Informar é a regra; o sigilo é exceção
Idec: Quais são as informações consideradas sigilosas?
JEER: Com a vigência da LAI, a publicidade é o princípio geral e o sigilo é a exceção; uma informação pública pode ser classificada como sigilosa quando considerada imprescindível à vida, segurança ou saúde da população, ou à soberania nacional, às relações internacionais e às atividades de inteligência do Estado. As informações sigilosas podem ser classificadas como ultrassecretas (sigilo por no máximo 25 anos, passível de prorrogação uma única vez), secretas (sigilo por 15 anos) e reservadas (sigilo por cinco anos).
Idec: A LAI é retroativa? Ou seja, ela vale para arquivos que já eram considerados sigilosos? A data que conta para estabelecer o sigilo é a do documento ou a data de vigência da lei?
JER: Não, a LAI não modifica os atos jurídicos perfeitos produzidos anteriormente. Contudo, ela obriga que todos os documentos classificados antes de 16 de maio de 2012 sejam reavaliados no prazo máximo de dois anos. Se nesse intervalo houver nova classificação do documento sigiloso, o prazo de sigilo passa a valer a partir dessa nova classificação.
Idec: Haverá critérios diferenciados para definir o que é sigiloso de acordo com a esfera (municipal, estadual, federal) e o Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário)?
JER: Não, pois no que se refere ao sigilo, a Lei nº12.527/2011 abrange todos os poderes e entes federativos indistintamente.
Idec: Quantos pedidos já foram feitos e quais foram os órgãos que mais receberam demandas?
JEER: Temos divulgado um boletim diário com os dez órgãos que mais recebem pedidos. Até hoje [4 de junho, data em que foi realizada a entrevista] foram feitos 7.445 pedidos e os órgãos com mais demandas foram o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep).
Idec: A CGU tem o perfil das pessoas que fizeram esses pedidos?
JER: Nós pedimos para as pessoas que solicitam informações pelo e-sic que preencham um perfil, mas nós não podemos obrigá-las a fazer isso. Não há qualquer pretensão de controle ou monitoramento, a nossa expectativa é compreender de onde vem as demandas, para que possamos criar uma página dirigida a determinado grupo, por exemplos, de estudantes. Estamos tentando criar uma rotina para colocar no boletim diário não apenas o número de pedidos e os órgãos que mais os recebem, mas uma qualificação das solicitações. Esse vai ser o esforço daqui para a frente.
Idec: A lei prevê que essas informações sejam fornecidas em linguagem leiga. Os órgãos estão preparados para isso?
JER: A lei impacta a cultura do segredo, que faz com que os servidores acreditem que a informação que eles produzem é deles e as guarde na sua própria gaveta. Essa cultura se expressa por uma linguagem muitas vezes rebuscada, outras vezes pelo silêncio e por um “burocratez” hermético, indecifrável.
Uma das atribuições claras da lei é promover a “linguagem cidadã”, ou seja, a comunicação clara e acessível. A Ouvidoria Geral da União também tem a incumbência de orientar os órgãos públicos sobre como se pronunciar. O órgão que receber o pedido tem que considerar a perspectiva do cidadão, reconhecê-lo como sujeito e titular de direitos e de informações públicas. Por exemplo, se o pedido for feito por um adolescente deve-se supor um determinado nível de compreensão e tentar tratar a informação sem prejudicar sua consistência, mas de forma que ela seja compreendida. Essa é uma atribuição típica das ouvidorias públicas, historicamente descrita como “canal de comunicação”. Hoje, são 180 ouvidorias federais. Destas, cerca de 40 estão diretamente vinculadas ao processo de implementação da LAI, ou seja, trabalharam na criação do SIC, construíram os padrões de resposta etc.
Para nós, não interessa apenas que a lei seja eficaz, no sentido de produzir respostas, mas estas precisam ser informativas e promover a comunicação entre cidadãos e administração pública.
Idec: Noventa países já possuem Lei de Acesso à Informação. A lei brasileira foi baseada em alguma delas?
JEER: Grande parte desses países é, como o Brasil, signatária de três importantes convenções internacionais (uma da OEA, uma da OCDE e outra da ONU). Os compromissos firmados nessas convenções impulsionam o acesso à informação pública em cada órgão. Por exemplo, aplica-se aos EUA, ao México, ao Chile, à Colômbia e ao Brasil a distinção entre transparência ativa e passiva. Embora a Constituição Federal de 1988 seja o marco brasileiro da garantia do direito ao acesso à informação, recorremos à experiência internacional para produzir nossa lei. Contudo, nossa LAI é considerada uma das mais avançadas do mundo.
Vale dizer que só foi possível implementar a lei em âmbito federal em tão pouco tempo (apenas seis meses) porque não partimos do zero. Desde 2000, o governo brasileiro tem adotado inúmeras medidas legais e institucionais de promoção da transparência, alinhadas com as melhores práticas e padrões internacionais. Destaco a criação, em 2004, do Portal da Transparência, mantido pela CGU.
Idec: Em outros países, os órgãos demoraram anos para se adaptar à Lei. O prazo de seis meses para adaptação aqui no Brasil é suficiente?
JER: O prazo de adaptação já expirou, pois a lei entrou em vigor em 16 de maio. Esse prazo tão pequeno só foi possível na administração federal porque o Brasil já tinha uma grande experiência em transparência ativa. Claro que ainda há reparos a se fazer, pontos a se aprimorar, mas todos os órgãos da administração federal já tem o SIC, por exemplo. Nós conseguimos em seis meses organizar os documentos de forma que hoje conseguimos atender aos pedidos em prazos pequenos.
Idec: De que forma a LAI pode beneficiar o consumidor?
JEER: De modo geral, pode-se dizer que a LAI beneficia o cidadão porque estabelece condições e procedimentos para ampla e irrestrita transparência. Especificamente, pode beneficiar o consumidor ao garantir mais informações sobre empresas, produtos e serviços que tenham sido, de alguma forma, avaliados pelo Estado. Certamente, a aplicação da LAI produzirá incrementos a iniciativas de transparência já bastante utilizadas por órgãos e entidades que atuam na defesa do consumidor, como, por exemplo, o Sistema de Convênios do Governo Federal (Siconv); o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), que fornece dados de empresas e profissionais que prestam serviços de saúde; e o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), que divulga as punições aplicadas pela União e pelos demais entes federativos às empresas que praticam fraudes, atos de corrupção e descumprem obrigações em licitações e contratos administrativos. Outro benefício é a proteção que a LAI confere às informações pessoais. Ela estabelece que o acesso a dados que digam respeito à privacidade, à honra e à imagem do cidadão é restrito pelo prazo de 100 anos, independentemente da classificação.
Idec: O Idec acompanha o trabalho das agências reguladoras. Como essa lei vai afetar o trabalho das organizações de defesa do consumidor?
JEER: A Lei no 12.527/2011 é um poderoso instrumento de garantia de direitos fundamentais. É exatamente o que nos ensinam as experiências chilena, mexicana e norte-americana. Há motivos de sobra para acreditarmos que em nosso país não será diferente, sobretudo porque contamos com organizações da sociedade civil vigilantes e experientes, que há décadas protagonizam a defesa e a promoção de direitos.
A LAI se aplica integralmente às agências reguladoras, o que deve resultar – como nos demais órgãos públicos – num acréscimo de transparência aos processos regulatórios, no âmbito em que o Idec atua. A expectativa é de que o acesso à informação facilite a participação da sociedade civil nos processos de decisão e, assim, acrescente mais legitimidade e democracia à atuação do Estado.
SAIBA MAIS
- Portal sobre a Lei de Acesso à Informação http://goo.gl/Vb0CA
- Cartilha Entendendo a Lei Geral de Acesso à Informação, da organização Artigo 19 http://goo.gl/4RC3e
Em 16 de maio os brasileiros ganharam uma nova lei, a chamada Lei de Acesso à Informação (LAI – Lei nº 12.527/2011), que obriga os órgãos públicos federais, estaduais e municipais (ministérios, empresas estatais, governos estaduais, prefeituras, autarquias etc.) a fornecer informações relacionadas às suas atividades a qualquer pessoa (jurídica ou física) que as solicitar. Organizações não governamentais que recebem recursos públicos e que têm parceria ou convênio com o governo também devem divulgar informações sobre o dinheiro recebido e sua destinação.
Na esfera federal, o acompanhamento da lei será feito pela Controladoria-Geral da União (CGU), sobretudo pela Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas (SPCI), que fará o monitoramento da transparência ativa (quando a informação é disponibilizada voluntariamente pelo órgão), e pela Ouvidoria-Geral da União (OGU), ligada à CGU, responsável pela transparência passiva (quando a informação é prestada mediante solicitação).
Como muitas dúvidas pairam no ar, entrevistamos, por telefone, o ouvidor-geral da União, José Eduardo Elias Romão, que nos explicou como a lei funcionará na prática. Formado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com especialização em Direitos Humanos, mestre e doutor em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB), ele assumiu a OGU em março de 2011
Idec: O decreto de regulamentação deixa bem claro o papel da Controladoria-Geral da União (CGU) na implementação da Lei de Acesso à Informação (LAI) na esfera federal e no Poder Executivo. Qual o seu papel nos poderes Judiciário e Legislativo e nas esferas estadual e municipal?
JOSÉ EDUARDO ELIAS ROMÃO: A CGU é o órgão responsável pela transparência, pelo controle interno, pela prevenção da corrupção e pela ouvidoria do Poder Executivo Federal. Portanto, o papel que nos cabe junto aos demais poderes e entes federativos é o de auxiliar a implementação da LAI nos diferentes órgãos públicos.
Idec: Quais são os principais desafios que a CGU enfrentará na implementação da lei?
JEER: “Inspirado” pela experiência internacional, parece correto afirmar que as principais dificuldades dos órgãos públicos brasileiros estão relacionadas a aspectos operacionais de implementação, e passam pela superação de três grandes desafios:
1) Cultural: muitas vezes, a demanda do cidadão não é vista como legítima, ao contrário, é entendida como um problema que vai sobrecarregar os servidores e desviar tempo e recursos que seriam destinados a outras funções importantes. Além disso, os servidores temem que as informações sejam usadas indevidamente por grupos de interesse ou políticos. 2) Educacional: precisamos formar os servidores públicos nos termos da cultura de transparência preconizada pela Constituição de 1988 e, especialmente, contemplada na LAI. Estamos capacitando todos os servidores públicos do Brasil – em especial aqueles que atuam na implementação e no monitoramento da nova lei. 3) Econômico: é evidente que o bônus da implementação da política de acesso à informação é bastante superior ao ônus envolvido no processo. No entanto, os custos são significativos e não podem ser desconsiderados. O sucesso da implementação da LAI passa necessariamente pelo investimento maciço em recursos humanos e pelo desenvolvimento e aprimoramento de sistemas que viabilizem, efetivamente, o acesso dos cidadãos às informações públicas, como, por exemplo, os sistemas governamentais de registro e arquivamento de informações.
Idec: Como o cidadão que desejar uma informação de um órgão público deve proceder?
JEER: É importante destacar que as informações podem ser solicitadas também por pessoas jurídicas. A lei estabelece que o pedido de acesso à informação é um segundo passo. O primeiro passo deve ser a transparência ativa, ou seja, o Estado tem a obrigação de divulgar as informações em sua página na internet ou em locais de fácil acesso, de forma que possam ser consultadas e utilizadas de acordo com o interesse do solicitante, que não precisa apresentar qualquer justificativa. Antes, o cidadão tinha que explicar por que estava pedindo aquela informação. Agora, é o órgão que tem que se justificar quando nega um pedido. Eu tenho comparado essa mudança com a evolução representada pela inversão do ônus da prova presente no Código de Defesa do Consumidor. Se as informações não estiverem disponibilizadas na internet, aí devem ser solicitadas, preferencialmente, por meio de uma plataforma na web chamada e-Sic (Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão – www.acessoainformacao.gov.br/sistema), que é monitorada pela CGU. Se o pedido for feito por carta ou pessoalmente, o Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) do órgão deverá conferir se os quesitos obrigatórios foram preenchidos corretamente, registrar o pedido e fornecer o número de protocolo para que o requerente acompanhe a tramitação. Pela lei, cada órgão deve ter o seu SIC.
É importante dizer que se o órgão ao qual foi feito o pedido não o atender, o cidadão pode recorrer à autoridade hierarquicamente superior a esse órgão (recurso de primeiro grau). Se este não fornecer a informação, ele pode recorrer ao dirigente máximo do órgão – ministro ou presidente da autarquia, por exemplo – (recurso de segundo grau), e se continuar com dificuldades para receber os dados solicitados, deve recorrer à CGU (recurso de terceiro grau). Dentro da CGU, é a Ouvidoria-Geral da União quem analisa os recursos.
Idec: Nem todas as informações podem ser enviadas impressas, pelo correio. Quem arcará com os custos?
JER: Se o arquivo for muito grande ou não estiver digitalizado e não puder ser enviado por e-mail, ele é enviado pelo correio. Nesse caso, o solicitante deverá arcar com os custos do envio. Queremos estimular que os pedidos sejam feitos por meio eletrônico [pelo e-sic], porque dessa forma é mais fácil divulgar o balanço de pedidos, como temos feito diariamente. O México tem uma lei de acesso à informação e também um grande sistema eletrônico. Salvo engano, 95% das solicitações dirigidas ao Instituto Federal de Acceso a la Información y Protección de Datos (IFAI) – órgão do Poder Executivo Federal mexicano - são feitas por meio eletrônico. Diferentemente, do Chile, onde não há um sistema integrado e, por isso, cada órgão público recebe e registra as solicitações feitas por meio de um formulário padrão. Tal como os mexicanos fizeram, decidimos integrar todos os pedidos e recursos destinados ao Poder Executivo Federal num único banco de dados, até para que tenhamos uma visão organizada do processo, dos problemas, das demandas, enfim, da aplicação federal da lei.