Diferença além da conta
Preços de medicamentos variam muito de uma drogaria para outra em São Paulo; em alguns casos, a diferença passa de 200%. Tamanha discrepância é possível porque o teto estipulado pelo governo continua muito acima do valor praticado pelas farmácias
É muito chato comprar um eletroeletrônico ou um sapato, por exemplo, e pouco depois descobrir que a mesma peça estava bem mais barata em outra loja, não é mesmo? Afinal, ninguém gosta de pagar caro à toa. Agora, imagine quando isso acontece com um produto que precisa ser adquirido regularmente e, mais que isso, é fundamental para a manutenção da saúde?! Pois é exatamente o que pode ocorrer na hora de comprar remédios em São Paulo. O Idec fez um levantamento de preço de 24 medicamentos, entre genéricos e de referência (de marcas registradas por laboratórios), no site das cinco principais drogarias da capital paulista (Droga Raia, Drogasil, Drogaria São Paulo, Onofre e Ultrafarma) e descobriu que eles variam muito de uma para outra. Em 33% dos casos, a diferença é de mais de 60% entre o menor e o maior valor praticado, e há situações em que a variação passa dos 200%.
Tamanha discrepância é possível porque os preços máximos fixados pelo governo para os remédios ainda são bem mais altos que os valores encontrados nas farmácias. No caso mais extremo, a drogaria vende o remédio a um valor 80% mais barato que o limite autorizado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão interministerial que rege o setor. A princípio, pode parecer bom que os preços estejam mais baixos, mas a verdade é que além de dar margem para a enorme diferença de preço entre as drogarias, tal situação permite que o custo do remédio para o consumidor aumente muito de forma abrupta. “O problema é que o ‘desconto’ pode ser retirado a qualquer momento pela farmácia e, com isso, o medicamento sofra um reajuste altíssimo de uma só vez, comprometendo a continuidade do tratamento de saúde”, alerta Joana Cruz, advogada do Idec responsável pela pesquisa.
“A enorme variação de preço entre as drogarias deixa o consumidor inseguro, pois ao consultar uma farmácia não sabe se o preço está adequado ou se poderia pagar mais barato”
Joana Cruz, advogada do Idec
PREÇO DESIGUAL
O atual levantamento replica na capital paulista a pesquisa feita pelo Idec no ano passado, em parceria com órgãos do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC), em 135 pontos de venda de dez cidades do país. A lista de medicamentos analisados foi a mesma, com exceção do antidiabético Avandia®, cujo registro e comercialização foram suspensos no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Nesta pesquisa foram identificados 91 preços para os 24 medicamentos observados. Em alguns casos, o remédio não estava disponível ou o valor não era apresentado no site da drogaria. Para grande parte dos medicamentos, a diferença de preço entre as farmácias é enorme: a variação entre o menor e o maior preço verificado para cada droga é de 11% a 235%, sendo que as maiores discrepâncias foram observadas entre os medicamentos genéricos. Nesse grupo, a menor variação encontrada foi de 66%, caso do antiinflamatório Diclofenaco potássico do laboratório Medley, cujo menor preço foi identificado na Onofre (R$ 3,59), e o maior na Drogaria São Paulo (R$ 7,18). Os piores casos são os dos antibióticos Amoxicilina e Azitromicina (ambos do laboratório EMS), cuja diferença entre o menor e o maior preço encontrado nas drogarias é de 233,1% e 235,3%, respectivamente. A mesma Amoxicilina que sai por R$ 6,03 na Onofre, custa R$ 20,09 na Droga Raia. Já a Azitromicina, que é vendida a R$ 5,75 na Ultrafarma, passa a R$ 19,28 na Droga Raia. Nos dois casos mais caros, a drogaria utiliza o preço máximo estabelecido pela CMED para os antibióticos.
Entre os medicamentos de referência também há diferenças significativas de preço. O Peprazol®, usado para tratamento gástrico, por exemplo, sai por R$ 27,45 na Ultrafarma e na Drogaria São Paulo, e por R$ 47,75 na Drogasil – uma variação de 66,6%; já o Ebix, utilizado no tratamento de Alzheimer, variou 38,8% da drogaria que vende mais barato (Onofre = R$ 160,95) para a que vende mais caro (Droga Raia = R$ 223,54 – o valor máximo permitido pela CMED). “Essa enorme variação [de preço] entre as drogarias deixa o consumidor inseguro, pois ao consultar uma farmácia não sabe se o preço praticado é adequado ou se poderia pagar muito mais barato em outra rede”, critica Joana. “Se não pesquisar bastante antes da compra, o consumidor pode ser prejudicado”, completa. Confira na tabela à página 18 os menores e maiores preços de cada medicamento.
Entre os dias 20 de dezembro de 2011 e 9 de janeiro deste ano, o Idec consultou os preços de 24 medicamentos no site das principais redes de drogarias da cidade de São Paulo: Droga Raia, Drogasil, Drogaria São Paulo, Onofre e Ultrafarma. O objetivo do levantamento era comparar os valores praticados no mercado com os respectivos preços teto definidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão interministerial, para a capital paulista.
Os remédios escolhidos estão entre os mais prescritos para o tratamento de doenças crônicas como hipertensão, diabetes, osteoporose, reumatismo, artrite, asma e mal de Alzheimer, além de anti-inflamatórios, antidepressivos, ansiolíticos e antibióticos. Dezessete dos medicamentos são “de referência”, ou seja, de marca registrada, e sete são genéricos. Para estes, que em geral têm mais de um fabricante, foi considerado sempre o do laboratório mais frequentemente disponível no site das drogarias.
Descompasso
Segundo Juan Carlos Lijos, diretor executivo do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sincofarma), há vários fatores que explicam a grande variação de preço dos remédios entre as drogarias, como a concorrência na região, os custos de cada loja e até a política de vendas dos laboratórios, que oferecem preços diferentes para cada ponto de venda conforme o volume de produtos adquiridos, por exemplo. Mas, para ele, o grande responsável pela diferença de valores é a fixação de preços máximos pela CMED. “O PMC [preço máximo ao consumidor] em geral está muito acima do valor de aquisição dos medicamentos pelas farmácias. Alguns [varejistas] vão vender pelo valor máximo e outros não”, aponta Lijos, para quem a solução é pôr fim ao controle de preços. “O PMC definido pelo governo baliza o mercado. Quando o teto está lá em cima, a farmácia aumenta o preço. Se fosse liberado, os preços cairiam. Sem a intervenção do governo o mercado se ajusta e consegue vender a um valor mais adequado”, alega.
Ivo Bucaresky, secretário executivo da CMED, porém, rechaça essa interpretação. Ele ressalta que a regulação de preços de medicamentos foi instituída há 12 anos no país justamente porque o custo estava muito alto e subindo sem parar. “O sistema de controle de preços deu certo como proteção ao consumidor. O medicamento que hoje é vendido com desconto em relação ao seu respectivo teto seria muito mais caro se não houvesse um limite. Existe o risco de se aumentar o preço, sim, mas só até o teto”, defende.
O problema é que subir “só até o teto” pode representar um aumento significativo de preço para o consumidor, já que os valores encontrados nas drogarias estão muito distantes do máximo permitido. O caso mais gritante é o do ansiolítico genérico Alprazolan, do laboratório EMS. A farmácia que o vende mais barato (Ultrafarma = R$ 2,65) pratica um preço 80% inferior ao do teto, R$ 13,28. Mesmo no caso da drogaria que tem o valor mais alto (Onofre = R$ 6,64), o preço ainda é 50% mais barato que o limite. O “x” da questão é que quanto maior o desconto, maior a margem para reajustes. “Com tanta liberdade para diminuir e aumentar o preço dos medicamentos, o consumidor fica sujeito a alterações repentinas, o que coloca em xeque a efetividade da regulação do setor”, critica Joana.
O diretor da Sincofarma, no entanto, assegura que não há risco de os preços subirem significativamente de uma hora para outra. “Por que [o preço] aumentaria? Se a farmácia pode vender por 10 [reais] e vende por 2 [reais], não tem motivo para subir o valor repentinamente. Esse risco está afastado porque há muita competitividade entre as farmácias e há muitos genéricos no mercado”, afirma. Segundo Lijos, é preciso ficar atento às drogas que já são vendidas pelo preço teto, que normalmente são os remédios de marca de alto custo sem genérico no mercado e, portanto, sem nenhuma concorrência.
Independentemente de o reajuste repentino ocorrer ou não, é fato que a regulação do setor deveria ser mais efetiva, e para tanto é fundamental que o teto definido pelo governo esteja de acordo com a realidade. “Se as farmácias praticam descontos de até 80% em relação ao preço máximo, é sinal de que esse máximo deveria ser muito menor”, ressalta Joana. Segundo o secretário da CMED, o descompasso entre o teto e o preço efetivo remonta ao início do controle do setor, que se deu quando os valores praticados pelas farmácias estavam muito altos. “Na época em que os preços dos medicamentos começaram a ser tabelados, o mercado praticava sobrepreço, pois até então a indústria aumentava o valor dos remédios como queria. A partir do controle, a indústria passou a dar descontos e assim começou a defasagem”, explica.
Bucaresky reconhece que a distorção entre o teto e o valor efetivamente praticado é ruim, mas aponta que a atual legislação que rege a atuação da CMED (Lei no 10.742/2003) impede a redução do PMC. “Da forma como a lei foi montada, não há flexibilidade para reajustar os preços para baixo”, afirma. Ele diz que os tetos só são reduzidos a pedido da própria indústria, o que acontece, em geral, quando a patente do medicamento está prestes a acabar, ou seja, quando a exclusividade na comercialização da droga chegará ao fim. “A indústria pede para baixar o PMC com o objetivo de afastar alguns interessados em produzir genéricos daquele medicamento. O genérico tem de ser pelo menos 35% mais barato que o preço teto do medicamento de referência, por isso, quanto menor for o teto, menor a margem de manobra para a entrada de concorrentes”, declara. É essa, provavelmente, a explicação para que os PMCs de três dos 24 medicamentos envolvidos na pesquisa tenham sido reduzidos significativamente de 2010 para 2011. São eles: Zitromax, cujo teto caiu de R$ 45,23 para R$ 19,18 (diminuição de 42%); Zocor, de R$ 129,03 para R$ 64,63 (50%); e Zoloft, de R$ 127,90 para R$ 61,01 (47%).
Para o Idec, essa situação é muito grave. “A redução do teto realizada apenas a pedido da indústria, com o objetivo de impedir a concorrência e não de beneficiar o consumidor, é mais uma prova de que quem controla os preços dos medicamentos são os próprios laboratórios e não o governo”, destaca Joana. De acordo com Bucaresky, a CMED está discutindo a revisão da legislação do setor, mas ainda não há nenhuma previsão de como ou quando as mudanças ocorrerão. O Idec enviou carta à CMED informando o resultado da pesquisa e convidando-a para uma reunião.
- Pesquise os preços dos medicamentos em diferentes redes de farmácias e drogarias.
- Compare os preços nos pontos de venda físicos e na internet, e observe se há cobrança de taxa de entrega para as compras virtuais.
- Pergunte ao farmacêutico se existe versão genérica do medicamento. E não deixe de pesquisar os preços dos genéricos fabricados por diferentes laboratórios.
- Para facilitar a identificação de genéricos, peça a seu médico que receite o medicamento pelo nome do princípio ativo, e não pelo da marca.
- Alguns medicamentos para hipertensão, diabetes e também contraceptivos são bem mais baratos no Programa Farmácia Popular, que oferece subsídios de até 90%. Informe-se com seu médico sobre a possibilidade de utilizar um dos remédios da lista do programa e localize as drogarias participantes. Para obter os descontos é preciso apenas apresentar a receita médica e o CPF.
- As farmácias e drogarias são obrigadas a disponibilizar a lista de preços de medicamentos atualizada, e também a relação de todos os genéricos, em local de fácil visualização. Consulte-as!
- Se encontrar um preço acima do valor máximo permitido, comunique ao Procon de sua cidade e também denuncie à CMED.