Consumo sustentável
Idec participa de segundo encontro para elaboração do Tratado do Plástico, a convite da Consumers International. A seguir, contamos como foi e quais os próximos passos
Se você já assistiu ao documentário Um oceano de plástico ou a algum outro que mostre os graves problemas ambientais que o uso de plástico causa deve ter ficado impressionado. E temos mesmo de ficar chocados, pois essa é uma triste realidade: de acordo com um estudo publicado em março na Revista Plos One, os oceanos Atlântico, Pacífico, índico e o Mar Mediterrâneo estão poluídos com cerca de 171 trilhões de partículas de plástico, que pesariam 2,3 milhões de toneladas se fossem reunidas. Outro estudo, publicado na revista Science, estima que 1,3 bilhão de toneladas de plástico serão destinadas ao meio ambiente (terra e oceano) até 2040. Assustador, não?
Para evitar essa catástrofe é preciso agir rápido. E é justamente para pensar numa medida eficaz que 175 países se uniram, pela primeira vez na história, com o objetivo de desenvolver um tratado global com caráter vinculante para redução (e posterior eliminação) da poluição por plástico no mundo. "O termo ́'vinculante' significa que as recomendações e diretrizes do tratado serão obrigatórias para os países que aderirem a ele", explica Rafael Arantes, coordenador do Programa de Consumo Sustentável do Idec.
A primeira reunião do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC, na sigla em inglês), proposto pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), aconteceu em dezembro de 2022 em Punta del Este, no Uruguai. E de 29 de maio a 2 de junho deste ano, Paris (França) sediou a segunda reunião (INC-2).
O Idec foi à capital francesa como parte da delegação da Consumers International – entidade que reúne cerca de 250 organizações de defesa do consumidor em 120 países –, que também estava participando do evento pela primeira vez (na verdade, nenhuma organização de defesa do consumidor foi ao Uruguai). "Participamos como organização não governamental observadora. Pudemos circular nesse espaço restrito, acompanhar as rodadas de negociações e lemos nosso posicionamento. Os votos, sobre questões operacionais e temas a serem discutidos, eram limitados aos governos dos países presentes", conta Arantes, que representou o Idec no INC-2.
PRÓXIMOS PASSOS
As organizações intergovernamentais e não governamentais que participaram da segunda rodada de negociações do Tratado do Plástico em Paris têm de enviar suas contribuições até agosto. Os governos dos países-membros têm duas semanas a mais para fazer isso. Com essas contribuições, o secretariado do Comitê vai elaborar um rascunho do tratado, chamado de versão zero, que será discutido na terceira seção, em novembro, na capital do Quênia, Nairóbi.
A quarta reunião está agendada para abril de 2024, no Canadá. E a quinta e última para o segundo semestre de 2024, na Coreia do Sul.
O plano é que até o final de 2024 o tratado esteja pronto e aprovado.
Mas para que o futuro tratado cumpra seu papel é essencial que os países que estão participando de sua elaboração estejam de fato comprometidos com metas ambiciosas, mas aplicáveis. "O tratado tem de resolver o problema, ou seja, acabar com a poluição causada pelos plásticos, de forma imediata e efetiva", afirma Arantes. Para Maria Angélica Ikeda, diretora do Departamento de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores e ministra da delegação brasileira no INC-2, este é um objetivo ambicioso, mas que deve ser trabalhado com urgência, tendo em vista os danos ao meio ambiente e à saúde humana. "Este é um problema global que demanda soluções globais. Assim, é importante que haja uma ampla aliança entre os países e que todos se engajem efetivamente. Para isso, será necessário garantir meios para que esse grupo de países possa implementar o acordo, pois não se pode ignorar que há diferenças significativas nas capacidades financeira, técnica e tecnológica das nações envolvidas", ela declara. O Idec acredita que, aqui no Brasil, para que o tratado seja levado a sério e de fato colocado em prática, será preciso uma coordenação entre diferentes ministérios, como o do Meio Ambiente, o das Relações Exteriores e o da Saúde, além de um processo de escuta e consulta com organizações da sociedade civil que defendam os direitos dos consumidores, dos catadores de materiais recicláveis e o meio ambiente.
PRIMEIRAS DISCUSSÕES
Embora as negociações estejam em seu estágio inicial, no INC-2 houve uma discussão abrangente sobre a produção, o consumo, o descarte e a reciclagem dos produtos que contêm plásticos; dos aspectos sociais em relação à cadeia do plástico; dos impactos desse material no meio ambiente marinho; dos meios necessários para que os países em desenvolvimento tenham suas especificidades refletidas para cumprirem as obrigações do acordo; entre outros pontos.
Os países verificaram a necessidade de definições e critérios para identificar corretamente os diversos tipos de plástico (evitáveis, desnecessários, de uso único, problemáticos etc.), bem como suas aplicações. "A definição conceitual é de grande importância para a elaboração de regras", acredita Ikeda.
Além de se envolver na discussão de todos esses temas, o Brasil destacou a necessidade de empoderamento sócio-econômico dos trabalhadores da cadeia de reciclagem, como os catadores. Também realçou questões referentes à saúde humana desses trabalhadores, dos consumidores e da população em geral, e reforçou que os países em desenvolvimento necessitarão de recursos financeiros e tecnológicos, além de cooperação técnica, para cumprir suas obrigações perante o novo acordo.
CONSUMIDORES REPRESENTADOS
O Idec e a Consumers International levaram as perspectivas dos consumidores a Paris. "Nosso papel foi reunir o entendimento de outras organizações de consumidores, sistematizá-los e desenvolver o nosso posicionamento, que foi lido no plenário da Unesco. Também participamos de reunião com representantes da ONU, de outras entidades da sociedade civil e de alguns países, principalmente do Brasil", relata Arantes.
O Idec e a Consumers International têm defendido três pontos:
1) Que a poluição por plástico seja eliminada até 2040. Por meio de subsídios e incentivos para os consumidores e regulamentos que garantam a mudança dos principais atores da indústria do plástico, o tratado deve reduzir a produção, o uso e o descarte de plástico, sobretudo os de uso único (embalagens de ultraprocessados, canudos, copos descartáveis etc.). "É preciso criar condições para que a economia deixe de ser linear e passe a ser circular. Isso significa que os materiais e as práticas poluentes precisam ser substituídos por alternativas sustentáveis, garantindo a inclusão social", recomenda Arantes.
2) Que o direito à informação seja garantido aos consumidores (por exemplo, sobre as características dos produtos, o que é possível reciclar e o que não é, como é feita a reciclagem etc.);
3) Que o tratado seja ambicioso e acabe com a poluição plástica. E que isso seja feito com justiça socioambiental, ou seja, garantindo os direitos das pessoas afetadas pela falta de saneamento e por catástrofes ambientais, e dos catadores de materiais recicláveis afetados por esse processo. "É preciso ouvi-los e incluí-los nas decisões", defende Arantes.
Representantes dos catadores de materiais recicláveis também foram a Paris pedir uma transição justa e inclusiva do setor informal de resíduos. "Transição justa significa acabar com a poluição plástica da forma mais inclusiva possível, criando oportunidades de trabalho decentes e tornando visíveis aqueles que trabalham em várias etapas da cadeia do plástico, como recicladores e outros trabalhadores informais, reconhecendo a sua dignidade humana e sua contribuição histórica", explica Severino Lima Júnior, membro do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Para os próximos encontros, ele espera que um número maior de catadores possa participar, para que a voz dessa categoria seja fortalecida e para que consigam exigir um esboço de algum mecanismo que garanta uma transição justa para os catadores de materiais recicláveis.
ENQUANTO O TRATADO NÃO SAI
Você pode estar se perguntando: "mas enquanto o tratado não fica pronto, o que pode ser feito?"
No âmbito governamental, existem alguns Projetos de Lei tramitando no Congresso que visam eliminar a poluição por plástico e garantir a economia circular. "O que os Poderes Executivo e Legislativo já deveriam estar fazendo é criar políticas públicas que tenham como meta reduzir essa poluição. Por exemplo, em vez de dar subsídios para os produtos de plástico, investir em alternativas que garantam a circularidade ambiental, como materiais que possam ser compostados, reutilizados ou reciclados", sugere Arantes.
Já as empresas deveriam ser transparentes com os consumidores, informando suas práticas e tornando públicos seus relatórios de custos, financiamentos e investimentos em tecnologias para soluções sustentáveis. "Além disso, elas precisam estar antenadas com as soluções sustentáveis a fim de substituírem suas embalagens e produtos, ou seja, menos greenwashing e mais compromissos efetivos", pontua Arantes.
Os consumidores também podem colaborar nessa "guerra" contra o plástico, separando os resíduos para reciclagem, tendo em casa uma composteira para reciclagem de resíduos orgânicos, evitando os plásticos de uso único, entre outros hábitos sustentáveis. No entanto, Arantes ressalta que os consumidores não podem ser responsabilizados pelos impactos e condutas empresariais e industriais, que são os principais responsáveis pela poluição plástica. "O que o consumidor tem de fazer é demandar melhores práticas do governo e das empresas. E o Estado deve tornar o caminho mais fácil, acessível e barato para a sustentabilidade, por meio de políticas públicas e de informações precisas para os cidadãos", finaliza Arantes.
Saiba mais
- Posicionamento do Idec lido em Paris (em Inglês): https://bit.ly/430rg4W;
- Relatório "Fechando a torneira – como o mundo pode acabar com a poluição por plástico e criar uma economia circular", do Programa de Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas: https://bit.ly/3NKh8c8