Mudanças à vista
Em setembro de 2010, a então candidata à Presidência da República Dilma Roussef aderiu à Plataforma dos Consumidores, um conjunto de dez propostas elaboradas pelo Idec com o objetivo de fortalecer a defesa do consumidor. Passado um ano de sua posse, entrevistamos o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que tem como uma de suas muitas atribuições defender os direitos dos consumidores, para saber se o compromisso de governar em prol do consumidor brasileiro está sendo cumprido. Nas páginas a seguir ele fala da mudança estrutural no ministério e da possível criação da Secretaria de Direitos do Consumidor; da atualização do Código de Defesa do Consumidor; dos projetos de lei que visam reforçar os Procons; entre outros assuntos. Confira
IDEC: Em sua campanha, a presidente Dilma Rousseff aderiu à Plataforma dos Consumidores proposta pelo Idec, assumindo o compromisso público de reforçar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. O que já foi feito e o que ainda será feito nesse sentido?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO: O Ministério da Justiça tem múltiplas atividades, entre as quais uma das mais importantes, sem sombra de dúvidas, é a defesa do consumidor, que tem tido um papel ativo nos últimos anos. Ao longo do governo do presidente Lula elaboramos ações muito importantes nessa área e elas continuam sendo desenvolvidas.
A grande questão para nós neste próximo período é uma necessária mudança estrutural. Tivemos a aprovação pelo Congresso Nacional e a sanção, pela presidente Dilma, da nova lei do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], que é uma autarquia vinculada ao Ministério da Justiça. Essa nova feição do Cade faz com que ele passe a ter, a partir de junho, competências que hoje são da Secretaria de Direitos Econômicos [SDE] e também do Ministério da Fazenda. Hoje, a SDE tem duas pilastras: a parte concorrencial de combate aos monopólios e a de defesa do consumidor. Com a implantação do novo Cade, a SDE ficará apenas com as competências relativas à defesa do consumidor. Isso tem nos levado a estudar uma nova feição para ela. Vamos debater a questão internamente para depois encaminhá-la ao Ministério do Planejamento e à Presidência da República, para que a SDE seja transformada numa secretaria que cuide especificamente da defesa do consumidor.
IDEC: Como ficaria o atual Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC)? Ele não poderia ser essa secretaria?
JEC: O DPDC não é tocado pela estrutura do novo Cade. Mas não teria sentido manter um departamento sem uma secretaria, por isso um dos caminhos que está sendo discutido internamente no Ministério da Justiça é transformar a SDE na Secretaria de Direitos do Consumidor, com todas as implicações estruturais que isso determina. Se isso for aprovado, seja pelo Ministério da Justiça, pelo Ministério do Planejamento – que é responsável pelo exame desse projeto – ou pela presidente da República, nós teremos uma dimensão mais fortalecida dessa área.
IDEC: Quando essa mudança estrutural ocorrerá de fato?
JEC: Não há prazo definido para a aprovação da mudança. Nós a estamos debatendo ainda internamenteno Ministério da Justiça, e espero que ao longo de mais 15 ou 20 dias tenhamos um resultado final, que eu encaminharei ao Ministério do Planejamento para que a proposta seja examinada e haja um diálogo com o Ministério da Justiça. Por enquanto, as coisas então em fase embrionária.
IDEC: Como estão os projetos de lei do Ministério da Justiça que visam reforçar os Procons? Há previsão de eles serem assinados pela presidente ainda este ano?
JEC: Sem sombra de dúvida. Esses projetos já foram encaminhados à Casa Civil e estão em fase de aperfeiçoamento técnico. Antes que eles cheguem à presidente, a Casa Civil faz uma análise jurídica e de outros aspectos relevantes. Eu acredito que em pouco tempo serão submetidos à presidência para a decisão final, e havendo concordância, encaminhados ao Congresso Nacional.
IDEC: E o que mudará na estrutura dos Procons se esses projetos forem aprovados?
JEC: São projetos que fortalecem a estrutura dos Procons e têm uma dimensão muito importante no que se refere a multas e a outras questões, mas prefiro aguardar o término da implantação para poder comentá-lo. Acho que seria incorreto da minha parte fazer qualquer análise antes que os projetos sejam submetidos à apreciação do governo.
IDEC: Há algum plano do governo que incentive a criação e manutenção de entidades civis de defesa do consumidor?
JEC: Não tenho a menor dúvida de que é estritamente necessário que apoiemos e trabalhemos, enquanto órgão governamental, afinados com as entidades da sociedade civil que atuam na área do consumidor, desde que tenham um perfil sério e um trabalho reconhecido nessa área. O Ministério da Justiça está aberto a dar esse apoio, mas por hora a nossa principal preocupação é a nossa própria reformulação interna. A partir do momento em que reformularmos internamente nossa estrutura, acho que uma eventual secretaria poderá fortalecer a atuação do próprio ministério, estreitando as relações com esses órgãos que desempenham muito bem a sua função.
IDEC: A atualização do Código de Defesa do Consumidor (CDC) conta com uma comissão do Senado e outra de assessoramento ao próprio DPDC, da qual, inclusive, o Idec faz parte. Como está esse processo?
JEC: Essa foi uma iniciativa tomada pelo Senado Federal, mas o Ministério da Justiça está acompanhando os trabalhos por meio da Secretaria de Assuntos Legislativos, intervindo nos momentos oportunos e adequados para o aquecimento desse debate.
Acredito que é muito importante haver discussão para garantir direitos que já existem e avançar na conquista de outros direitos, se for o caso, elaborando um novo Código [de Defesa do Consumidor]. Há o temor de que possa haver um retrocesso na legislação atualmente em vigor. Se for para haver retrocesso, sinceramente, é melhor não ter um novo Código, mas espero que os trabalhos desenvolvidos no Senado sejam, como tudo indica, feitos de forma criteriosa, e que resultem no aperfeiçoamento da nossa legislação.
IDEC: Os dados do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) e os cadastros de reclamações fundamentadas têm mostrado, ano após ano, quea maior parte dos conflitos de consumo poderia ser resolvida antes de chegarem aos Procons. Além disso, mesmo depois de abertas as reclamações, é grande o número das que não são não atendidas (cerca de 30%). O que pode ser feito para resolver isso?
JEC: Existe toda uma responsabilidade do poder público, em conjunto com o mundo privado. Eu acredito que de fato muitos conflitos de consumo poderiam ser evitados se houvesse mais atenção, inclusive do setor empresarial, em relação a questões que infelizmente acabam sendo colocadas em segundo plano.
Creio que hoje os empresários mais perspicazes sabem que quanto menos conflitos tiverem com os consumidores, maior será a credibilidade da sua empresa no mercado e a sua potencialidade comercial. É muito importante, portanto, que o poder público, em conjunto com a sociedade civil, conscientize os empresários e se capacite para agir de forma sancionadora. Resumindo: prevenção, conscientização e punição são fundamentais.
IDEC: Não seria importante um programa do governo para incentivar a criação de mais Procons no país?
JEC: Sem dúvida, quanto mais órgãos de defesa do consumidor houver, desde que funcionem com seriedade, melhor. Mas a primeira coisa com a qual o governo federal tem que se ocupar neste momento é a nossa reestruturação interna, para que possamos desenvolver programas em âmbito nacional e atender a essas necessidades.
IDEC: As queixas dos consumidores concentram-se, há anos, em determinados assuntos: bancos e cartões de crédito são alguns deles. Mas o Banco Central (BC), que regula a atividade das instituições financeiras, diz que não é tarefa sua fiscalizar a relação das empresas com seus clientes, que ele se ocupa apenas da macrorregulação. A fiscalização caberia apenas aos Procons. Isso está correto?
JEC: Essa é uma discussão que temos no governo e que precisa ser resolvida. Eu acredito que nenhum setor ligado a relações de consumo possa ficar sem fiscalização adequada. Para isso é necessário que o poder público equacione as suas competências para que possa atuar com rigor nessa área.
IDEC: Com a ascensão social e econômica de grande parte da população nos últimos anos, o mercado consumidor se expandiu muito. Quais são as principais preocupações do governo em relação a esses novos consumidores?
JEC: Temos visto um processo de redistribuição de renda no país, e isso possibilita que milhões de brasileiros para quem antes a porta do consumo estava fechada agora possam comprar. Esse novo universo de consumidores não pode ser desprezado nem ignorado. Isso implica a necessidade de o governo federal, os governos estaduais e municipais estarem aparelhados para enfrentar a situação.
IDEC: Alguns países desenvolvidos possuem leis de insolvência do consumidor, que o protegem em situações de endividamento. Em dezembro do ano passado, a Consumers International lançou no Chile, inclusive com a participação de membros do Idec, um modelo para inspirar governos da América Latina e do Caribe a fazerem leis nacionais. Existe alguma iniciativa do governo brasileiro nesse sentido?
JEC: Temos estudos nessa área. Naturalmente, quando eles estiverem concluídos, em conjunto com o departamento que cuida das questões do consumidor no Ministério da Justiça, faremos uma proposta e a endereçaremos à Casa Civil.
SAIBA MAIS
l. Plataforma dos Consumidores http://goo.gl/ZhLTP