Fácil de comprar, difícil de consertar
A quantidade de assistências técnicas dos cinco principais fabricantes de celular é ínfima em grande parte do Brasil. Em 13 estados, pelo menos uma das marcas não possui nenhum posto
Atoda hora a imprensa noticia um novo recorde de venda de celulares no Brasil. Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o país fechou o ano de 2011 com 242 milhões de aparelhos habilitados. A eficiência dos fabricantes de telefones móveis, porém, não é a mesma quando se trata de oferecer postos para consertar aparelhos com defeito. É o que aponta levantamento divulgado pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), órgão do Ministério da Justiça, que contabiliza a quantidade de assistências técnicas dos cinco maiores fabricantes de celular no país: LG, Motorola, Nokia, Samsung e Sony Ericsson.
O resultado revela que na maioria dos estados brasileiros o número de assistências técnicas é ínfimo: em treze, pelo menos uma das marcas não possui nenhum posto. Os piores casos são os das regiões Norte e Nordeste. Em Roraima, por exemplo, só há duas assistências técnicas autorizadas, ambas da Samsung. No Rio Grande do Norte não há assistência técnica nem da Nokia nem da Motorola; a Sony Ericsson e a LG têm uma cada; e a Samsung, 9. Mas o problema não se restringe a essas regiões. Em Minas Gerais, o segundo estado mais populoso do país, de acordo com o Censo 2010, por exemplo, o número de assistências técnicas de algumas marcas é inexpressivo. A Motorola e a Sony Ericsson contam apenas com um posto cada para todo o território mineiro; Nokia e LG só possuem dois e três, respectivamente, e a Samsung, 38. No Distrito Federal, a situação também é alarmante: há apenas uma assistência técnica de cada uma das marcas, com exceção da Samsung, que tem três. O estado com o maior número de assistências técnicas é São Paulo, com 208 postos (mais da metade é da Samsung – 145); já a Nokia e a Sony Ericsson disponibilizam apenas cinco assistências cada uma para atender ao estado mais populoso do país. Nos dois casos, três dos cinco postos estão na capital. Veja no mapa e no quadro à página 26 a quantidade de assistências técnicas de cada marca por estado.
Para Juliana Pereira, diretora do DPDC, a situação é preocupante. “Quando o fabricante não oferece atendimento no pós-venda, o consumidor é imensamente prejudicado. Ou ele vai pagar pelo conserto, o que é absurdo, pois o Código de Defesa do Consumidor (CDC) dá direito à manutenção do produto durante a garantia, ou vai comprar outro, o que é ainda pior, porque além do gasto há o problema do lixo eletrônico. O celular não pode ser descartável”, destaca. Além disso, ela critica a desigualdade de assistências técnicas nas regiões do país. “O consumidor brasileiro é um só: ele paga os mesmos impostos e tem os mesmos direitos. Não é justo que os fornecedores tratem de forma desigual os habitantes de cada estado”, critica.
- O prazo para reclamar do mau funcionamento de um celular é de 90 dias. Esse é o período mínimo garantido pela lei. Mas em geral os fornecedores de aparelhos eletroeletrônicos oferecem garantia extra (contratual), normalmente de um ano. Nesse caso, o prazo para reclamar é o oferecido pelo fabricante.
- Quando um produto apresenta defeito, o fornecedor tem até 30 dias para sanar o problema.
- Se em um mês o aparelho não for consertado, o consumidor pode escolher entre trocar o produto por outro igual, em perfeitas condições de uso; a devolução imediata da quantia paga, atualizada e sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou o abatimento proporcional do preço.
- Se não houver assistência técnica autorizada do fabricante em sua cidade, procure a loja onde comprou o aparelho; ela também é responsável pela resolução dos problemas de consumo.
DIREITOS EM XEQUE
Diante dos resultados do levantamento, fica a questão: o que devem fazer os consumidores dos estados em que não há assistência técnica de determinado fabricante? A Revista do Idec fez essa pergunta às empresas, mas a LG e a Sony Ericsson não responderam até o fechamento desta edição. De acordo com a Nokia, nos locais onde não há assistência técnica, o usuário pode enviar o aparelho com defeito pelo correio, sem custo. A Motorola também adota prática semelhante, mas antes da postagem, o cliente precisa entrar em contato com o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) para obter uma senha de atendimento; depois, precisa ir a uma agência do correio com a cópia da nota fiscal do produto, seu CPF e a senha.
Para a advogada do Idec Veridiana Alimonti, a postagem do aparelho para efetuar o reparo não é a solução ideal. “A depender da cidade, a própria agência do correio não tem estrutura suficiente. E a responsabilidade de garantir atendimento adequado diante de um problema técnico no aparelho é do fornecedor”, ressalta. Juliana Pereira concorda. “Qualquer alternativa que dificulte a vida do consumidor não é razoável. Se há loja da marca naquele estado, também tem de haver atendimento pós-venda”. Além disso, a diretora do DPDC lembra que a lei estabelece responsabilidade solidária entre os fornecedores, e dessa forma, em caso de defeito, o consumidor pode procurar a loja onde comprou o aparelho.
A ausência de assistências técnicas também não pode ser desculpa para o fornecedor ultrapassar o prazo de um mês para efetuar o reparo dos produtos, conforme estabelece o artigo 18 do CDC. “A lei é clara: não cumpriu o prazo de 30 dias, tem de devolver o dinheiro ou trocar o aparelho. Esse prazo era razoável há 22 anos, quando o Código foi instituído, mas hoje é muito longo”, comenta Juliana. “Hoje, o celular é o principal meio de comunicação de muitas pessoas”, justifica Veridiana.
Por tudo isso, os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, entre os quais o Idec, os Procons e o Ministério Público Federal, defendem que o celular seja considerado um produto essencial. Com tal status, em caso de defeito, os fabricantes teriam de trocar o aparelho ou devolver o dinheiro do consumidor imediatamente, sem o prazo de 30 dias. No entanto, as empresas têm resistido em aceitar essa interpretação, e a associação que representa o setor (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica – Abinee) conseguiu na Justiça liminar para não cumpri-la. O Idec mantém uma campanha para pressionar as empresas a assumirem a essencialidade do aparelho http://goo.gl/6UxBI, mas até agora elas seguem ignorando esse direito. Celular: campeão de reclamações
A insuficiência de assistências técnicas dos principais fabricantes de celular provavelmente é um dos motivos por trás do grande número de demandas do setor nos Procons. Dentro da categoria “produtos”, os aparelhos celulares são os que mais preocupam os consumidores, segundo dados do primeiro Barômetro de Produtos realizado pelo DPDC, que reúne dados de atendimento dos Procons de 23 estados e do Distrito Federal no período de outubro de 2010 a setembro de 2011. Entre os principais problemas relatados estão falhas na garantia, produtos entregues com defeito e falta de peças de reposição.
Para Juliana Pereira, além da baixa capilaridade de assistências técnicas no país, há fatores que justificam o grande número de queixas sobre aparelho celular. “Não podemos desconsiderar o crescimento do consumo desses aparelhos, a omissão do varejo em assumir sua responsabilidade na solução de problemas, além da própria qualidade do produto”, enumera. Essas variáveis podem ajudar a explicar por que as duas empresas com o maior número de assistências técnicas – Samsung e LG, respectivamente – foram as que mais ocuparam os Procons quando se trata de aparelho celular. A LG lidera o número de atendimentos, com 11,25%, seguida pela Samsung, com 7,63%.
Os dados dizem respeito a todas as demandas atendidas pelos Procons, não necessariamente as que geraram procedimento administrativo pelo órgão – as chamadas “reclamações fundamentadas”. No entanto, quando consideramos os números de reclamações efetivas do período 2009-2010, vemos que o aparelho celular já era o assunto com maior número de queixas no tema telecomunicações. Nesse período, os cinco maiores fabricantes de celular figuravam entre os dez fornecedores que mais receberam reclamações. Chama atenção o fato de que mais de 29% das queixas não foram atendidas pela Nokia e pela Motorola. A Sony Ericsson ignorou 25,8% dos problemas relatados pelos consumidores; a Samsung, 23,9%; e a LG, 10,7%.
SAIBA MAIS
-Barômetro de Produtos do Sindec http://goo.gl/SmPsj