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Idec se posiciona contra a construção de novas usinas termelétricas inflexíveis, previstas pela Lei no 14.182/2021, após estudo apontar que elas são mau negócio para o Brasil e para os brasileiros
O raciocínio parece simples: fontes de energia "limpa" (e mais baratas) sempre são melhores do que fontes de energia mais poluentes (e mais caras). Mas, na prática, as decisões que impactam o setor energético brasileiro e o meio ambiente não seguem exatamente essa lógica. Pelo menos não no cenário atual.
A matriz elétrica do Brasil é composta de 74,4% de energia renovável. Ou seja, a maior parte da sua energia vem de fontes como a hidrelétrica, a eólica e a solar (veja quadro abaixo). Isso coloca o Brasil na vanguarda da geração de energia limpa. Porém, esse quadro pode sofrer uma grande alteração em breve.
Em 2021, uma seca generalizada colocou os reservatórios de norte a sul do país em níveis assustadores e chamou atenção para a questão energética. Uma alternativa que surgiu com força para encarar o problema foi a expansão das usinas termelétricas, determinada a partir da controversa Lei nº 14.182/2021, que trata da desestatização da Eletrobras. As novas usinas seriam construídas nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. O projeto prevê ainda que as chamadas "térmicas-jabuti" (veja definição no quadro abaixo) sejam inflexíveis em no mínimo 70%. Isso significa que elas vão funcionar obrigatoriamente por 70% das 8.760 horas do ano em um período de 15 anos. E não emergencialmente, como defendem especialistas do setor.
TÉRMICAS-JABUTIS
As usinas previstas na Lei nº 14.182/2021 foram apelidadas de "térmicas-jabutis", porque o item que trata da sua implementação foi incorporado à legislação por meio de uma emenda que não tinha ligação direta com o texto, que tratava da desestatização da Eletrobras. E, na política, quando isso acontece, usa-se o termo "jabuti", que vem de uma frase atribuída ao falecido deputado Ulisses Guimarães, ex-presidente da Câmara: "Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente".
Preocupado com a situação, o Idec decidiu se debruçar sobre o tema, encomendando um estudo à consultoria MRTS, que analisou os impactos ambiental, econômico e social dessas novas unidades produtoras de energia.
RUIM PARA A ECONOMIA
De acordo com o estudo, com as novas usinas, a produção de eletricidade vai ficar mais poluente e mais cara, com consequências desastrosas para o meio ambiente, a economia, a saúde e o bolso da população. O custo mensal previsto para operá-las é de R$ 2,4 bilhões, contra R$ 1,7 sem elas. O gasto operacional a mais que o governo deve ter com essas usinas até 2036 é de R$ 110 bilhões.
Para Anton Schwyter, coordenador do Programa de Energia do Idec, a decisão de construir usinas geradoras é resultado de uma série de análises de viabilidades técnica, econômica e ambiental. Mas a decisão do Congresso atropela o processo de planejamento do setor, que conta com vários órgãos, como a EPE [Empresa de Pesquisa Energética], o ONS [Operador Nacional do Sistema] e o MME [Ministério de Minas e Energia]. "Além disso, essa previsão [de construir usinas termelétricas inflexíveis] contraria compromissos assumidos pelo país de descarbonizar suas atividades econômicas [reduzir e, a longo prazo, eliminar a emissão de gás carbônico]", ele observa.
RUIM PARA O MEIO AMBIENTE
O funcionamento básico de uma usina termelétrica se dá através da queima de um combustível para produção de vapor, que passa por uma turbina para ser convertido em eletricidade. Vários tipos de combustível podem ser usados nessa queima, desde os fósseis, como carvão, óleo diesel, óleo combustível e gás natural, até o nuclear. Há ainda a possibilidade do uso da biomassa, gerada a partir de lenha, bagaço de cana etc.
As usinas a combustíveis fósseis são consideradas sujas porque nessa queima são produzidos gases de efeito estufa. No Brasil, o combustível utilizado é o gás natural.
De acordo com Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), historicamente o gás é visto como uma opção menos poluente do que outras fontes térmicas fósseis. "As emissões são cerca de metade ou até um terço do que as das térmicas a carvão ou a óleo combustível. O grande problema é a utilização das usinas a gás na base do sistema, ou seja, em tempo integral. Essa é uma geração mais cara e que tem sido aproveitada no Brasil em momentos de emergência, não o tempo inteiro", pontua o especialista.
O estudo concluiu que as novas térmicas aumentarão em 53% as emissões de gases de efeito estufa do sistema elétrico, em valores acumulados até 2036. Isso contribuirá ainda mais para a quebra de acordos ambientais e para as mudanças climáticas. "Além disso, a emissão de gases poluentes na atmosfera está diretamente relacionada a problemas respiratórios", alerta Schwyter.
RUIM PARA O CONSUMIDOR
A estimativa é que o governo gaste R$ 84 bilhões na construção de gasodutos, sem contar as redes de transmissão para levar a energia produzida para os centros de consumo. Todo esse custo vai ser repassado para quem consome a energia. Ou seja, o impacto no bolso do consumidor será inevitável.
"A conta de luz é composta basicamente de três custos: o da tarifa de energia, o da transmissão e o da distribuição, além dos impostos. Com as 'térmicas-jabutis', o estudo do Idec estima que o componente 'tarifa de energia' da conta de luz vai aumentar em até 12,5% em 2030", conta Schwyter. "E o impacto financeiro não para por aí. Porque quando o preço da energia sobe, todos os produtos que dependem dela também encarecem. Isso inclui itens básicos para a população, como alimentos, transporte, dentre outros produtos e serviços. Ou seja, é um efeito dominó", ele acrescenta.
E QUAL A SOLUÇÃO?
Para o Idec, o ideal seria aumentar o uso de fontes renováveis de energia, como eólica, solar, biomassa, baterias ou outras tecnologias, combinando-as com medidas de incentivo à eficiência energética. Por exemplo, equipamentos elétricos que necessitem de menos energia para seu funcionamento, além de mudanças nos hábitos de consumo, para evitar desperdícios.
Baitelo, do Iema, segue a mesma linha. Ele entende que a melhor alternativa para o setor é ampliar o uso das energias eólica e solar, cujos potenciais ainda são pouco explorados no Brasil, integradas à biomassa, quando for possível, e com as hidrelétricas. E defende que o gás deveria ser deixado para finalidades estratégicas e essenciais. "O problema, além do custo, que vai ser arcado por todos os consumidores, e dos impactos ambientais, é o desperdício das fontes que contribuem para a descarbonização da matriz", ele declara.
Diante dos dados alarmantes do estudo, o Idec tem trabalhado para propor que o Executivo Federal edite uma Medida Provisória que altere a Lei nº 14.182/2021, excluindo de seu texto a obrigatoriedade da construção das térmicas a gás, e para que esta seja aprovada com urgência pelo Legislativo. Que assim seja!