Consumidores Seguros
A segurança e a saúde dos consumidores é uma das preocupações do Idec, assim como de outras organizações de defesa do consumidor ao redor do mundo (e das autoridades de vigilância sanitária, claro). Para unir esforços para garantir que os cidadãos dos países das Américas consumam apenas produtos seguros e de boa qualidade, criou-se a Rede Consumo Seguro e Saúde (RCSS), uma ferramenta a serviço dos consumidores e das autoridades das Américas para o intercâmbio de informações e experiências, educação sobre segurança dos produtos e seu impacto na saúde e divulgação do tema. Quem nos explica como funciona essa rede é a diretora do Departamento de Desenvolvimento Social e Emprego da Organização dos Estados Americanos (OEA), Ana Evelyn Jacir de Lovo. Nascida em San Salvador (El Salvador), é economista e socióloga, com mestrado em Relações Econômicas Internacionais e doutorado em Desenvolvimento Econômico. Esta entrevista foi realizada em junho, nos intervalos do seminário Consumo Seguro e Saúde, no auditório da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em Brasília (DF)
Idec: Em que momento a proteção dos consumidores passou a preocupar a Organização dos Estados Americanos (OEA) e quando nasceu, de fato, a Rede Consumo Seguro e Saúde (RCSS)?
ANA EVELYN JACIR DE LOVO: A primeira vez em que os países-membros da OEA introduziram o tema consumidor foi na Assembleia Geral de 2009, quando foi proposta uma resolução sobre o tema, se não me engano, por El Salvador, com o apoio do Brasil, do Peru e de vários outros países. Com essa resolução em mãos, fomos falar com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para fazer algo com os órgãos de defesa do consumidor e as autoridades sanitárias. Então, realizamos duas coisas: 1. escrevemos o capítulo Consumo Seguro e Saúde num livro sobre determinantes sociais em saúde, lançado pela Opas, que é uma referência do projeto; 2. em agosto de 2009, fizemos uma pequena oficina na qual as autoridades sanitárias e de defesa do consumidor pensaram nos temas que poderiam trabalhar juntas. Todos os órgãos de defesa do consumidor convocados participaram (como era um teste, foram convidados os mais desenvolvidos), mas só a agência de vigilância sanitária do Brasil participou, a Anvisa.
Para não influenciar, porque eu já havia sido defensora dos consumidores e tinha minhas próprias ponderações, pedi para uma pessoa de fora mediar a discussão. E entre os temas discutidos estava esse do consumo seguro. Nesse momento havia resistência por parte de alguns órgãos de defesa do consumidor que defendiam que o direito à saúde é responsabilidade das autoridades sanitárias. Então, depois de longo processo de discussão no qual o Brasil foi importante – tanto a Anvisa quanto os órgãos de proteção ao consumidor –, concluiu-se que a segurança e a saúde dos cidadãos não pode ser vista como um compartimento estanque e que esse direito precisa ser tutelado por todos.
Quando chegamos a um consenso, começamos a trabalhar com o tema. Em abril de 2010 foi realizada uma oficina para definir quais países participariam da rede e que linha seguiriam. Então, o Brasil (não só ele, mas principalmente) disse que a porta sempre estaria aberta para todos os que quisessem participar.
E em agosto de 2010, já com outra resolução em mãos, realizamos nova oficina para apresentar um protótipo da rede e para que cada país expusesse a sua prática de vigilância de mercado. E essa foi a chave para passarmos para nova etapa. Em novembro, os EUA, o Brasil e creio que o Peru, lançaram a rede, já não como protótipo, mas como um portal de alertas. Assim, a rede nasceu em abril de 2010, mas foi oficializada em novembro.
O portal de alertas é muito parecido com o que a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) quer fazer em nível mundial. Esse portal ajuda os países a saber quais produtos estão dando problema, que tipo de problemas, e os orienta a preveni-los. O portal é a primeira etapa; a segunda é a consolidação dos sistemas nacionais (que é o que estamos fazendo agora); e a terceira é a criação do Sistema Interamericano de Alertas Rápidos (Siar), que tem de se basear em sistemas nacionais que funcionem. E em relação a isso, os Estados Unidos têm sido fundamentais (também a Austrália e o Canadá), explicando-nos como fazem a vigilância de segurança de produtos.
Idec: Quais países integram a RCSS?
AEJL: A Rede Consumo Seguro e Saúde é composta por todos os estados-membros das Américas, desde o Canadá até o Chile, incluído o Caribe. É um espaço aberto a todos, mas nem todos participam ativamente. Se eu for citar os países mais ativos, posso me esquecer de algum, então é mais fácil dizer os que não são. Até agora, Honduras, Venezuela, Paraguai, Uruguai e Bolívia têm participado pouco. E o Caribe participa por meio da Caricon [Caribbean Community Secretariat], mas não há participação ativa de cada país separadamente.
Idec: Quais são as principais dificuldades dos países que participam da RCSS?
AEJL: Primeiramente, o fato de muitas vezes os órgãos de defesa dos consumidores serem frágeis e a autoridade sanitária, muito mais forte. Nesse caso, é difícil uma autoridade forte se aliar a outra fraca, porque os fortes gostam de se unir aos fortes.
A fragilidade institucional, a limitação de recursos e a pouca experiência, às vezes, impedem que se compreenda exatamente o problema e se encontre as ferramentas para resolvê-lo e fortalecer o sistema de vigilância de segurança de produtos. A rede tem ajudado a identificar os problemas e a buscar soluções para eles. É importante discutir esse tema num mercado cada vez mais global. Então, a rede serviu para dar noções básicas em uma linguagem comum, e essa orientação permitiu caminhar muito mais rápido do que se tivéssemos ido de país em país.
Idec: Qual o envolvimento da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) na RCSS?
AEJL: Essa aliança foi fundamental, pois a Opas nos deu apoio político e financeiro; não tínhamos um dólar sequer para iniciar o processo, e quem pagou a primeira oficina, em agosto de 2009, foi a Opas, que confiou no que estávamos fazendo. Agora, ela tem um projeto apoiado pelo Brasil para conseguir maior envolvimento das autoridades sanitárias, porque até o momento só a do Brasil, da Colômbia, da Argentina e do Peru têm participado, sendo que a do Brasil e a da Colômbia são as mais importantes.
Idec: Por que a rede não tratará de alimentos e medicamentos, mesmo havendo o envolvimento da Anvisa e de outras autoridades sanitárias?
AEJL:Essa decisão foi difícil. No início queríamos incluir alimentos e medicamentos, mas se fizéssemos isso teríamos um mundo de coisas e seria supercomplexo. É preciso começar pelas coisas mais simples. Por isso, pensamos em produtos não alimentícios, o que facilita o desenvolvimento dos sistemas de vigilância e comunicação de alerta. Quando o sistema se consolidar, poderemos integrar outros temas.
Idec: Um dos objetivos da RCSS é criar o Sistema Interamericano de Alertas Rápidos (Siar) para detectar rapidamente os produtos não alimentícios inseguros e coordenar uma ação para evitar que eles entrem nos países das Américas. Fale um pouco sobre isso.
AEJL: Quando falamos do Siar, falamos de um estágio superior ao que temos atualmente. Hoje, consolidamos as informações de alertas rápidos advindos de uma diversidade de sistemas que têm critérios diferentes. Com o Siar teremos linguagem e procedimentos comuns. Por exemplo, se no Brasil determinado produto for colocado em alerta, isso valerá para a Bolívia, para o Chile, para os países da América Central, para os EUA...
Idec: Hoje, quais são os produtos mais inseguros nas Américas?
AEJL: Estamos fazendo uma análise quantitativa e analítica das informações que temos depois de quase dois anos de existência da rede. E os produtos que mais oferecem riscos à saúde costumam ser os destinados a crianças, como, por exemplo, carrinhos para bebês e brinquedos. Isso nos preocupa, porque as crianças são mais frágeis. Depois vem roupas e aparelhos que possuem parte elétrica, pois podem superaquecer e causar incêndio.
Idec: A RCSS é formada principalmente por agências e órgãos governamentais. O que se espera da sociedade civil?
AEJL: A sociedade civil está envolvida desde o início por meio da Consumers International [federação que reúne mais de 220 entidades de defesa do consumidor de diversos países, entre elas o Idec]. Ela participa ativamente difundindo alertas [de produtos inseguros], identificando produtos que podem colocar em risco a saúde (ou que já colocaram) e divulgando essa informação.
É necessário educar o consumidor para que ele saiba por que é importante garantir a segurança no consumo e que nem sempre os acidentes acontecem por mal uso (e se houver mal uso, é preciso preveni-lo).
Idec: A desigualdade existente entre países ricos, como EUA e Canadá, e outros mais pobres das Américas Central e do Sul não é um obstáculo para a rede?
AEJL: A desigualdade não existe apenas entre países, mas também dentro de um mesmo país. Nesse sentido, ela não pode servir de impedimento para que as nações trabalhem juntas. Todas, não importa quão diferentes sejam, quão pobres sejam, têm algo a ensinar e a aprender.
Então, a desigualdade não é problema, mas ela obriga os países mais desenvolvidos a ajudarem os menos desenvolvidos a obter sistemas de alertas melhores, pois, com o comércio e o consumo globais, se não houver maior vigilância no país de origem, seguramente, os produtos vão chegar a outros mercados com problema de qualidade.
Idec: O funcionamento pleno da RCSS estará suscetível a variações nos blocos econômicos regionais (por exemplo, se o Paraguai for suspenso temporariamente do Mercosul, como se tem noticiado)?
AEJL: Quando as relações com Honduras foram suspensas, nós não podíamos implementar nenhum projeto lá. Então, seria um problema, eu imagino, se algum país da OEA fosse suspenso. Mas como a OEA não formalizou sua posição, a RCSS segue trabalhando com todos os países normalmente. SAIBA MAIS Rede Consumo Seguro e Saúde http://goo.gl/CorX1