Os Olhos do consumidor
Idec: O Procon faz ações de fiscalização junto com a vigilância sanitária?
RF: Nós fazemos parceria com a Vigilância Sanitária em alguns temas, por exemplo, nas campanhas antiálcool para menores e antifumo. Já a fiscalização em supermercados só é feita em parceria com a Vigilância Sanitária nos municípios pequenos, na capital não. Mas sempre que identificamos uma situação calamitosa informamos a Vigilância Sanitária e vice-versa.
Idec: Quais são os principais problemas encontrados?
RF: Produtos vencidos é um problema que melhorou muito. Chegamos a um ponto em que alguns supermercados já tinham sido autuados mais de 20 vezes a respeito do mesmo problema ao longo dos últimos 20 anos de vigência do CDC. Em 2010, passamos a aplicar sanções mais severas, como a suspensão das atividades, porque aplicávamos multas e as empresas não pagavam. Isso fez com que os supermercados ficassem alertas. Como eles se interessaram em melhorar, decidimos atacar as causas desses problemas, já que atacar as consequências não estava adiantando. Assim, nasceram as câmaras técnicas com o intuito de traçar diretrizes; o primeiro item de discussão foi a validade dos produtos. Desse debate nasceu a campanha De Olho na Validade [o consumidor que encontrar um produto vencido na prateleira dos supermercados vinculados à Associação Paulista de Supermercados (Apas), que corresponde a 80% dos estabelecimentos do Estado de São Paulo, tem direito de levar outro igual, e dentro da validade, de graça], implantada com êxito. Passamos um semestre sem denúncias a esse respeito.
Outros problemas bastante comuns são a diferença de preço no caixa e na gôndola e a forma como o preço é informado. Os supermercados acabam atraindo a presença do Procon por desrespeito a um direito básico do consumidor, que é o direito à informação. Além disso, temos problemas relacionados a má prestação de serviço (filas, falta de atendimento preferencial – que será o próximo item a ser debatido na Câmara Técnica – etc.).
Para a diferença de preço caixa/gôndola existe solução: a etiqueta eletrônica que parece o visor de uma calculadora, mas os supermercados dizem que é muito cara, porque não existe fabricante nacional, e as importadas têm carga tributária altíssima. Com essas etiquetas, quando você altera o preço no sistema, ele muda automaticamente, sem ser necessário imprimir novas etiquetas e colocá-las manualmente. Os supermercados dizem que estão batalhando junto às esferas federal e estadual por uma desoneração que permita que esse produto seja utilizado aqui no Brasil. Para o Procon essa medida é urgente.
Idec: Qual o direito do consumidor que leva para casa um produto vencido?
RF: De acordo com o artigo 18 do CDC, o consumidor que, por ventura, não olhou a validade do produto no supermercado e, quando chegou em casa percebeu que ele estava vencido, tem o direito de receber de volta o valor pago, de trocar o produto por outro em perfeitas condições ou de comprar outro produto e receber um abatimento no preço referente ao valor pago pelo produto vencido.
Idec: Se existem problemas nos supermercados de grandes redes, como você avalia a situação das redes menores e dos pequenos supermercados espalhados, sobretudo, em cidades pequenas e médias, ou na periferia?
RF: Nos supermercados pequenos, o controle é mais fácil, porque há menos produtos. Os grandes possuem mais produtos, mas também mais meios de investir em tecnologia e pessoal para dar conta da fiscalização interna.
Tanto os pequenos supermercados como as grandes redes precisam ter zêlo e responsabilidade, especialmente aqueles que funcionam por 24 horas. Aqueles que fecham durante a noite têm tempo para checar a loja antes de abrir para o consumidor (se os preços estão batendo entre o caixa e a gôndola, se há produtos vencidos, se há latas amassadas etc.). Os que funcionam ininterruptamente não dispõem desse tempo, então precisam arranjar uma forma de fazer esse controle interno para evitar que o consumidor seja lesado.
Idec: O que está sendo discutido para melhorar os problemas detectados nos supermercados?
RF: Além da campanha De Olho na Validade, que é de curto prazo, estão sendo estudadas medidas de médio e longo prazo. Uma medida que os próprios supermercados se dispuseram a implementar em breve é a colocação de etiquetas em produtos vendidos a granel, que quando passada no caixa apita se o prazo de validade estiver vencido. E existe uma medida de longo prazo, que depende de investimento maciço, não só do varejo mas também da indústria, que são as etiquetas inteligentes. Bastaria passar um escâner na gôndola e o produto vencido apitaria, facilitando sua retirada da prateleira.
Idec: A campanha Vamos Tirar o Planeta do Sufoco, da Apas, aboliu as sacolas plásticas descartáveis dos supermercados paulistas, mas o consumidor, além de ter sido pego de surpresa, vai arcar sozinho com o custo das novas sacolas. Qual a sua opinião sobre isso?
RF: No começo, o consumidor foi pego de surpresa com uma medida muito austera, porque não houve educação adequada. Daí o Procon-SP firmou junto com o Ministério Público um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que permitiu que os consumidores tivessem dois meses [até 4 de abril] para se adaptar à nova medida e que recebessem informação adequada.
Os supermercados não são obrigados por lei a fornecer sacolinhas ou outra forma de o consumidor levar as compras para casa, mas foram eles mesmos que as inseriram, durante 40 anos, na vida do consumidor. Mas da mesma forma que elas foram colocadas, podem ser retiradas, desde que o consumidor seja informado. Muito se falou em um cenário trágico a partir de 4 de abril, mas não é o que estamos presenciando na prática. Temos um número muito pequeno de indignação e de reclamação dos consumidores. Há uma exaltação muito grande em redes sociais, mas isso, como toda lei de impacto, tende a arrefecer conforme o consumidor for se adaptando à nova realidade. É como a lei que obrigou o uso do cinto de segurança, o rodízio municipal de veículos, a lei antifumo.
Idec: Quantos fiscais estão hoje nas ruas do Estado de São Paulo?
RF: Temos entre 200 e 250 fiscais para verificar uma infinidade de temas. Alguns temas possuem uma equipe específica, por exemplo, a fiscalização de combustíveis, porque exige capacitação especial, comprometimento e precisão. Temos também equipes focadas em trabalhos internos, como fiscalização de contratos, publicidade e vício de produto. Os problemas encontrados na rua, como, por exemplo, nos supermercados, são verificados por fiscais municipais.
Hoje em dia, temos tentado trabalhar com o máximo de inteligência, porque existem cerca de 50 leis estaduais que atribuem competência de fiscalização ao Procon sobre os mais diversos temas. Isso significa atacar as causas e aplicar outras sanções que não multa, porque assim as empresas são obrigadas a melhorar suas práticas, e, consequentemente, podemos reduzir a fiscalização.
Idec: Qual a porcentagem de multas pagas pelas empresas autuadas?
RF: Apenas 15% das multas são pagas voluntariamente durante o processo administrativo. Mas já foi muito pior, já foi 5%. O resto não paga ou vai inscrito em dívida ativa para o estado, que tem de executar a empresa judicialmente. Mas isso melhorou bastante, porque o próprio estado inscreve a empresa no Cadastro de Devedores do Estado, o que a impede de participar de licitações.
Idec: Você acha que fechar um estabelecimento ou tirar um site do ar funciona mais que multa?
RF: Depende do caso. A multa funciona para as empresas que realmente têm interesse em melhorar. Já para aquelas que contabilizam a multa em seus balanços, ela não surte efeito. Essas outras sanções têm um papel fundamental, pois atingem a imagem da empresa.
Idec: E você não acha que uma cidade do porte de São Paulo deveria ter um Procon municipal?
RF: Sim, São Paulo deveria aproveitar a estrutura das subprefeituras. Mas ainda é preciso estudar como ele funcionaria. Com a existência de Procons municipais, o Procon estadual ficaria responsável pela educação para o consumo, pelo fomento de políticas públicas e estabelecimento de diretrizes para os Procons municipais, enquanto estes fariam o atendimento aos consumidores. Já a fiscalização é um tema muito complicado. É importante que haja parceria entre os municípios e o estado, principalmente se o município for pequeno.
Idec: No ranking de atendimentos do primeiro trimestre de 2012 do Procon-SP, entre as 20 primeiras empresas, cinco são bancos (Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal – CEF) e seis são operadoras de telefonia (Telefônica, Claro, Embratel, Tim, Oi e Vivo). Embratel, Tim, CEF, Banco do Brasil e Oi continuam a não solucionar 25% ou mais das reclamações. O que está sendo feito para coibir os abusos? Você pode citar o valor das multas aplicadas contra essas empresas?
RF: Só em fevereiro foram R$ 75 milhões em multas por um problema crônico que é o desrespeito ao Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC).
As empresas que fazem parte do ranking foram chamadas para dialogar e estipular metas que reduzam o número de reclamações, ou seja, para que os problemas sejam resolvidos internamente e não cheguem ao Procon. E para as empresas com as quais o diálogo não surte efeito, o jeito é aplicar outras sanções além de multa.
Nós também encaminhamos os problemas a todas as agências reguladoras, e no caso do sistema financeiro, ao Banco Central, além de divulgarmos nosso ranking. Mas, infelizmente, não temos mão de ferro dos órgãos reguladores para melhorar a situação. Os trabalhos para a regulamentação de qualidade e metas de qualidade do serviço são muito lentos se comparados com a velocidade de conquista de novos consumidores. É uma equação explosiva, pois temos mais consumidores e menos regulação, o que resulta em reclamação nos órgãos de defesa do consumidor.
Idec: No mesmo ranking, duas entre as 20 primeiras empresas prestam serviços públicos essenciais (Sabesp e Eletropaulo). Quais providências o Procon tem tomado em relação a elas?
RF: Por se tratar de serviços essenciais, trabalhamos com o máximo de efetividade possível para que o consumidor não fique sem eles, ou, se ficar, que a reparação seja imediata.
Quando a Sabesp interrompeu seu serviço, ela nos procurou voluntariamente com vistas a celebrar um Termo de Ajustamento de Conduta para reparar a situação. A Sabesp é uma empresa que se mostra proativa para resolver os problemas do consumidor, tanto que está lá embaixo no ranking. O ideal é não ter reclamações, mas ela está muito bem se considerarmos o número de clientes e se a compararmos a outras empresas da mesma natureza.
Já a Eletropaulo precisou apanhar muito para melhorar. No ano passado, tivemos que pedir à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que fizesse intervenção na empresa, depois de termos aplicado mais de R$ 18 milhões em multas nos últimos três anos. Nós inaugurarmos um canal de atendimento específico para o consumidor reclamar de falta de energia e problemas no SAC, justamente porque o serviço de atendimento ao consumidor da Eletropaulo era inoperante. Em decorrência disso, a empresa investiu mais de R$ 200 milhões em melhorias de curto prazo para recompor sua imagem perante o consumidor, mas ainda está muito aquém do que desejamos.
Site do Procon-SP www.procon.sp.gov.br
Talvez a mais conhecida função da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-SP) seja orientar os consumidores acerca de seus direitos e obrigações nas relações de consumo. Mas ela tem muitas outras, entre as quais fiscalizar o mercado consumidor para garantir que os artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) sejam respeitados. São muitos os temas que cabem ao órgão paulistano fiscalizar: lei antiálcool para menores, lei antifumo, transporte aéreo, transporte rodoviário, Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), lei do bloqueio de telemarketing, venda de combustíveis em postos de gasolina, publicidade, presença de cláusulas abusivas em contratos, supermercados, e muito mais.
Quem nos explicou como é feito esse trabalho de fiscalização, principalmente nos supermercados, quais as sanções aplicadas e o que tem sido feito em prol dos consumidores, foi Renan Ferraciolli, diretor de fiscalização do Procon-SP. Confira a seguir
Idec: No ranking 2011 de reclamações fundamentadas do Procon-SP, o Carrefour ficou em 9o lugar (e quando se trata de reclamações não atendidas, ele é o primeiro, com 91%). Ainda há dois outros supermercados na lista, o Pão de açúcar (29o) e o Walmart (50o). Quais as reclamações mais comuns?
RENAN FERRACIOLLI: Os supermercados figuram no ranking por problemas referentes a suas lojas virtuais e às financeiras por eles operadas. Os problemas que ocorrem na loja física não chegam a nós, porque o consumidor que encontra um produto vencido na prateleira, por exemplo, não procura o Procon para ajudá-lo a solucionar a questão, pois geralmente ela é resolvida no próprio estabelecimento, mas faz a denúncia para que a gente fiscalize o supermercado.
O Procon compartilha a denúncia com os outros órgãos que fiscalizam as relações de consumo, mas o consumidor também pode denunciar à Vigilância Sanitária e a uma delegacia. Em São Paulo, pode procurar o Departamento de Proteção à Cidadania da polícia civil, na Avenida São João.
Idec: Quais as recomendações para o consumidor que faz compras por meio do site do supermercado, já que não é ele quem escolhe os produtos que serão entregues em seu domicílio?
RF: O consumidor deve conhecer muito bem o produto que irá comprar pela internet, porque dificilmente ele terá à sua disposição as mesmas informações disponíveis no “mundo real”. Na compra virtual, existe dificuldade em relação aos prazos de validade, mas claro que se espera que a empresa não envie ao consumidor produtos vencidos ou que irão vencer logo.
Assim como no supermercado físico, no site o consumidor tem que prestar atenção a informações como presença de glúten e de organismos geneticamente modificados, e no peço, obviamente.
O consumidor também deve exigir o cumprimento da Lei estadual da entrega [que obriga as empresas a agendarem data e turno para a entrega do produto adquirido], porque ele não pode ficar à mercê do fornecedor, sem saber quando suas compras irão chegar.
Idec: Quais as dificuldades para fiscalizar o comércio eletrônico?
RF: Existem muitas empresas de fachada, que aproveitam o anonimato que a internet oferece para lesar o consumidor, como a Megakit, que está envolvida em vários inquéritos policiais. Eu mesmo já fui pessoalmente à casa de um dos sócios e ele não mora lá. Nós enviamos carta ao Comitê Gestor da Internet (Cgi.br) pedindo para congelar o domínio deles, mas o comitê diz que só pode fazer isso quando há problemas de inconsistência cadastral. Mas a meu ver existe, porque essa pessoa não reside no endereço que forneceu.
Por isso é importante que o consumidor se cerque de cuidados: verifique se a empresa possui sede física onde se possa reclamar caso haja algum problema, procure saber o CNPJ (e se este não estiver disponível no site, não efetue a compra), e desconfie de ofertas muito atrativas.
Idec: A Lei da Entrega, que estabelece que os fornecedores do Estado de São Paulo agendem data e turno para a entrega de produto, em vigor desde outubro de 2009, prevê multa de R$ 212,81 a R$ 3.192.300 para aqueles que a desrespeitarem. Essa lei pegou?
RF: As próprias empresas criaram dificuldades para que essa lei fosse implementada. A estratégia delas é trabalhar com duas opções: a entrega de um dia útil a uma semana com frete gratuito, e a opção que respeita a Lei da Entrega, com agendamento de data e turno mais distantes e que custa caro. É possível encontrar produto que custa R$15 e o frete, R$60. O consumidor acaba optando pelo frete gratuito, sem agendamento, opção que nem deveria ser explorada pelos fornecedores, porque a lei é bem clara ao estabelecer a nova regra.
O frete, por se tratar de um serviço, pode ser cobrado; o que não é permitido é cobrar pela Lei da Entrega. O grande problema é que o setor considera a lei uma opção. O Procon já aplicou mais de 500 multas a essas empresas, cifras milionárias, mas elas continuam desrespeitando a lei. Só que elas estão correndo riscos por se tratar de uma infração de natureza grave. E se forem reincidentes, como é o caso da maioria das empresas, elas estão sujeitas a outras penalidades.
Idec: E as multas aplicadas foram pagas?
RF:A maioria não. As empresas deixam esse passivo rolar e levam a questão à Justiça. E daí não nos resta outra alternativa que não a aplicação de outras sanções.
Mais cedo ou mais tarde essas multas são pagas, só que não voluntariamente como deveria ser. A B2W [responsável pelos sites Submarino, Shoptime e Americanas. com] é um exemplo emblemático. De 2004 até 2010, ela recebeu multas que somam 7 milhões e só recolheu 6 mil reais. Essa é a postura de uma empresa que não está nem aí para o órgão de defesa do consumidor e nem para o próprio consumidor.
Idec: O que o Procon fiscaliza em supermercados?
RF: O Procon fiscaliza com os olhos do consumidor. Diferentemente da Vigilância Sanitária e da polícia, que entram em áreas de estoque e armazenagem, nossos fiscais vão aonde o consumidor tem acesso e verificam tudo o que está no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e em algumas normas específicas: direito à informação, promoções, prazos de validade, todas as questões relativas aos meios de pagamento, diferença de preço entre o produto disposto na gôndola e o que aparece no caixa etc.
Idec: Como é feita a fiscalização?
RF: A fiscalização pode ser fruto de alguma operação interna do Procon, mas geralmente é motivada por denúncia do consumidor. Como há denúncias quase que diárias, praticamente todos os dias um supermercado é fiscalizado. No ano passado foram mais de 1.800 visitas. Nossos fiscais aparecem de surpresa e se identificam como funcionários do Procon. Então, percorrem todos os corredores atentos a tudo, não somente ao problema denunciado. A área mais crítica é a de produtos congelados, frios e laticínios. Após a fiscalização, procuramos um responsável, informamos os problemas detectados e entregamos fotos com o registro da infração. Depois, ele recebe, pelos Correios ou eventualmente em mãos, o auto de infração com o artigo que infringiu. A partir disso, nasce um processo administrativo e o fornecedor terá a oportunidade de se defender e de recorrer. Ao final do processo, pode ser aplicada multa ou outro tipo de sanção.