Precisamos salvar o planeta
Já faz algum tempo que a Terra está pedindo socorro e nem tanto tempo assim que os cidadãos estão se movimentando para ajudar a salvá-la. O Idec faz parte da luta por um planeta mais sustentável, junto com muitas outras organizações e ativistas do Brasil e do mundo. Uma delas é a nossa entrevistada desta edição: Nina Orlow.
Arquiteta e membro da Rede Nossa São Paulo, ela está envolvida com as Agendas 21 Locais — que se originaram da Agenda 21 Global — e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2000 para melhorar a condição dos cidadãos do mundo todo. Foi sobre esses projetos e sobre o que Brasil tem feito para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos (e o que ainda precisa fazer) que Nina falou à equipe da REVISTA DO IDEC na entrevista realizada no auditório do Instituto. Leia nas páginas a seguir
IDEC: Quais dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)* estão mais avançados e quais podem não ser atingidos?
NINA ORLOW: Gostaríamos que o mundo todo cumprisse os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que são mundiais, mas nem todas as metas serão cumpridas. O Brasil, na média, até que está bem, pois conseguiu melhorar em vários aspectos, por exemplo, somos referência para o mundo no primeiro objetivo, que é o combate à pobreza. Já quanto ao objetivo “melhorar a saúde das gestantes” a meta é muito alta, por isso talvez tenhamos dificuldade para cumpri-la.
Não devemos nos perguntar se vamos cumprir as metas ou não, porque se não as cumprirmos será um sinal de que estamos péssimos, mas o fato de cumprirmos não significa que está tudo resolvido e que estamos bem. A meta é só uma porcentagem. Temos que continuar defendendo todas as questões que foram colocadas e ir avançando. Se cumprirmos uma meta, ótimo, estabelecemos outra. No caso do primeiro objetivo do milênio, por exemplo, o Brasil já cumpriu duas metas, e está na terceira proposta, que provavelmente será cumprida também.
No Estado de São Paulo, um grupo de pessoas propôs ao governo brasileiro e à ONU um nono objetivo do milênio: a igualdade racial. Independentemente de esse objetivo ser aceito oficialmente, temos que fazer ações para combater o preconceito.
IDEC: Entre os ODMs há alguns com enunciado genérico [“reduzir a mortalidade infantil”] ou mesmo com termos de significado antagônico, conforme quem o interpreta, como desenvolvimento (“todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento”). Você poderia esclarecer melhor esses objetivos? Existem metas quantificáveis para o Brasil?
NO: Sim, para todos os objetivos existem metas. O objetivo Reduzir a mortalidade infantil tem uma meta específica que é diminuir a mortalidade de bebês e recém-nascidos (com idade pré-determinada), especialmente daqueles que nascem saudáveis e por falta de atendimento sofrem algum problema.
O objetivo que fala de desenvolvimento também tem especificações, por exemplo, a parceria do governo para ajudar outros países que estão em pior situação, sempre tentando melhorar a qualidade de vida e o bem estar das pessoas. A palavra desenvolvimento foi escolhida porque abrange a vontade de todo mundo querer melhorar, mas pode ser perigoso se houver desenvolvimento apenas para alguns. Como o objetivo diz: "todos trabalhando pelo desenvolvimento", esperamos que o desenvolvimento conquistado beneficie a todos.
IDEC: Da Agenda 21 Global — documento elaborado na Eco-92 — surgiram as Agendas 21 Locais. Elas estão sendo implementadas?
NO: Quando falamos em Agendas 21 Locais, nos inspiramos numa cartilha do Ministério do Meio Ambiente [MMA] com seis passos. É um incentivo para que a sociedade civil participe, junto com o governo local, da construção de políticas públicas que melhorem a condição de vida da população.
A abrangência de uma Agenda 21 Local varia. Algumas englobam municípios pequenos. No caso de São Paulo, que tem 31 subprefeituras, optou-se por fazer uma Agenda Local para cada uma. E em algumas já se está trabalhando para fazer subdivisões.
Essas agendas estão em processo de implementação. Algumas andam um pouquinho mais rápido, outras um pouco mais lento. É difícil comparar as Agendas 21 Locais, porque depende dos participantes, da intenção, do conhecimento, da vontade política da subprefeitura ou do governo local. A proposta que sai de uma Agenda 21 Local é sempre baseada em um diagnóstico feito por um grupo disposto a trabalhar voluntariamente. Em algumas agendas as pessoas estão mais relacionadas com o tema “resíduos sólidos”, então as ações giram em torno dele. Mas existem as questões da saúde, da moradia etc., que não acontecem separadamente no dia a dia. Então, é preciso integrar todos os assuntos.
IDEC: Em plena crise mundial, com os governos mais preocupados em resolver seus problemas e retomar suas atividades econômicas, a Rio+20 não corre o risco de ser um fiasco?
NO: Não tenho segurança para dizer se o objetivo da Rio+20 será ou não cumprido, mas sou um pouco crítica e não acredito que um simples documento fará mudanças; eu acredito muito mais na mobilização das pessoas, e elas têm feito cobranças e estão cada vez mais conscientes, mas ainda não como a gente imagina que seja necessário. Por isso é preciso esforço dos governos, divulgação, educação, comunicação, transparência em relação ao que está sendo feito e informação de como o cidadão pode contribuir. Eu ainda não vejo muita perspectiva na parceria entre governo e sociedade civil, mas acho que a Rio+20 é necessária, por ser uma forma de expor as feridas, fazer propostas, mandar cartas, protestar. O cidadão precisa fazer a sua parte. Já quanto aos governos, o caminho é muito lento.
O cidadão também pode se inscrever e participar da Rio+20. O evento reúne pessoas do mundo todo e sempre saem ideias inovadoras. É muito bom poder trocar ideias, conhecer as dificuldades que foram superadas e mostrar as iniciativas para ver se a gente consegue melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
A Rio+20 é uma reunião de governos do mundo com propostas mundiais. O Brasil é referência para muitas coisas, mas também não é boa referência em outras, como as questões ambientais, por exemplo. A Política Nacional de Resíduos Sólidos é uma experiência bem legal, mas já o Código Florestal está superestagnado, porque a proposta não atendeu à expectativa dos cidadãos.
IDEC: Ainda no que diz respeito às Agendas 21 locais, nacional e global, qual das três partes envolvidas [sociedade civil, empresas e governos] têm avançado mais?
NO: Eu acredito que o maior avanço da agenda 21 local é a possibilidade de participação dos cidadãos para construir propostas e soluções, ajudando a política local a ser coerente com aquilo que a sociedade almeja. Precisamos aprender a trabalhar, porque no fundo a democracia ainda é recente no Brasil e temos dificuldade de aceitar opiniões diferentes. Por isso, esse exercício é muito educativo.
O governo local nem sempre entende que a participação de todos é benéfico para a comunidade. Alguns governantes percebem isso e indicam pessoas que se importam com essa participação. Um bom exemplo é a agenda 21 da Vila Mariana.
IDEC: Já que você falou do Plano Nacional de Resíduos Sólidos... Em 27 de dezembro encerrou-se a consulta pública do MMA que tratava desse plano, que tem como objetivo implementar a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que já é lei desde 2010. Um dos objetivos das audiências e da consulta pública era definir metas. Quais são as principais?
NO: A principal meta da política e do plano é entregar o plano de gerenciamento até agosto de 2012. Cada município deverá fazer o seu plano, ou os municípios podem se agregar e fazer um plano integrado. Os planos estaduais também devem ser feitos. Para estes há um incentivo do governo federal. O plano de gerenciamento deve incluir, entre outros itens, os catadores, conforme consta da política. É preciso ouvir catadores, empresas que geram resíduos, condomínios, profissionais da área de saneamento e da área da saúde etc., porque se houver integração de pessoas com olhares distintos sobre o mesmo tema, o plano será bem melhor. E para a elaboração de um bom plano também é muito importante que o município saiba como está a situação do seu resíduo e que ele seja feito com a participação do governo, da sociedade civil e das empresas.
IDEC: E os municípios e os estados vão conseguir entregar esses planos no prazo estipulado?
NO: O prazo para implementação dos planos é de 20 anos, e eles devem ser revisados de quatro em quatro anos.
Eu acredito que a maior parte dos municípios conseguirá fazer seu plano, o que não significa que será um bom plano. O prazo é importante para que o município continue recebendo recursos do governo federal. Muitos municípios vão fazer o plano de forma consorciada, e isso é bom porque um tem um espaço, outro tem um trator etc.
O plano de São Paulo eu desconheço. Nós [da Rede Nossa São Paulo] gostaríamos muito de participar, mas não fomos convidados.
IDEC: Quais são as principais dificuldades para a implementação dos planos?
NO: A logística reversa pode ser a maior dificuldade. Para que ela aconteça, precisamos de metas parciais para cada grupo de fabricantes das coisas que estão no mercado, de forma que após serem consumidos os produtos voltem, de alguma forma, para a cadeia produtiva, como matéria-prima para outros produtos. A política reversa é a questão mais complexa, porque uma geladeira ou um liquidificador, por exemplo, são compostos de vários materiais, alguns praticamente indestrutíveis, além da mistura de materiais. Como recolhê-los?
Novas tecnologias e novas formas de produzir também são importantes para que o plano dê certo. E não podemos esquecer que o ponto primordial da política é tentar diminuir a quantidade de resíduos produzidos. Esse é um dos pontos mais difíceis. E acho que o Idec tem papel muito importante nesse aspecto, de fazer campanhas para alertar sobre o consumo consciente. Não é para parar de consumir, mas é preciso lembrar que também é possível consumir teatro, cinema etc.
O consumo sustentável é tão importante que será assunto da próxima Conferência do Meio Ambiente, da qual o Idec precisa participar. Nela, as leis que forem construídas serão automaticamente aprovadas.
IDEC: E quais são as principais obrigações das empresas e dos governos em relação à logística reversa. E quando ela começará a valer?
NO: Algumas empresas estão se antecipando para fazer propostas de acordos setoriais, que são muito bem-vindos. Acredito que pensar a implementação da logística reversa seja mais fácil para as empresas que já tinham essa preocupação do que para as que nunca tinham pensado sobre isso e achavam que quem tinha que resolver a questão dos resíduos era a prefeitura ou o governo estadual. Os acordos setoriais serão provavelmente diferenciados, pois cada cadeia produtiva terá os seus problemas.
Quanto aos prazos há vários e eles estarão nos planos. Como tudo vai acontecer nós vamos saber em agosto, quando tivermos os planos de cada município. O prazo para a implementação e para não ter mais lixão é 2014.
Tudo o que os municípios precisam fazer está na lei [na Política Nacional de Resíduos Sólidos]. O processo passa pelo poder local; o que o governo federal tem que fazer é apresentar uma política pública nacional e incentivar, cobrar e acompanhar os municípios para que eles façam seus planos.
IDEC: Qual é o principal problema do Brasil em relação aos resíduos sólidos?
NO: A Política Nacional de Resíduos Sólidos demorou muito para ser aprovada. É inadmissível pensar que ninguém cuidou do lixo. Se ela tivesse sido aprovada antes, a questão dos resíduos estaria mais bem resolvida.
O Brasil andou um tempão na contramão. A maior parte dos municípios trabalha com lixões a céu aberto, temos situações gravíssimas de resíduos contaminando a água e o solo. Agora toda essa cadeia vai mudar, pois a responsabilidade é de quem consome, de quem produz e dos governos.
IDEC: Qual o papel do consumidor quando o assunto são os resíduos sólidos?
NO: O papel do consumidor é o de ser cidadão. Ele é o grande fiscalizador dos planos municipais de resíduos sólidos e precisa observar como consome e procurar melhorar.
O consumidor também tem que olhar para as políticas públicas, observar se o município ainda tem aterro sanitário, informar-se se existe coleta seletiva em seu município, incentivar o vizinho a separar o lixo, participar das audiências públicas para a construção do plano da sua cidade, ir à prefeitura para saber como está sendo feito o plano e conhecê-lo quando ele for apresentado, em agosto. Se todos os cidadãos pressionarem as prefeituras, elas irão se mexer mais.
*1. Acabar com a fome e com a miséria; 2. Educação básica de qualidade para todos; 3. Igualdade entre os sexos e valorização da mulher; 4. Reduzir a mortalidade infantil; 5. Melhorar a saúde das gestantes; 6. Combater a aids, a malária e outras doenças; 7. Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; 8. Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento
SAIBA MAIS
- Portal ODM – Acompanhamento Municipal dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio www.portalodm.com.br
- Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade www.nospodemos.org.br
- Rede Brasil Voluntário www.objetivosdomilenio.org.br
- Site www.separeolixo.com, do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome