociar e, no final, vale a pena”, relata. “Lojas pequenas e médias querem conquistar espaço e clientes, por isso, às vezes, cobrem o preço de uma loja mais badalada”, concorda Navarro. No entanto, para o aposentado João Salgueiro, embora as grandes redes não costumem dar descontos muito significativos, em geral elas têm os melhores preços e fazem mais liquidações. Basta ter paciência e esperar a oportunidade ideal para comprar.
Pagar à vista é sempre a melhor opção, não só porque permite barganhar desconto, mas porque evita dívidas que possam prejudicar as finanças do consumidor. “Quando não for possível pagar no ato, o ideal é que o cliente faça o menor número de parcelas possível — assim haverá menos juros e o orçamento ficará comprometido por menos tempo”, recomenda Conrado Navarro.
Em relação ao meio de pagamento, as lojas não são obrigadas a aceitar outra forma além de dinheiro em espécie. No entanto, uma vez que se disponha a receber cheque ou cartão de crédito, o estabelecimento não poderá criar restrições para a sua utilização — exceto no caso de cheque administrativo ou de terceiros, que o lojista pode se recusar a receber. A loja não pode exigir valor mínimo de compras para pagamento com cartão de débito ou crédito, por exemplo, nem fixar preços diferentes conforme o meio de pagamento (cheque, cartão ou dinheiro). Pelo menos por enquanto. Segundo reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo no início de julho, o governo avalia autorizar a diferenciação de preços para pagamento com dinheiro ou cartão. De acordo com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), porém, a ideia não está sendo discutida com a pasta, que afirma manter o posicionamento contra qualquer mudança nesse tema. Em nota, a Senacon disse que, “juntamente com outros membros do SNDC [Sistema Nacional de Defesa do Consumidor], entende que a diferenciação de preço pode configurar prática abusiva por infringir direitos e garantias previstos no Código de Defesa do Consumidor [CDC]”.
Essa também é a opinião do Idec. Para o Instituto, cobrar mais de quem paga com cartão de crédito fere o inciso V do artigo 39 do CDC, que classifica como prática abusiva exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva, uma vez que a administradora do cartão já cobra taxa para o uso do dinheiro de plástico. “Além disso, para o comerciante, dar a opção de pagamento com o cartão não deixa de ser uma estratégia para atrair mais clientes. Portanto, os custos com aluguel da máquina e com taxas de administração são inerentes à atividade comercial”, aponta Karina Alfano, gerente de relacionamento do Idec.
Pesquisar preços e pedir desconto são práticas fundamentais para economizar. Confira as dicas de quem tem esse hábito Shutterstock/Montagem Idec
Se você é do tipo que compra na primeira loja em que entra e paga o valor informado na etiqueta sem reclamar, é bom rever seus conceitos. Pesquisar o preço de produtos e serviços em vários estabelecimentos e “chorar” um descontinho pode fazer uma bela diferença no valor pago. A comerciante Cidenir Alfenas de Paula, de Juiz de Fora (MG), tem várias provas de que a pechincha é uma arma e tanto para economizar. Uma delas aconteceu em julho, quando ela procurava um cartão de memória de 16 GB para sua câmera fotográfica. Cidenir chegou a ver o produto que queria por R$ 99 no centro de sua cidade, mas após dias de procura, encontrou um igual por R$ 24 em um site. “Nunca compro nada logo na primeira loja, ou enquanto não acho um preço bom. Se você não pesquisa, perde dinheiro”, ensina.
O aposentado João Salgueiro de Souza, de São Paulo (SP), usa a velha tática de acompanhar os folhetos das lojas. “Pesquiso os preços, sim, mas priorizo produtos de qualidade. Por isso, não faço supermercado num só lugar: compro aos poucos e aproveito as promoções de cada rede”, conta. A mineira Cidenir também não abre mão das promoções dos supermercados. Ela só compra frutas e legumes às segundas e terças-feiras, dias em que os produtos de hortifrúti estão mais baratos em sua cidade, e aproveita quando os alimentos não perecíveis ou os produtos de limpeza estão em oferta para comprar em grande quantidade e estocá-los. A economia é garantida.
Os internautas que acompanham o portal do Idec também costumam pechinchar. Dos 430 consumidores que votaram na enquete disponibilizada em julho, 51,9% sempre pedem desconto, independentemente do bem que estão comprando. Apenas 9,9% não pechincham.
USE E ABUSE DA INTERNET
A internet pode ser grande aliada na busca por ofertas. “Há ferramentas bastante completas de comparação de preços e de avaliação de empresas, que permitem verificar se há reclamações contra o fornecedor ou o produto, por exemplo”, diz Conrado Navarro, educador financeiro e idealizador do site Dinheirama www.dinheirama.com. Como a maioria das redes de varejo tem versões virtuais, é possível efetuar a compra pela internet ou apenas pesquisar o preço na loja virtual e comprar na loja real. No entanto, é importante lembrar que o valor dos produtos pode ser diferente. “O comércio eletrônico reduz os custos para a empresa. É comum e aceitável que a mesma rede cobre preço mais baixo para a compra online que o praticado em sua loja física para o mesmo produto”, ressalta Karina Alfano, gerente de relacionamento do Idec. Embora o comércio eletrônico costume ter preços mais em conta, em geral, há cobrança de frete. Por isso, é preciso avaliar se vale mesmo a pena.
Muitas redes oferecem 10% de abatimento no preço para quem compra on-line e paga com boleto à vista. Mas será que vale a pena pagar no ato em vez de em dez vezes “sem juros” se o desconto for menor que isso? De acordo com Navarro, se a redução for de pelo menos 5%, vale. “Essa é uma boa medida, pois é a taxa média da poupança atualmente. Nessa modalidade, demoraria um ano para o dinheiro aplicado render 5%; se conseguir esse desconto, o cliente economiza o mesmo na hora”, explica.
O Idec pechinchou
A Revista do Idec testou as técnicas de pechincha recomendadas pelos entrevistados. A repórter Mônica Ramos pesquisou os preços e pediu desconto em cinco lojas de varejo: quatro de grandes redes (Casas Bahia e Ponto Frio [que são do mesmo grupo empresarial], Lojas Cem e Pernambucanas) e uma de médio porte que atua na Grande São Paulo (DonPaco). O produto pesquisado foi uma lavadora semiautomática (do tipo “tanquinho”) da mesma marca, nas versões 6,4 kg e 10 kg.
Nem todas as lojas tinham os dois modelos, mas mesmo assim foi possível observar uma diferença significativa de preço: o aparelho de 10 kg custava, inicialmente (preço indicado na etiqueta como “à vista”), R$ 389 nas Pernambucanas, R$ 348 nas Lojas Cem e R$ 329 nas Casas Bahia e no Ponto Frio – uma diferença de R$ 60 entre o mais caro e o mais barato. No caso da versão de 6,4 kg, a diferença de preço foi ainda maior: R$ 369 na DonPaco, R$ 298 nas Lojas Cem e R$ 269 nas Casas Bahia e no Ponto Frio – R$ 100 entre o maior e o menor.
Diante do pedido de desconto para pagamento à vista, em geral, os vendedores ofereciam redução de cerca de 5% do preço, sem que fosse preciso insistir muito. Nas Casas Bahia, por exemplo, o preço da lavadora de 10 kg caiu de R$ 329 para R$ 310. A repórter propôs, então, reduzir para R$ 300, e o vendedor aceitou. Assim, na prática, haveria quase 9% de desconto. A diminuição mais drástica de preço foi na loja DonPaco: depois que a pesquisadora argumentou que o modelo de 6,4 kg custava R$ 100 a menos em outras lojas (Ponto Frio e Casas Bahia), o vendedor fez algumas contas e disse que o máximo a que poderia chegar era R$ 298 – 19% mais barato que o preço inicial. Ainda assim, a proposta não cobria a oferta dos concorrentes. As lojas Cem também não cobriram os preços mais baixos das outras redes.