Consórcios problemáticos
O Idec entrou com centenas de ações na Justiça contra as administradoras que não ressarciram os consumidores desistentes ou excluídos de grupos de consórcios e contra aquelas que faliram sem entregar o bem aos consorciados
A tentação de adquirir um bem e pagar a prazo, sem juros, leva muitos consumidores a optar pelo consórcio. Até bem pouco tempo atrás, porém, esse era um negócio de risco, pois não havia lei específica que regulamentasse o setor. Só em fevereiro de 2009 a Lei no 11.795/2008, que estabelece regras para os consórcios, entrou em vigor. Nos anos 90, principalmente, a falta de regulação e a fiscalização falha por parte dos órgãos competentes constituíram um terreno fértil para que brotassem inúmeros consórcios mal administrados. Muitos deles acabaram falindo, deixando os consorciados a ver navios: sem receber o bem consorciado ou o dinheiro investido de volta. Além disso, a ausência de regras acarretava conflitos entre os consumidores e as administradoras, como em relação ao prazo para aqueles que desistissem ou fossem excluídos do grupo de consórcio (por atraso no pagamento das parcelas, por exemplo) receberem de volta o valor pago.
Por conta desses problemas, o Idec entrou na Justiça para lutar pelos direitos dos consorciados. No total, foram 112 ações coletivas e civis públicas, parte contra as próprias administradoras de consórcio e parte contra o Banco Central e a União, responsáveis por fiscalizar o setor. As primeiras ações datam do início da década de 90, mas como os problemas perduraram por cerca de dez anos, alguns processos foram movidos já nos anos 2000.
Prazo incerto
Em geral, os contratos antigos de consórcios não previam prazo para a devolução das parcelas pagas pelos consorciados que desistissem ou fossem expulsos do grupo. Quando indicavam algum período, normalmente era de 30 a 60 dias após o encerramento do grupo. O Idec não considera esse prazo aceitável, principalmente para os grupos com longa duração, pois se os exconsorciados desistissem de pagar logo no início, por exemplo, teriam de esperar quase cinco anos para receber o dinheiro de volta. “Era uma onerosidade excessiva ao consumidor, decorrente de vantagem exagerada para a administradora”, destaca Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Idec.
Essa situação foi motivo de diversas ações judiciais do Instituto – as primeiras sobre os consórcios –, com pedido de devolução imediata do valor pago, devidamente corrigido. Em vários casos, os consumidores ganharam a causa, mas como os processos na Justiça demoram demais para ser finalizados, quando chegava a hora de executar a sentença favorável, os consumidores haviam sido ressarcidos pela administradora, pois os grupos já tinham chegado ao fim. Porém, houve casos em que a empresa nunca pagou os ex-consorciados. Para eles, as ações são úteis. Atualmente, estão em execução os processos do Idec contra as administradoras Adbras (ação Q58), Autoplan (Q65), Consopave (Q73), Marcas Famosas (Q99), Martinelli (Q91), Porto Unidas (Q83), Santo Amaro (Q56) e Savena (Q38).
A lei de consórcios se manteve omissa a respeito do prazo para a devolução do valor pago pelos consumidores desistentes ou excluídos do grupo de consórcio, de modo que a questão continua sendo levada à Justiça. De acordo com decisão em Recurso Repetitivo (procedimento que pacifica o entendimento dos tribunais) do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o prazo para reembolso nesses casos é de 30 dias, tanto para os contratos firmados antes da vigência da lei de consórcios (fevereiro de 2009) quanto para os assinados a partir dessa data.Socorro, meu consórcio faliu
O Idec também moveu diversas ações coletivas e ações civis públicas contra as administradoras que, por estarem “mal das pernas”, não entregaram os bens aos consorciados que haviam pagado todas as parcelas, tampouco devolveram seu dinheiro. Em muitos casos, a situação financeira da administradora era tão grave que ela faliu. E quando uma empresa prestadora de serviços quebra, é muito raro que os consumidores consigam receber seu dinheiro de volta. “Em caso de falência, os consumidores são considerados credores quirografários, ou seja, são os últimos a receber o que lhes é devido, pois não têm privilégio ou preferência. É raro conseguir ressarcimento, porque normalmente não há dinheiro suficiente para pagar todos os credores, e os ‘últimos da fila’ ficam sem receber”, explica Maria Elisa.
Mesmo com poucas probabilidades de sucesso, o Idec entrou na Justiça contra as administradoras falidas, pedindo a restituição dos valores pagos pelos consumidores. “Essas ações foram movidas em benefício dos associados que trouxeram a documentação que comprovava os prejuízos”, informa a gerente jurídica do Instituto. Além disso, também foram ajuizadas ações contra a União e o Banco Central, já que foi em decorrência da fiscalização falha ou tardia desses órgãos que muitas administradoras de consórcios faliram. “A omissão na fiscalização dos consórcios contribuiu para a quebra das empresas e o prejuízo generalizado dos consumidores, por isso os órgãos deveriam ser responsabilizados pela indenização dos consorciados”, observa Maria Elisa.
“Em caso de falência, os consumidores não têm privilégio ou preferência; eles são os ‘últimos da fila’ de pagamento”
Maria Elisa Novaes, gerente jurídica do Idec
Atualmente, o Idec acompanha 17 processos relacionados a falência em que há habilitação de crédito para 136 associados, ou seja, cujo pedido de restituição foi reconhecido e está na “fila” de dívidas a serem pagas. Mas, infelizmente, isso não garante que o pagamento será concretizado. O único caso de sucesso de consórcios falidos ocorreu recentemente: em 2011, a Justiça liberou a restituição do dinheiro investido pelos associados do Idec no Consórcio Garavelo, cuja falência foi decretada em 1997. “Já recuperamos cerca de R$ 700 mil para pouco mais de 50 associados. Os pagamentos ainda não foram finalizados porque não localizamos todos os beneficiados”, informa a gerente jurídica do Idec.
O Ministério Público também entrou na Justiça em favor dos consorciados. Em muitas ocasiões, o órgão ingressou com ações de responsabilidade civil contra os dirigentes das administradoras de consórcio falidas, requerendo sua punição por má gestão da empresa e o uso de seu patrimônio pessoal para pagar os consorciados. A maioria desses processos ainda está em andamento.
A lei de consórcios
Não bastasse a demora em criar uma regulamentação para os consórcios, a atual lei quase saiu pior que a encomenda. O texto aprovado pelo Congresso tinha dispositivos prejudiciais ao consumidor, e foi preciso que o Idec e outros órgãos de defesa do consumidor solicitassem que a Presidência vetasse alguns artigos. Entre eles estava um que eximia a administradora de consórcios da responsabilidade solidária de pagar os consorciados; outro que permitia a exclusão do consorciado que não quisesse permanecer no grupo ou deixasse de cumprir qualquer obrigação financeira, sem qualquer aviso formal, e um terceiro cuja redação poderia dificultar ao consorciado desistente receber de volta o que pagou. Mas, felizmente, o pedido foi acatado e as três previsões foram retiradas do texto final da lei.
Para o Idec, a existência de uma lei básica para os consórcios é uma medida importante para garantir mais segurança jurídica aos consumidores. Além da norma, o Banco Central – que continua sendo o responsável pela fiscalização do setor – editou duas circulares que especificam as regras para a formação e o funcionamento de grupos de consórcios e para a administradora. E se antes o mais comum era recorrer a consórcios para adquirir bens duráveis, como carro e casa, atualmente a lei permite que serviços como pacotes turísticos e até cirurgias plásticas sejam consorciados