Início conturbado
Os maiores bancos do país sonegam informações, empurram crédito e induzem a contratação de pacotes de serviços ao consumidor que deseja abrir conta-corrente
O setor financeiro está entre os assuntos que mais causam dor de cabeça aos consumidores brasileiros. Em 2010, dois bancos – Itaú e Bradesco – figuraram entre os dez fornecedores que mais receberam reclamações nos Procons do país, conforme dados do Cadastro Nacional de Reclamações Fundamentadas, do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec); além disso, o setor financeiro foi o campeão de atendimentos no Idec em 2011 (saiba mais na matéria à página 32).
Pesquisa realizada pelo Idec mostra que os problemas entre os consumidores e os bancos começam já no início do relacionamento, na hora de abrir a conta. O Idec fez o teste: abriu conta- -corrente nas seis maiores instituições de atuação nacional (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal – CEF, HSBC, Itaú e Santander) e avaliou as informações fornecidas aos novos clientes sobre o serviço, verificou se os pacotes são ofertados de acordo com a sua necessidade e também monitorou a ocorrência de práticas abusivas. Os bancos avaliados foram reprovados em vários quesitos. "Essa situação é muito preocupante, tendo em vista que com a ascensão da classe C aumentou a demanda por abertura de contas. Esse novo público deveria ser mais bem orientado sobre os serviços bancários", ressalta Venâncio Guerrero, economista do Idec e responsável pela pesquisa.
No início de dezembro de 2011, voluntários do Idec abriram, na zona oeste de São Paulo, conta-corrente em agências bancárias dos seis bancos com mais de 1 milhão de clientes: Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal (CEF), HSBC, Itaú e Santander. Os pesquisadores tiveram de responder a um questionário padronizado sobre as informações fornecidas no momento da abertura da conta e detectar possíveis práticas abusivas. Eles foram orientados a tentar contratar um pacote econômico que contivesse apenas os serviços básicos e uma operação de DOC/TED eletrônica. Para isso, deveriam informar ao atendente o seu perfil de uso.
Além da avaliação das práticas dos bancos por meio do questionário, também foram analisadas as cláusulas dos contratos ou, na falta deste, de outros documentos entregues no ato da abertura da conta.
A pesquisa faz parte do Projeto RSE Bancos, da Oxfam Novib, e também integra o projeto da Consumers International sobre crédito e superendividamento.
Contratos problemáticos
Nos casos em que o banco não entregou o contrato ao consumidor, foram avaliados os termos de adesão de abertura de conta- -corrente ou outros documentos similares. Inclusive, porque o CDC deixa claro que qualquer tipo de documento, pré-contrato ou recibo relativos às relações de consumo vincula o fornecedor a cumprir o que foi acordado. Assim, os contratos e termos foram analisados com base no CDC, em legislações complementares e resoluções que regulam o setor. "Há uma série de cláusulas abusivas nesses contratos e termos que denotam a completa ausência de boa-fé e equilíbrio que deveriam reger as relações de consumo", critica a advogada Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Idec. "Além disso, constatamos que as cláusulas dos seis bancos são muito semelhantes e têm conteúdo bastante técnico, de difícil compreensão para o consumidor leigo", completa. Veja à esquerda as oito cláusulas mais comuns.
As oito previsões abusivas listadas constam do contrato do HSBC, o documento mais completo entre os entregues. Como a maioria dos bancos forneceu termos "capengas", nem todas as cláusulas puderam ser observadas neles. O abuso mais recorrente é a autorização automática de transferência de valores para a cobertura de saldo em conta ou para investimentos, identificada nos contratos do Banco do Brasil, do HSBC e do Itaú. "Essa previsão contratual proporciona vantagem exagerada ao banco, pois exige tacitamente do consumidor um comportamento que pode lhe trazer prejuízos financeiros e até configurar apropriação indébita, infração penal descrita no artigo 168 do Código Penal", critica Maria Elisa. Outras cláusulas que configuram vantagem excessiva ao banco e prejuízo ao consumidor foram identificadas nos contratos do Itaú e do HSBC, como a que permite o bloqueio de todos os créditos do consumidor em caso de inadimplência.
Também merecem destaque as disposições sobre rescisão unilateral do contrato sem aviso prévio, encontradas nos contratos do Bradesco e do HSBC. Tal prática é abusiva, conforme o artigo 51, XI, do CDC. De acordo com a gerente jurídica do Idec, o direito de cancelamento do contrato pelo fornecedor só é válido se a mesma opção for dada ao consumidor. "Além disso, independentemente do motivo da rescisão e de quem tomou a iniciativa, deve haver comunicação prévia por escrito, como estabelece o artigo 12, I, da Resolução no 2.025/1993 do Conselho Monetário Nacional e também o CDC", completa.
Cláusulas que autorizam a inclusão e consulta de informações financeiras do consumidor (o chamado cadastro positivo) também foram identificadas no contrato do HSBC e no documento entregue pelo Santander, mas sem o destaque obrigatório por lei. "A Lei no 12.414/2011 determina que a abertura de cadastro de informações financeiras precisa ser autorizada expressamente pelo consumidor, e para tanto, deve constar de cláusula apartada no contrato ou em documento específico para isso", ressalta Maria Elisa.
Chama a atenção ainda a ausência de informações sobre os serviços essenciais nos contratos e termos de adesão. Apenas nos do Santander (que prevê que, na hipótese de desistência do pacote contratado, este será substituído por serviços essenciais) e da CEF foram encontradas menções a esse direito do consumidor.
Principais cláusulas abusivas
1. Rescisão unilateral do contrato sem aviso prévio.
Bradesco e HSBC
2. Modificação unilateral do contrato após sua celebração
HSBC
3. Uso de autorizações prévias que atestam vantagem manifestamente excessiva ao banco ou impõem ao consumidor serviço não solicitado
HSBC e Itaú
4. Abertura de cadastro de informações financeiras sem autorização expressa em cláusula contratual
HSBC e Santander
5. Autorização automática para a transferência de valores para a cobertura de saldo em conta ou para investimentos
Banco do Brasil, HSBC e Itaú
6. Repasse de despesas judiciais e de cobrança para o consumidor
HSBC
7. Contratação de adiantamento a depositante*
CEF e HSBC
8. Ausência de informações sobre serviços essenciais
Banco do Brasil, Bradesco e HSBC
*Contratação não solicitada de valores para cobrir débitos em conta-corrente quando o consumidor faz pagamento com "cheques sem fundos", por exemplo
A pesquisa foi realizada por voluntários do Idec, que se passaram por consumidores interessados em abrir conta-corrente. Eles foram orientados a prestar atenção a tudo o que ocorresse durante o processo, até mesmo a placas informativas e tabelas presentes no local. Nesse quesito, aliás, os bancos já escorregaram: apenas nas agências do Itaú e do Santander o setor para a abertura de contas estava identificado de forma clara e visível. E, com exceção do Bradesco, todos foram reprovados quanto à facilidade de visualização de tabelas de preços de tarifas e de pacotes de serviços no local de abertura de contas.
Os voluntários também foram informados de qual era o pacote de serviços mais barato de cada banco, que continha pelo menos um DOC/TED por mês (com exceção do Itaú, que não oferece nenhuma cesta com essa operação). Contudo, a ideia não era solicitar o pacote, mas informar os serviços desejados e esperar a oferta do atendente, a fim de verificar se ele proporia a cesta mais adequada ao perfil informado. Porém, poucos foram os casos em que isso ocorreu. Com exceção do Bradesco, todos os bancos tentaram induzir a contratação de determinado pacote sem antes consultar o consumidor para saber o que lhe interessava e sem apresentar a relação de pacotes disponíveis.
O Bradesco e o Banco do Brasil (este apenas após o questionamento do pesquisador) foram os únicos que ofertaram pacotes mais vantajosos que os indicados no roteiro da pesquisa. No caso do Bradesco, a cesta indicada não contém DOC, mas, como informou o atendente, mesmo pagando a tarifa da operação avulsa, ele sai mais barato que o pacote com DOC: o pacote contratado (Conta Fácil Bradesco), mais a operação avulsa, sai por R$ 19,55, enquanto a Cesta Completa, sugerida no roteiro, custa R$ 22,44, uma diferença de 13%. No caso do Banco do Brasil, o contratado (Pacote Especial, R$ 19,70) é 29% mais barato que o sugerido no roteiro da pesquisa (Pacote Completo = R$ 27,90).
Já o Itaú, a CEF e o Santander sequer apresentaram a relação de pacotes, cerceando a liberdade de escolha do consumidor. No caso do HSBC e do Santander, pior, em vez de o banco oferecer um pacote adequado ao perfil do pesquisador, este é que teve de se adequar aos padrões do banco: as instituições impuseram a contratação de um pacote em função da faixa salarial dos consumidores. No Santander, apesar de haver um pacote que incluía os serviços básicos e um DOC (Pacote Simples, que custa R$ 19,90), o voluntário foi obrigado a contratar o pacote Especial Max (R$ 33,60), que inclui uma série de serviços desnecessários para o seu perfil. O funcionário do banco alegou que o Pacote Simples só estava disponível para clientes com renda de até R$ 1.200.
No HSBC ocorreu o mesmo: o sistema do banco enquadrou o voluntário automaticamente no pacote Advance Básico, de R$ 37,50 (53% mais caro que o sugerido no roteiro, o Super Econômico, de R$ 24,50). O funcionário disse que daria um "jeitinho" e, após a contratação, mudaria o pacote para o desejado, contudo, a troca não havia sido realizada até o fechamento desta edição. No caso da CEF e do Itaú, embora os funcionários também tenham tentado induzir a escolha do consumidor, no fim, os voluntários acabaram conseguindo contratar os pacotes indicados no roteiro: Caixa Fácil, de R$ 9,80, e Maxi Conta Itaú Econômica, de R$ 11,80, respectivamente.
Vale ressaltar que embora os pesquisadores insistissem em contratar o pacote mais barato, nenhum banco informou espontânea e adequadamente sobre os serviços essenciais, modalidade gratuita que inclui oito operações bancárias básicas (quatro saques, dez folhas de cheque, dois extratos por mês, entre outros). "Para um correntista que usa apenas as operações básicas, os serviços essenciais são uma boa alternativa, pois mesmo que haja cobrança de tarifa de cadastro e que seja necessário realizar alguma operação avulsa, em geral, ainda sai mais barato que a maioria dos pacotes oferecidos pelos bancos", aponta o economista do Idec. A propósito da chamada conta de serviços essenciais, para os casos pesquisados, ela sempre sairia mais barata do que os pacotes contratados, mesmo com a cobrança de um DOC avulso, salvo no caso da CEF.
Antes de abrir a conta, avalie qual o seu perfil de uso bancário: quantos saques, extratos, transferências etc. você costuma realizar por mês.
Pesquise no site do banco em que irá abrir conta quais são os pacotes disponíveis e avalie qual deles mais se encaixa no seu perfil.
Observe também se vale a pena contratar os serviços essenciais, que são gratuitos, ou um pacote básico e realizar algumas operações pagando a tarifa avulsa.
Lembre-se: o banco não pode impor a contratação de determinado pacote. Caso isso ocorra, denuncie a instituição ao Banco Central pelo telefone 0800 79 2345.
Informe-se sobre as condições do crédito pré-aprovado e do cheque especial, pois as taxas de juros costumam ser altíssimas.
Além de tentar induzir ou realmente forçar a contratação de pacotes, a maioria dos bancos foi negligente no fornecimento de informações sobre os serviços oferecidos. Apenas o Bradesco apresentou espontaneamente a relação de operações incluídas no pacote contratado (quantidade de saques, extratos etc.); a CEF, o Santander e o HSBC informaram apenas após terem sido questionados, e o Banco do Brasil e o Itaú se omitiram. "Os pesquisadores foram orientados a perguntar ao atendente do banco sobre o pacote e as tarifas, caso não fossem informados espontaneamente. Mas no dia a dia, se o consumidor não for curioso, abre uma conta sem saber o que está contratando", critica Venâncio.
Enquanto as informações são de menos, a imposição de serviços é demais. Todos os bancos concederam cheque especial sem solicitação do consumidor. Na abertura da conta do Itaú, após questionado pelo pesquisador, o atendente disse que não ofereceria o serviço. Mas no termo de adesão, a aceitação do limite estava preenchida. No Santander, o pesquisador negou a adesão ao cheque especial, mas o banco alegou que a concessão era "automática" e que não era possível retirá-la. O Banco do Brasil, o HSBC e o Santander, além do cheque especial, também disponibilizaram crédito pré- -aprovado sem consultar o pesquisador. Além desses serviços, o Banco do Brasil forçou o pesquisador a aceitar cartão de crédito; o funcionário disse que a contratação era obrigatória para a abertura da conta, o que configura venda casada, prática proibida pelo artigo 39, I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O Itaú e o Bradesco também disponibilizaram cartão de crédito sem solicitação e não informaram isso no momento da contratação; só se soube quando os cartões desses bancos chegaram.
Outra falha dos bancos é não informar as condições dos serviços, como o valor do limite disponibilizado ou as taxas de juros. Apenas o Santander forneceu informações a respeito do cheque especial, mas só depois de questionado pelo pesquisador. Sobre o funcionamento do crédito pessoal, nenhuma palavra. "A desinformação sobre os serviços de crédito é perigosa, pois as taxas de juros são muito altas. Sem orientação adequada, o risco de endividamento é grande", destaca Venâncio.
A fim de sintetizar os resultados e ranquear o desempenho de cada banco, o Idec atribuiu um ponto para cada prática adequada dos bancos; as inadequadas ou abusivas receberam 0. Parte dos bancos teve 15 critérios avaliados e outra parte 16 (os que concederam crédito pré-aprovado foram avaliados quanto à informação sobre esse serviço). O banco Itaú foi o pior colocado, tendo atingido apenas 3 de 15 pontos possíveis (20%). O mais bem avaliado é o Bradesco, que adotou práticas adequadas em 67% dos casos. Ainda assim, se um banco não cumpre 100% do que é exigido por lei, não pode ser considerado um bom exemplo. Confira na tabela abaixo o desempenho de cada banco.
O que dizem os bancos
O Idec enviou carta aos bancos avaliados com uma síntese dos resultados individuais e a análise jurídica dos contratos. Em geral, todos disseram que orientam seus funcionários a adequar os pacotes de serviços disponíveis aos interesses do cliente e que o crédito pré-aprovado e o cheque especial são ofertados, mas podem ou não ser aceitos pelo consumidor. Veja, a seguir, as respostas resumidas: Banco do Brasil
Alegou que todas as cláusulas de seu contrato foram aprovadas pela área jurídica do banco e estão em consonância com o Código de Defesa do Consumidor.
Bradesco
Disse que vai levar em conta o apontamento feito pelo Idec sobre a ausência de identificação do setor de abertura de contas. Alegou, ainda, que, segundo a ficha-proposta entregue, o banco avisa com antecedência o seu interesse em encerrar a conta. No entanto, o Idec observou, na mesma ficha proposta,que quando o encerramento decorre de infração contratual ou legal, o banco se reserva o direito de não avisar antecipadamente, o que contraria as normas do Banco Central e o CDC.
Caixa Econômica Federal
Afirmou que a não entrega do contrato foi uma prática isolada. Também se comprometeu a alterar as práticas apontadas pelo Idec, bem como disponibilizar folhetos informativos aos clientes. Sobre as cláusulas abusivas, disse apenas que o documento atende às normas do Conselho Monetário Nacional.
HSBC
Discorreu detalhadamente sobre as cláusulas apontadas como abusivas. Uma delas é a que, segundo interpretação do Idec, autoriza a imposição de pacotes, como ocorreu na pesquisa. O HSBC, porém, negou, e alegou que os clientes têm liberdade para escolher o pacote de serviços. Segundo o banco, o funcionário apenas realiza uma "consultoria" sobre a modalidade mais adequada.
Itau
Informou que o documento com as Condições Gerais da Conta Universal é fornecido no ato da abertura da conta (o que não ocorreu durante a pesquisa do Idec). Sobre a cláusula que prevê autorização automática para a transferência de valores, afirmou se assemelhar à compensação prevista no Código Civil e que, dessa forma, cumpre a Resolução nº 3.695/2009 do Banco Central. No entanto, vale esclarecer que a norma mencionada veda a realização de débitos em contas de depósitos sem prévia autorização do cliente e define como deve ser essa autorização, condições não cumpridas pelo Itaú.
Santander
Considerou a imposição do pacote de serviços um fato isolado e afirmou que não elabora cadastro de informações de adimplemento e formação de histórico de crédito.