Orientação sim, repressão não
Embora não haja pesquisa recente e com dadosconfiáveis sobre o número de jovens que consomembebidas alcoólicas no Brasil (a última é de 2005), sabe-seque esse número vem aumentando, devido à grande procuradesse público por serviços de orientação. A informação édo psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador-geraldo Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes(Proad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) —que recebeu a equipe da Revista do Idec em seuconsultório, em São Paulo.
Para evitar que crianças e adolescentes tenham acessoa bebidas alcoólicas e conter o crescimento do número dedependentes, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin,aprovou, em 19 de outubro, a chamada “Lei Antiálcool”(Lei nº 14.592), que proíbe bares, restaurantes, lojas de conveniência,padarias, baladas, entre outros estabelecimentoscomerciais, de vender e oferecer bebidas alcoólicas, e até depermitir que menores de idade as consumam em seu interior.Antes da aprovação da lei, a venda de álcool a menores jáera proibida. No entanto, se um adulto comprasse a bebidae a repassasse a um adolescente ou a uma criança, o proprietáriodo estabelecimento não podia ser responsabilizado.Dartiu Xavier tem um pé atrás com medidas proibicionistas.Para ele, a atual lei deve vir acompanhada de campanhasde orientação sobre os riscos que o consumo deálcool oferece para toda a sociedade.
Leia, a seguir, suas explicações e opiniões
IDEC: Em relação ao consumo de bebidas alcoólicas poradolescentes, como o Brasil está, em comparação aoutros países?
DARTIU XAVIER DA SILVEIRA: Embora esse seja umproblema mundial, existem países onde a legislação émais rigorosa, por exemplo, os Estados Unidos. Já naEuropa, por uma questão cultural, os jovens bebemvinho de forma controlada, por exemplo, nas refeiçõescom a família. E não é para ficar chapado, é por prazer.Aqui e nos Estados Unidos não temos esse costume. Esabemos que o consumo esporádico, mas em grandesquantidades, altera muito mais o cérebro que o consumofrequente, mas em pequenas doses.
IDEC: Em alguns países não é permitido consumir bebidaalcoólica na rua, na praia, em parques (só em casa e emestabelecimentos comerciais). O senhor considera essamedida efetiva ou muito radical?
DXS: Por um lado, resolve parte do problema, porquedesestimula o consumo. Mas nos Estados Unidos, porexemplo, apesar da legislação rígida, os adolescentesconsomem bebida alcoólica de forma descontrolada emfestas privadas.
Quando se impõe uma medida repressiva muitoforte, são estimuladas formas de consumo muito maisperigosas. Para se ter uma ideia, na lei seca americana,as pessoas injetavam álcool, porque o desespero eratanto, e o acesso à bebida alcoólica tão difícil, quequando conseguiam pequena quantidade, eles a injetavam,para ter o efeito máximo. E esse é um fenômenomuito comum com qualquer tipo de substância.
IDEC: Muitos jovens não bebem para socializar, mas para ficarembêbados. O que leva a esse comportamento destrutivo?
DXS: Os jovens estão sempre interessados em experimentação,em coisas novas e diferentes, e são fascinadospor tudo o que altera a consciência. Isso énatural na adolescência. Em geral, todo mundo tomaseus primeiros porres nessa fase da vida, e conformevai ficando mais velho, vai aprendendo a se controlar.Não é patologia tomar um porre na adolescência. Oualguns, eventuais. Agora, ficar tomando porre a vidatoda é doentio.
IDEC: É certo falar que a culpa pelo consumo excessivo deálcool por adolescentes é dos pais?
DXS: Não, de forma alguma. Os pais têm a obrigaçãode desenvolver um tipo de normatização, de controle, nosentido de orientar os filhos, mas não podemos culpá-los.Se formos culpar alguém, teremos de culpar muita gente,inclusive a indústria produtora de álcool, que bombardeiao público adolescente com propagandas de bebidaalcoólica; boa parte da propaganda de cerveja é feita paraatingir esse público. É complicado não ter normatização.Esse tipo de propaganda devia ser proibido.
IDEC: Pais que bebem influenciam os filhos?
DXS: Influenciam para o bem e para o mal. Pais quebebem controladamente são um bom modelo, pois ofilho segue o exemplo. Pais que bebem para fugir deproblemas são péssimo exemplo. Não é o fato de o paibeber, é como ele bebe.
IDEC: Como os pais de adolescentes devem agir ao perceberemque os filhos estão bebendo?
DXS: Os dois extremos não têm muito sucesso. Tratarcom rigidez (álcool zero) leva o indivíduo a beberescondido. Por outro lado, se a família é muito liberal etolerante, os filhos também abusam.
IDEC: O senhor é a favor de os pais conversarem abertamentecom os filhos sobre o assunto?
DXS: Sim. Se o filho voltar para casa embriagado comfrequência, é preciso conversar com ele. Mas se ele estiverapenas bebendo uma cerveja, não é necessário fazer umescarcéu. Não pode ser nem oito nem oitenta. O que percebemosé que ou os pais são muito flexíveis e não estãonem aí, e os adolescentes voltam para casa embriagadosde três a quatro vezes por semana, ou são extremamenteradicais. Os dois comportamentos são péssimos.
IDEC: Quais os principais fatores que levam uma pessoaao alcoolismo?
DXS: Os mais importantes são o genético, a formacomo o indivíduo é criado pela família, as questõesculturais do país (como os casos da Europa e dosEstados Unidos, que citei anteriormente), e a existênciade problemas psicológicos. Depressão e ansiedade, porexemplo, são fatores de risco. Uma pesquisa da Proadfeita em 1997 mostrou que 44% dos alcoólatras tinhamdepressão antes de virarem alcoólatras. Essas pessoasprecisam procurar um psiquiatra, que é a pessoa indicadapara identificar essas doenças psíquicas, porquenão adianta tratar o alcoolismo sem tratar a depressão,por exemplo, porque na primeira vez em que a pessoaficar deprimida, ela vai beber.
IDEC: Qual é o limite entre uma pessoaque “bebe socialmente” e um alcoólatra?
DXS: Não há um limite. Não é fácilidentificar quando o indivíduo deixade ser um usuário racional e passa a seralcoólatra. Só um médico especialistapode dar o diagnóstico, pois é precisoconsiderar uma série de indícios. Omais importante é a perda de controle.Se num sábado eu saio e tomo todas,porque estou a fim de relaxar e espairecer,isso não é perda de controle.Agora, se estou indo para o trabalho,atrasado, cheio de compromissos, epasso num bar para tomar cerveja,mesmo que seja uma, isso é inadequadoe caracteriza falta de controle.
Não é a quantidade que definea perda de controle, é o contexto, aimpossibilidade de ficar sem a droga.Se eu consigo manter o uso frequente,mas controlado, sem aumentar aquantidade, eu não entro na faixa doalcoolismo. Mas se eu não consigomanter o controle, aí sim, entro.
IDEC: Quais são os efeitos do álcoolpara a saúde, a longo prazo?
DXS: Há vários efeitos. A dependência,que é o alcoolismo, é umdeles. Mas não é preciso ser alcoólatrapara o álcool fazer mal ao corpo.A pessoa pode ter cirrose no fígado,problemas cardíacos, problemas nocérebro, impotência. Alguns tipos decâncer também podem estar relacionados,mas são menos frequentes.E para adolescentes, o consumo deálcool frequente e em grande quantidadeé ainda mais perigoso, porqueaté os 21 anos de idade o cérebroainda está em formação.
IDEC: O álcool é a porta de entrada parao consumo de outras drogas?
DXS: Sim, há vários estudos quecomprovam isso. Embora muita gentediga que a maconha é a porta de entrada para outras drogas, não há estudoscomprovando isso. Então, para preveniro uso de drogas pesadas é precisofazer campanha contra o álcool, nãocontra a maconha. Geralmente, quemusa maconha não gosta de outras drogas,mas quem usa álcool, gosta.
IDEC: Várias críticas são feitas à LeiAntiálcool, que regulamenta, no Estadode São Paulo, o trabalho de fiscalizaçãoe controle da lei que proibe avenda, oferta, fornecimento, entregae permissão do consumo de bebidasalcoólicas por crianças e adolescentesem estabelecimentos comerciais. Umadelas é que a lei pune o comercianteque denunciar à polícia o consumo deálcool dentro de seu estabelecimento— que supostamente ele não foi capazde impedir — ou o que foi enganadocom uma identidade falsificada. Issonão enfraquece a possibilidade de a leiser acolhida pelo próprio comércio?
DXS: É um risco. Precisamos pararcom essa mania de importar leis deoutros países sem considerar a equivalênciacultural. A nossa cultura émais parecida com a europeia do quecom a americana.
IDEC: Proibir a venda e o consumo deálcool em lugares públicos resolve oproblema? Porque sabemos que muitasvezes o consumo começa dentro decasa e é até estimulado pelos pais. Queoutras ações seriam necessárias?
DXS: A educação funciona muitomais que a repressão. Campanhaspara orientar os pais, os jovens e asociedade como um todo, nas escolase na mídia, são muito mais eficazesque medidas proibicionistas. Estaspodem até ter o efeito oposto. Quandoo movimento americano de guerra àsdrogas foi avaliado, em 1991, após 15anos, descobriram que foram gastosU$ 20 milhões e que o problemanão havia diminuído, pelo contrário,tinha estimulado a curiosidadee o consumo aumentou. A posturarepressiva é antiquada. Ela é ótima emdiscurso político, e quem não entendedo assunto acha lindo ouvir que oproblema será resolvido, mas a gentesabe, por tudo o que já foi pesquisado,que o tiro sai pela culatra.
IDEC: O Sistema Único de Saúde (SUS)consegue atender a todos os que procuramtratamento para parar de beber?
DXS: Não, a demanda é muito maiordo que suas possibilidades. O Ministérioda Saúde está investindo nos CAPS(Serviço de Atenção Psicossocial), maseles ainda são poucos e as equipes nemsempre são capacitadas.
IDEC: Qual é o percentual de pessoasque obtêm sucesso com tratamento?
DXS: A taxa de sucesso é baixano mundo todo. Aqui no Brasil éem torno de 35%. Então, a cadatrês alcoólatras, apenas um consegueficar sem álcool.Sabemos que o tratamento maiseficaz é o multidisciplinar, ou seja,que tem atendimento médico, psicológicoe à família. Quando é usadaapenas uma dessas abordagens, ataxa de sucesso é de apenas 10%.
IDEC: E os grupos chamados AlcoólicosAnônimos, são eficazes?
DXS: São excelentes e ajudammuita gente, mas a maioria dos alcoólatrasnão se adapta ao programa,por ser muito rígido e ter uma metodologiaespecífica.Outro problema é que por nãoser um trabalho multidisciplinare ser feito por leigos, geralmenteex-alcoólatras, ele não identifica ostranstornos psíquicos que podemestar associados ao alcoolismo, comoansiedade e depressão.